Desde que se formou em
Medicina, o médico Francisco Ivan Araújo, praticamente, só exerceu sua
profissão na cidade de Itaituba, onde já viveu mais da metade de sua vida. Já
se vão quase trinta anos - vinte e nove anos a serem completados em dezembro vindouro
- que ele realizou o sonho de ajudar o próximo, por meio de uma das mais nobres
profissões de toda a humanidade.
Ele nasceu em Vitória do Mearim, no Maranhão, em 1954. Ao
Jornal do Comércio contou como foram esses anos todos. Nem sempre tranquilos.
Muito pelo contrário! Nos idos da febre do ouro, ele lembra que trabalhava
demais. Também recorda que era muito difícil exercer plenamente a Medicina,
pois faltavam os recursos necessários para que o médico aplicasse todos os seus
conhecimentos. Foram tempos de em que era preciso se virar com o que havia.
Além disso, a violência também rondava os hospitais, como ele relatou no
decorrer da conversa com a reportagem.
"Cheguei a Itaituba em fevereiro de 1985,
diretamente para incorporar-me ao 53º BIS para prestar o serviço militar,
iniciando como aspirante médico, sendo promovido a 2º tenente. Fiquei no
Exército por um ano completo, de fevereiro de 1985 a fevereiro de 1986. Depois,
fui para Anápolis, Goiás, fazer um curso de anestesiologia, por causa da falta
de anestesistas em Itaituba. Eu já tinha feito um ano de internato, lá, em um
hospital de referência, que é o Hospital Adventista. Foi lá que eu peguei a
cancha necessária para trabalhar em clínica médica, tendo passado pelos setores
de neurologia, pediatria, ginecologia, obstetrícia e setor cirúrgico.
Quando voltei para Itaituba para trabalhar, deparei-me
com a necessidade que havia, de atuar como cirurgião, como anestesista e ainda
clinicar. Fiz isso por uns bons anos. Com o passar do tempo eu fui deixando as
cirurgias, fui deixando de atuar como anestesista, concentrando-me apenas na
clínica médica.
Eu mesmo enfrentei barras pesadas no período do auge do
garimpo. A cidade tinha quase nada de infraestrutura. Nem energia elétrica que
prestasse a gente tinha, pois havia um racionamento pesado. Ficava-se mais
horas sem energia, do que com ela. O hospital tinha seus próprios grupos
geradores, mas, nem sempre eles suportavam a enorme demanda.
Foi um tempo de muita violência e muitas doenças, como
hepatite, malária e outras. A gente ficava, praticamente, 24 horas no ar,
podendo ser chamado a qualquer momento. Até dormir, nós dormíamos pouco. Posso
dizer, que os primeiros vinte anos de minha carreira de médico foram quase que
de dedicação exclusiva. Para se ter uma ideia, eu cheguei a passar um ano sem
ir daqui da área do Hospital Menino Jesus, até a beira do rio Tapajós, na
frente da cidade.
Havia muitos garimpeiros legais, que acompanhavam o
tratamento de familiares com tranquilidade. Contudo, existiam aqueles barra
pesada, que chegavam com um doente para ser atendido, muitas vezes, sem muita
esperança de vida, e queriam que a gente salvasse a vida a qualquer custou, sob
pena de correr o risco de ser morto. O camarada chegava com a esposa muito mal,
com hepatite, por exemplo, e comunicava ao médico: se ela morrer, você também morre.
Isso aconteceu algumas vezes comigo no plantão. Às vezes
era preciso a gente usar a linguagem que eles entendiam. Vamos ver quem é que
vai morrer, se sou eu, ou se é você, eu disse algumas vezes, para tentar baixar
o fogo do cara. Muita gente foi embora, muitos colegas não aguentaram a pressão
e se mandaram. Houve caso até de assassinato aqui dentro do Hospital Menino
Jesus. Certa vez, passaram pertinho do Dr. Benigno e do Dr. Francisco e foram
matar um cara na enfermaria. Isso saiu no Jornal Liberal.
Nós somos sobreviventes daquele período duro. Um dia
desses, conversando com missionários da Suécia, de passagem pela região, eles
pediram para que eu contasse alguns episódios daquele tempo. Depois que eu
narrei alguns fatos, eles ficam deslumbrados, dizendo que deveria ser escrito
um livro para registrar esses acontecimentos.
Hoje em dia a situação é muito diferente. Os médicos, em
grande número, se especializaram. Quem faz anestesia, só cuida disso, quem é
ortopedista só se dedica a essa parte e assim por diante. Naqueles tempos da
corrida do ouro, a gente era chamado para fazer de tudo. Havia necessidade de
sermos polivalentes. E juntando esse acúmulo de funções, com o risco que se
corria,de vez em quando eu ameaçavalarga tudo e ir embora para trabalhar em
outro lugar.
Isso
durou os dez primeiros anos de minha vida em Itaituba. Inicialmente eu dizia
que não ficaria mais do que cinco anos. Mas, o tempo foi passando, eu fui ficando,
e depois dos dez anos eu disse para mim mesmo: quer saber de uma coisa, eu
gosto deste lugar, com todas as suas virtudes, e com todos os seus defeitos.
Fiquei, constituí família, casando-me com Gelciane Aguiar, união que nos deu
dois filhos maravilhosos, Fernando e Felipe, que já decidiram querer seguir os
passos do pai, tornando-se médicos. Hoje em dia, nem passa por minha cabeça
deixar Itaituba.
Por
fim, é interessante lembrar que o infectologista Alexandre Padilha, atualmente
ministro da Saúde, costumava circular por aqui. Eu tenho até uma cartinha que
ele mandou para o Hospital Menino Jesus, que era um ponto de apoio para ele.
Nessa carta, ele mandou orientações sobre o procedimento que a gente deveria
adotar no tratamento de uma grávida, que estava com malária. A gente se
encontrava no aeroporto, e ele foi sempre uma pessoa muito simpática com
todos", finalizou o médico Ivan Araújo.
* - Publicado na edição do Jornal do
Comércio, que circulou sexta-feira passada.