Ninguém sabia se o dólar ia aumentar ou se ia faltar mercadoria, dizem comerciantes na Argentina
Lojas de comércio popular do bairro Once, em Buenos Aires, demoraram para abrir na última terça-feira, e, quando receberam os consumidores, tinham em suas vitrines cartazes que avisavam que todos os produtos estavam 20% mais caros do que o registrado nas etiquetas.
O atraso para abrir, assim como os cartazes, decorriam do fato de os empresários não saberem mais quanto cobrar dos clientes.
"Ninguém sabia se o dólar ia aumentar ou se ia faltar mercadoria. Na segunda, muitos comércios nem funcionaram porque não tinham mais um preço de referência para as vendas", disse o porta-voz da Confederação Argentina da Média Empresa (Came), Salvador Femenía.
A incerteza já era alta nos últimos meses, mas aumentou após a renúncia, no último dia 2, um sábado, de Martín Guzmán, ministro da Economia desde o início do governo Alberto Fernández.
Em março, Guzmán havia fechado um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para pagar uma dívida de US$ 44 bilhões entre 2026 e 2034. Como contrapartida, o órgão pediu ao país que reduzisse o déficit fiscal de 3% do PIB, neste ano, para 0,9% em 2024.
A vice-presidente, Cristina Kirchner, porém, se posicionou contra esse acordo, gerando uma crise no governo. Ela venceu a disputa.
Fernández anunciou que Silvina Batakis (próxima de Cristina e tida como mais heterodoxa) substituiria Guzmán só na segunda-feira. "Ficamos um dia e meio sem ministro. Parecia que ninguém queria (o cargo). Isso gerou uma desconfiança gigante", disse o economista-chefe da consultoria argentina EconViews, Andres Borenstein.
A incerteza vem crescendo desde o início do ano, conforme aparecem sinais de que o governo não vai cumprir o acordo com o FMI, considerado um programa de ajuste relativamente leve para os padrões do órgão. Como resultado, a cotação do dólar no mercado paralelo (257 pesos) já supera o dobro da do mercado oficial (126 pesos).
Reservas
Para piorar, as reservas internacionais estão em um patamar muito baixo.
Apesar de anunciar que elas chegam a US$ 42,3 bilhões, o governo não dispõe de todo esse volume.
Estimativas do mercado apontam que apenas US$ 3,5 bilhões são reservas líquidas. Isso porque os argentinos podem abrir contas bancárias em dólares no país. Nesse caso, seus recursos não são emprestados e ficam depositados no Banco Central, como um compulsório.
Como se isso não bastasse, o país precisa de dólares para importar energia, principalmente agora no inverno, quando o consumo cresce devido ao uso de aquecedores. Mas o preço também aumentou com a guerra na Ucrânia.
Assim, para controlar a saída de dólares, o governo tem ampliado as restrições de acesso ao mercado cambial. Na semana passada, proibiu o parcelamento de compras em free shops - recurso que já não era permitido para passagens internacionais.
Na semana anterior, havia determinado que as empresas só terão divisas para importar um volume 5% superior ao de 2021. Fonte: Exame