A liderança no desenvolvimento de produtos de tecnologia avançada mascara problemas crônicos da sociedade sul-coreana
Por Lucas de Vitta, Valor — São Paulo
O drama vivido pelos personagens de “Round 6”, uma das séries mais populares de todos os tempos da Netflix, coloca diante dos espectadores a realidade da pobreza e da falta de perspectivas de uma parcela da população sobre o futuro na Coreia do Sul, dois temas que talvez estejam distantes do imaginário coletivo quando se pensa sobre uma das sobre o futuro na Coreia do Sul, dois temas que talvez estejam distantes do imaginário coletivo quando se pensa sobre uma das principais economias da Ásia.
sobre o futuro na Coreia do Sul, dois temas que talvez estejam distantes do imaginário coletivo quando se pensa sobre uma das principais economias da Ásia.
Mais de 40% dos sul-coreanos com mais de 65 anos vivem em situação de pobreza, um problema que ocorre, em parte, pelo fato de o país só ter implementado um sistema público de previdência em 1988. Na população geral, o índice chega a 17%, um dos maiores entre os países que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (ODCE).
A taxa de desemprego entre homens e mulheres jovens — com idades entre 15 e 24 anos — era de 7,2% e 5,3%, respectivamente, em setembro, enquanto o índice geral é de 3%, de acordo com dados oficiais.
Já o endividamento das famílias atingiu 104,9% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre de 2021, menor apenas do que os de Suíça, Austrália, Noruega, Canadá e Dinamarca, segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês).
O preço médio da venda de apartamentos em Seul, por sua vez, quase dobrou desde quando o presidente Moon Jae-in assumiu o cargo, aponta levantamento divulgado da Coalizão de Cidadãos pela Justiça Econômica.
Um apartamento de 99 metros quadrados custava 620 milhões de wons (R$ 2,98 milhões) em maio de 2017 e subiu agora para 1,19 bilhão de wons (R$ 5,71 milhões).
Seong Gi-hun, um dos principais personagens da série, é um exemplo da realidade enfrentada por uma parcela da população sul-coreana. Demitido da montadora em que trabalhava, ele contraiu uma dívida gigantesca após se aventurar em empreendimentos comerciais fracassados e jogos de azar. Sem perspectivas, ele sequer tem dinheiro para comprar um presente de aniversário para a filha ou para bancar o tratamento médico da mãe, que sofre de diabetes.
A alternativa encontrada foi entrar no “Round 6”, ou “Jogo da Lula” (Squid Game, nome original da série), um experimento macabro organizado por um grupo de sul-coreanos muito ricos que, como distração, convida centenas de pessoas altamente endividadas para uma disputa de seis rodadas, baseada em jogos infantis do país.
Quem não supera um dos desafios é “eliminado”, ou seja, morto. O vencedor pode levar um prêmio de 46,5 bilhões de wons (R$ 223 milhões).
A ele se junta um amigo de infância, economista formado pela Universidade Nacional de Seul, que entrou em desgraça após roubar dinheiro de seus clientes, uma desertora norte-coreana que precisa cuidar de um irmão e ajudar a mãe a escapar do país vizinho e um imigrante paquistanês cujo patrão se recusa a pagar seu salário. Diferenças à parte, todos os 456 participantes do jogo têm em comum os problemas financeiros e a falta de esperança em relação ao futuro.
“As histórias e os problemas dos personagens são extremamente personalizados, mas também refletem os problemas e as realidades da sociedade sul-coreana”, disse Hwang Dong-hyuk, o criador de “Round 6”, ao jornal americano “The New York Times”. O roteiro da série foi originalmente escrito como filme, em 2008, mas depois reformulado para refletir nova preocupações, como as surgidas a partir da covid-19.
Na Coreia do Sul, a vida está imitando a arte
O impacto da série já se reflete na realidade do país. Milhares de integrantes da Confederação Coreana de Sindicatos organizaram um protesto na última quarta-feira pedindo melhores condições.
Alguns levavam cartazes com palavras de ordem, como “chega de desigualdade” e “emprego para os jovens”. O fato curioso é que os manifestantes vestiam trajes usados pelos guardas da série, responsáveis por organizar os participantes durante os jogos e executar os eliminados.
Alguns levavam cartazes com palavras de ordem, como “chega de desigualdade” e “emprego para os jovens”. O fato curioso é que os manifestantes vestiam trajes usados pelos guardas da série, responsáveis por organizar os participantes durante os jogos e executar os eliminados.
Autoridades sul-coreanas já admitiam antes do lançamento da série que a de a desigualdade e a falta de perspectivas são dois dos desafios a serem enfrentados pelo governo. Em recente entrevista ao jornal britânico “Financial Times”, o primeiro-ministro Kim Boon-kyum disse que o problema estava sendo tratado com “senso de crise”. Ele também afirmou que a situação da população idosa, que ajudou na reconstrução do país após a guerra com o Norte, era particularmente “dolorosa”.