Mostrando postagens com marcador Gripe Espanhola. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Gripe Espanhola. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, novembro 23, 2020

A segunda onda da gripe espanhola: Muito mais letal e contagiosa que a primeira


O Globo - A gripe espanhola matou até 50 milhões de pessoas no começo do século XX, segundo estimativas. Contudo, pode-se dizer que a doença foi apenas uma "gripezinha" se a gente analisar apenas a primeira onda daquela pandemia. 

Surgida num campo de treinamento de soldados no estado americano do Kansas, em março de 1918, a enfermidade se espalhou até a Costa Leste dos EUA e chegou à Europa levada por tropas do Tio Sam enviadas para lutar na Primeira Guerra Mundial. Nos primeiros meses de circulação da doença, as baixas taxas de mortalidade não causaram alarme. A segunda onda, porém, foi devastadora.

Em meados de 2020, boatos nas redes sociais diziam que a segunda onda da gripe espanhola só aconteceu porque as pessoas abandonaram as medidas de proteção necessárias para frear o contágio. 

O erro de informação foi usado nas redes como um argumento para ninguém baixar a guarda contra a pandemia de Covid-19, um século depois. Na verdade, não se sabe ao certo por que a segunda onda da "espanhola", a partir de agosto de 1918, foi mais contagiosa e mortal. 

É provável que alguma mutação tenha tornado o vírus Influenza H1N1 muito mais agressivo. Mas não há indícios de que o mesmo possa ocorrer agora, com o coronavírus.

As medidas de proteção contra a gripe de 1918 eram semelhantes aos cuidados de agora (mácaras, distanciamento e higiene), mas ainda não estavam disseminadas na primeira onda. Portanto, não foi o descuido das pessoas que abriu espaço para a doença voltar. Ainda assim, a comparação entre ambas as pandemias vem gerando reflexão, enquanto o Brasil teme um novo salto de casos de Sars-CoV-2.

- Na primeira onda da gripe espanhola, muita gente foi contaminada, e até o rei da Espanha ficou doente. Mas, àquela altura, o vírus ainda era pouco letal, e o problema desapareceu sem gerar muito alarde - conta a historiadora Heloísa Starling, que está lançando o livro "A bailarina da morte: Gripe espanhola no Brasil" (Companhia das Letras), em parceria com a antropóloga Lilia Schwarcz. -  Talvez aquela baixa letalidade explique por que a doença não assustou o mundo logo que voltou, em agosto de 1918. Mas, na segunda onda, a gripe estava muito mais feroz e não poupava ninguém. Matou gente de todas as idades, de forma rápida. 

Como Rio sofreu com gripe espanhola, mas sobreviveu pra pular o carnaval

Foi nesse segundo golpe que a gripe espanhola chegou ao Brasil, a bordo do navio inglês Demerara, que saiu de Lisboa e atracou no porto de Recife, em setembro de 1918, antes de zarpar para Salvador e Rio. Estima-se em 35 mil mortes no país entre setembro e dezembro daquele ano. Um número baixo se comparado aos milhões de óbitos na Europa, onde os campos de batalha foram focos de disseminação.

Coronavírus resgata medidas de proteção adotadas contra gripe espanhola

- A segunda onda atinge a Europa levada pelos soldados americanos na "grande ofensiva" (também chamada de "ofensiva dos cem dias"), no fim da guerra. Em setembro, a doença chegou ao Brasil. Além de muito letal, provocava uma morte horrível. As pessoas ficavam azuis, sangravam, encontramos relatos médicos assustadores durante a pesquisa para o livro - conta Heloísa Starling.

De acordo com a professora de História da UFMG,  assim como ocorre com a Covid-19, a gripe espanhola expôs desigualdades que muita gente não queria ver.

- A população pobre foi a que mais sofreu. Em Recife, por exemplo, foram abertas farmácias apenas no centro da cidade. Moradores da periferia que ficavam doentes percorriam longas distâncias atrás de remédios e por vezes não voltavam. Caíam na rua e eram levados para o hospital. Ou para o necrotério.

Os números da Gripe Espanhola no Brasil e no mundo

No Rio, enquanto a classe mais abastada fugia para a Região Serrana, moradores de bairros como o Méier, na Zona Norte, morriam aos montes. Relatos de escritores como Pedro Nava e Nelson Rodrigues desenham cenas alarmantes de carrocinhas apinhadas de corpos recolhidos nas portas das casas, onde eram deixados por familiares. Com algo entre 12 mil e 14 mil óbitos, a metrópole fluminense, que então era capital do Brasil, foi a mais atingida pela gripe espanhola no país. 

Geneticamente, o coronavírus em nada se parece com o influenza que causou a pandemia de cem anos atrás. Portanto, seria uma leviandade usar a gripe espanhola para tentar prever como vai se comportar uma eventual "segunda onda" de Covid-19 no Brasil. Dito isso, ambas as doenças podem provocar sintomas semelhantes, como febre, prostração e dores na garganta. Além disso, o contágio se dava da mesma forma, pelas vias respiratórias, o que demandava os mesmos tipos de cuidado, como isolamento ou distanciamento social e higiene pessoal. 

Bolsonaro chama segunda onda de Covid-19 de 'conversinha

- As formas de proteção são semelhantes, o que nos diferença daquela época é a reação. Em 1918, a sociedade brasileira buscou a ciência e não foi indiferente à morte. As pessoas ficaram em casa, reagiram de forma solidária, ajudando-se. As autoridades não fizeram pouco caso com o vírus - comenta a professora Starling. - Hoje, temos uma sociedade em que diversos setores negam as recomendações da ciência e desdenham da morte de brasileiros. Naquela época, depois que a doença se instalou, nenhum governante foi ao jornal dizer que a gripe não era importante.