O mundo passa por um gradual processo de transição da hegemonia estadunidense para a chinesa, em aliança com a Rússia. Com isso, acirram-se as disputas geopolíticas em todos os cantos do globo. Particularmente na América Latina, o imperialismo estadunidense intensifica seu controle sobre sua tradicional “reserva de domínio”, se necessário fazendo uso da força e de golpes de Estado.Por outro lado, parte das elites econômicas brasileiras já têm a China como principal parceira comercial. Entretanto, militares brasileiros seguem considerando os EUA como sua maior referência. Em algum momento, ocorrerá um desencontro em relação à leitura de mundo dessas duas elites. No caso militar, o ambiente interno foi historicamente o palco de atuação das forças, característica que se consolidou no pós segunda guerra, conformando uma espécie de divisão internacional do trabalho na área de defesa. Enquanto cabe às forças armadas dos EUA a segurança do continente nas grandes disputas geopolíticas, a tarefa das forças armadas de países de periferia segue sendo o controle da ordem interna travestida de “combate ao narcotráfico” e atividades auxiliares da grande potência, como as Missões de Paz.
Em suma, os próximos anos tendem a definir quem dominará o século. Por isso, em termos de geopolítica global, não virá um tempo de estabilidade e respeito à soberania brasileira, ou de qualquer país do continente, por parte dos EUA, com ou sem Lula presidente.
Brasil desde o golpe
O país vive uma crise econômica, política, social, ética-moral, ambiental, sanitária, de direção na burguesia… e militar. Foi essa confluência de crises que criou as condições para a reorganização e relativa massificação do Partido Militar. Nesse sentido, a crise militar não pode ser resolvida de forma desconectada das demais. Os militares ativistas alimentam a crise, e suas declarações são fonte de instabilidade. Dessa maneira, os militares hoje são parte do problema. Não virá das suas fileiras a solução.
Bolsonaro é espelho dessa confluência de crises, e provoca o caos como método. Enquanto isso, o Legislativo tem tido êxito em aprovar reformas antipopulares, e segue funcionando a fisiologia Centrão – Executivo.
O Partido Militar não foi a força principal do golpe contra Dilma Rousseff, mas foi o fiel da balança que manteve Michel Temer até o fim, recebendo em troca a recriação do Gabinete de Segurança Institucional (entregue ao general Sérgio Etchegoyen), a intervenção federal no Rio de Janeiro, o Ministério da Defesa e mantendo a pressão sobre outras instituições (tuítes de Vilas Boas e o Supremo), entre outras questões.
Contribuíram para a reorganização do Partido Militar a Minustah no Haiti (aumentando seus contatos internacionais), as operações de Garantia da Lei e da Ordem (oferecendo uma autoimagem de solucionador de problemas nacionais), o emprego das forças armadas nos megaeventos esportivos (proporcionando contatos com elites econômicas – particularmente empresários da construção civil – e com a imprensa), e a Comissão Nacional da Verdade (garantindo coesão discursiva em torno de um inimigo comum, a esquerda).