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sexta-feira, julho 09, 2021

Haiti pede que Estados Unidos mandem forças para estabilizar o país

Os temores de que o já frágil país mergulhe ainda mais em turbulência após o assassinato do presidente estão crescendo. 
Dois americanos presos na investigação afirmam ter sido apenas “tradutores” da operação, segundo um juiz que os entrevistou.

Funcionários do governo haitiano tomaram a medida extraordinária de solicitar que os Estados Unidos enviem tropas para proteger o porto, aeroporto, reservas de gasolina e outras infraestruturas do Haiti, enquanto o país sofre ameças de turbulência após o assassinato brutal do presidente Jovenel Moïse na manhã de quarta-feira .

O Haiti tem um histórico de intervenções militares americanas indesejadas. Mas tem crescido o temor de que a agitação nas ruas e a turbulência política após o ataque possam piorar o que já é a pior crise do país em anos. O Haiti é atormentado por intrigas políticas , violência de gangues , uma crise de saúde pública causada pela pandemia.

O ministro das eleições haitiano, Mathias Pierre, disse que o pedido foi feito porque o presidente Biden e o secretário de Estado Antony Blinken haviam prometido ajudar o Haiti.

A vice-porta-voz do Departamento de Estado, Jalina Porter, disse em uma entrevista coletiva nesta sexta-feira, que não poderia confirmar tal pedido. A secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, disse que os Estados Unidos enviariam altos funcionários do FBI e de segurança interna a Porto Príncipe “o mais rápido possível” para determinar como ajudar o Haiti.

As autoridades haitianas disseram que o assassinato envolveu forças “estrangeiras” e a polícia identificou mais de duas dezenas de pessoas envolvidas no assassinato do presidente, incluindo 26 colombianos e dois americanos de ascendência haitiana.

O presidente da Colômbia pediu a vários oficiais de inteligência do país e a um oficial do escritório central da Interpol na Colômbia para viajar ao Haiti para ajudar na investigação, disse o Departamento de Defesa da Colômbia na sexta-feira.

Pierre, o ministro das eleições haitiano, disse que o país já enfrenta um grande problema com “terroristas urbanos” que podem usar a oportunidade para atacar as principais infraestruturas do país enquanto a polícia está concentrada em sua caçada as assassinos que ainda não foram presos. Dezessete pessoas foram presas pela política haitiana acusas de participar do crime.

Entre os presos encontram-se militares da reserva da Colômbia, fato que levou o presidente Ivan Duque a determinar que a polícia colombiana mande uma equipe ao Haiti para ajudar nas buscas pelos culpados ainda livres e nas investigações. O presidente Duqui conversou com o primeiro ministro haitiano, ao qual prestou total apoio e pediu que os assassinos sejam exemplarmente punidos com todo rigor.

“O grupo que financiou os mercenários quer criar o caos no país”, disse ele. “Atacar as reservas de gás e o aeroporto pode fazer parte do plano.”

Robenson Geffrard, repórter do Le Nouvelliste , um dos principais jornais do país, disse que uma "sensação de incerteza" e uma "sombra de violência" pairavam sobre a capital, Porto Príncipe, levantando temores de que sexta-feira mais ou menos calma foi apenas passageira intervalo antes que a situação saia do controle novamente.

“Nos supermercados e mercados públicos, as pessoas estão se acotovelando” para estocar produtos básicos como arroz e macarrão, disse Geffrard, e há filas nos postos que vendem gás propano, geralmente usado para cozinhar.

O país está mergulhado em uma crise institucional, com um Parlamento que não funciona e reivindicações concorrentes de liderança. O primeiro-ministro interino do país caribenho, Claude Joseph, diz que assumiu o comando da polícia e do exército. Mas o presidente, dias antes de sua morte, indicou um novo primeiro-ministro, Ariel Henry. Henry disse a um jornal local após o assassinato que era o primeiro-ministro de direito.

A situação ficou ainda mais complicada pela pandemia. Embora existam muitas incertezas jurídicas, no passado esperava-se que a alta cúpula da justiça do país preenchesse os vácuos de liderança política. Mas o juiz René Sylvestre, que era um dos nomes respeitados para assumir morreu de Covid-19 em junho.

O Haiti, o único país das Américas sem uma campanha ativa de inoculação de Covid-19, praticamente não tem doses de vacina, e especialistas em saúde pública dizem que o coronavírus está muito mais disseminado lá do que o relatado publicamente .

Psaki disse que os Estados Unidos enviarão vacinas ao Haiti, possivelmente já na próxima semana.

Com a perspectiva de uma turbulência maior se aproximando, os observadores internacionais temem que uma crescente crise humanitária possa levar ao tipo de êxodo que se seguiu a desastres naturais, golpes de Estado e outros períodos de profunda instabilidade.

