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sábado, abril 24, 2021

Lewandowski adiciona ao 'garantismo' a jurisprudência do 'roubamasfazismo'

Ricardo Lewandowski é provecto e sábio. Seus argumentos, sempre eruditos, às vezes são incompreensíveis. Mas ele soou claro como água de bica na última quinta-feira, quando defendeu no plenário do Supremo a tese segundo a qual a Lava Jato "produziu pelo menos três vezes mais prejuízos econômicos do que aquilo que ela avalia que foi perdido com corrupção.

" Evocando uma professora da USP, estimou que a força-tarefa de Curitiba "tirou R$ 142,6 bilhões da economia brasileira." Amigo de Lewandowski, Lula diz coisa parecida há cinco anos. Falando num evento sindical em março de 2016, o líder máximo do PT aconselhou os sindicalistas a cobrarem do então juiz Sergio Moro os "prejuízos" causados pela Lava Jato. 

"Quando tudo isso terminar pode ter muita gente presa, mas pode ter muito desempregado nesse país", disse.

Se insistir em ecoar Lula, Lewandowski arrisca-se a encostar na sua fama de adepto do chamado garantismo a jurisprudência do 'roubamasfazismo'. Nessa hipótese, acabará incorporando ao éthos judicial um velho mantra da pilantragem política: "Rouba, mas faz." Ou "rouba, mas cria empregos." 

Em respeito à supremacia presumida do Supremo, o doutor talvez devesse construir argumentos menos tóxicos para esgrimir nos seus embates sobre a atuação da República de Curitiba. Material não falta, pois Lewandowski está de posse da íntegra das mensagens trocadas no escurinho do aplicativo de celular entre Sergio Moro e os procuradores.

A manifestação de Lewandowski soou na sessão da última quinta-feira. Nela, o ministro compôs a maioria de sete votos a favor do pedido da defesa de Lula sobre a suspeição de Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá. 

O julgamento já terminou, e o veredicto que gruda em Moro a pecha de juiz parcial é jogo jogado. Foi em resposta ao colega Luís Roberto Barroso, que votou a favor da isenção de Moro, que Lewandowski mencionou os "prejuízos" que a Lava Jato impôs ao PIB. Barroso interveio: 

"Vossa Excelência acha, então, que o problema foi o enfrentamento da corrupção, e não a corrupção?" E Lewandowski, abespinhado: "Vossa Excelência sempre quer trazer à baila a questão da corrupção.

A exemplo de Lewandowski, Lula também sempre ostentou um apoio retórico ao esforço anticorrupção. No encontro sindical de 2016, o morubixaba petista declarou que "a operação de combate à corrupção é uma necessidade para esse país." 

Num mundo em que ninguém é contra a repressão à roubalheira, o que conspurca as boas intenções são os fatos. Noutros tempos, o político que explicitamente roubava, mas fazia, reivindicava para si uma certa imunidade ética. 

Era como se sua obra justificasse seus pecados, quando não era uma decorrência natural deles. Foi a eterna tolerância com esse fenômeno do 'roubamasfazismo' que desaguou na Lava Jato. Foi a eterna tolerância com esse fenômeno do 'roubamasfazismo' que desaguou na Lava Jato.

Súbito, o país ficou sabendo, por exemplo, que a Odebrecht mantinha em seu organograma um departamento encarregado de comprar políticos com verbas roubadas do Estado. 

A coisa foi confessada e documentada. Devolveram-se bilhões ao Estado. O escracho revelou-se tão grande que muitos se perguntaram por que a Odebrecht não faz o seu próprio governo em vez de ficar comprando o dos outros. 

Um governo só da Odebrecht traria muitas vantagens. Todas as obras públicas, incluindo as de estatais como a Petrobras, seriam da Odebrecht. O que eliminaria as licitações, a corrupção e a necessidade de realizar operações como a Lava Jato.

O pagamento dos confortos do presidente da República por baixo da mesa e a compra clandestina de maiorias parlamentares no Legislativo deixariam de existir.

 O inquilino do Planalto e os congressistas receberiam contracheques da Odebrecht. 

Enquanto não chega esse país extraordinário governado sob o patrocínio oficial da Odebrecht, Lula e Lewandowski deveriam parar de testar a paciência alheia com teses esdrúxulas. Décadas de depravação impregnaram no sistema político brasileiro um fascínio antropológico pela cleptocracia.

Entretanto, a essa altura dos acontecimentos, a pretendida substituição do "rouba, mas faz" por um "rouba, mas cria empregos" seria equivalente a supor que o Brasil é feito de imbecis. Talvez seja melhor maneirar. Por duas razões: 1) o brasileiro merece respeito. 2) Produziu-se sob Dilma uma ruína econômica histórica. Atribuir o fenômeno à Lava Jato seria subestimar a conhecida inépcia da ex-pupila de Lula.

Josias de Souza