A Organização Pan-Americana da Saúde disse em um comunicado que a crise estava “criando uma tempestade perfeita, porque a população baixou a guarda, a infraestrutura dos leitos Covid-19 foi reduzida, a situação de segurança pode piorar ainda mais e a temporada de furacões começou . ”

The New York Times - Natalie Kitroeff , Catherine Porter e Michael Crowley
Tradução: Jota Parente

quarta-feira, julho 07, 2021

Haiti: A história violenta de um país que teve seu primeiro presidente esquartejado, há 200 anos


Em menos de cem anos, toda a população nativa havia sido escravizada ou morta, enquanto aquelas terras se tornavam um dos principais destinos de negros raptados da África para trabalhar sob tortura em lavouras de açúcar, cacau e café. A partir de 1791, uma revolução faria do Haiti o primeiro país das Américas a abolir a escravidão e o segundo a se declarar independente. Mas a insígnia da violência jamais zarpou daquele naco de terra no Caribe.

Jovenel Moïse: Presidente haitiano é assassinado dentro de casa

Em 1697, a parte ocidental da ilha, onde fica o Haiti, foi cedida à França pela Espanha, que manteve a porção Leste, onde hoje fica a República Dominicana. O Haiti se tornou, então, a mais próspera colônia francesa das Américas, apelidada de "Pérola das Antilhas". Mas tanta riqueza era gerada às custas de milhares de negros escravizados, vítimas de doenças como a febre amarela, abusos físicos e execuções (a expectativa de vida na região não passava de 21 anos de idade).


Influenciados pelos ideais de igualdade e liberdade da Revolução Francesa de 1789, os cativos começaram uma série de revoltas a partir de 1791, depredando engenhos e matando milhares de proprietários de terra. A rebelião se espalhou e, três anos mais tarde, os governantes franceses, pressionados, aboliram a escravidão.

Nascido na colônia caribenha, o escravizado Jean-Jacques Dessalines trabalhava em uma plantação de cana-de-açúcar até se tornar um dos líderes da Revolução Haitiana, comandada por outro ex-cativo chamado Toussaint L'Overture, hoje considerado o grande herói da libertação do Haiti.

Entenda: A crise política que culminou com morte do presidente haitiano

Para obter o fim da escravidão, L'Overture se aliou à França no esforço de repelir invasores britânicos e, mais tarde, foi nomeado general e governador da província. Entretanto, ele foi preso em 1802 e deportado para Paris, enquanto o estadista Napoleão Bonaparte tentava, traiçoeiramente, restaurar a escravidão na província caribenha. Foi quando Dessalines reuniu novamente as tropas de revoltosos e, após meses de batalhas, derrotou de uma vez por todas o exército colonial francês.

Em 1º de janeiro de 1804, Dessalines decretou a independência do Haiti e, em setembro do mesmo ano, declarou-se imperador do país. Entre os meses de fevereiro e março daquele ano, o governante exortara sua população a executar todos os brancos, e mesmo os filhos de franceses, que não tinham fugido. Acredita-se que mais de 3 mil pessoas tenham sido mortas naquele genocídio, entre elas muitas mulheres e crianças filhas de fazendeiros e militares. 
Ditadura: Os anos de terror no Haiti com Papa Doc e seu filho, Baby Doc

Na tentativa de resgatar uma economia devastada após a morte de mais de 200 mil haitianos durante as revoltas contra a França, Dessalines obrigou todos os homens a trabalhar como soldados ou em plantações destinadas à exportação. Seu governo era tão rígido ao exigir o cumprimento de suas ordens que muitos haitianos achavam que haviam sido escravizados mais uma vez.

O primeiro governante haitiano não viveu por muito mais tempo. Em outubro de 1806, Dessalines foi vítima de um motim apoiado por boa parte da população, que o via como um tirano. Relatos descrevem de formas diferentes a maneira como ele foi atacado e morto na capital, Port-au-Prince, mas é sabido que seu corpo teve membros e a cabeça arrancados e expostos em diferentes partes da cidade. O assassinato não amenizou a tensão, e o país mergulhou numa guerra civil.

Terremoto: A tragédia que destruiu a capital do Haiti, em 2010

Em 1825, nenhum governo havia reconhecido a independência do Haiti. Era uma retaliação das potências à matança de pessoas brancas. Para obter reconhecimento de seus antigos exploradores, o então presidente do país caribenho, Jean-Pierre Boyer, assinou com a França um acordo no qual o Haiti reduzia em 50% as tarifas de importações da França e uma indenização de 150 milhões de francos (mais de US$ 20 milhões em valores atuais), equivalente a um ano de receitas na ex-colônia. O país recorreu a empréstimos extorsivos e só terminou de pagar a dívida em 1947.

A história do Haiti continuou marcada por conflitos, miséria, tragédias naturais e instabilidade política. Desde sua independência, o país teve dezenas de governantes assassinados ou depostos, além de longos períodos de ditadura.

O Globo