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terça-feira, setembro 07, 2021

Jota Parente na Estrada, 1ª parte

Já foi relatado em edições anteriores que nossa partida de Itaituba, no dia 7 de outubro de 2008 foi muito conturbada, por conta da superlotação do barco motor Joana D’Arc. Ate a Polícia Militar foi chamada para botar ordem na confusão estabelecida. Chegamos a pensar que não viajaríamos. Embarcamos e viajamos, sem conseguir armar nossas redes. Em compensação, a viagem de Santarém para Manaus foi confortabilíssima, no navio motor São Bartolomeu II. Chegamos a Manaus às 11 horas do dia 10/10.

          Os 785 quilômetros de Manaus até Boa Vista foram bem complicados. Para começar, estávamos iniciando (em 11/10/08) a grande jornada, que consistia em dar a volta de motocicleta pela América do Sul. A ansiedade em por as máquinas na estrada era muito grande. Estávamos partindo para o desconhecido, ávidos por avançar ao máximo. Saímos às seis horas, pegando a BR 174. Nos primeiros 200 quilômetros a gente trafegou por uma rodovia em boas condições, o que nos permitiu avançar bastante. Depois disso, principalmente na grande área da reserva dos índios Ianomâmi, enfrentamos uma buraqueira que parecia não tem fim. Os trabalhos de manutenção não passavam por lá há muito tempo.

          No quilômetro 385 uma nuvem negra avisou-nos que a chuva estava chegando. Eu tinha capa, mas, decidi não usar; o Jadir ainda não tinha comprado a sua. A chuva era certa, mesmo porque estava chovendo bastante naqueles dias por aquelas bandas. Mesmo assim, decidimos encarar. Só não nos arrependemos amargamente porque estávamos determinados a chegar a Boa Vista naquele dia. Não foi nada fácil, pois a não ser por alguns pequenos intervalos, a chuva só nos largou por volta de oito a noite. Às nove da noite, quando finalmente chegamos à capital do Estado de Roraima, já não chovia. Também, não precisava, pois não havia um só item, uma só peça de roupa em nossas mochilas que não estivesse completamente molhada.

          José Maria, empresário muito bem de vida, que nos anos oitenta trabalhou em Itaituba, com o então poderoso empresário Zé Arara, foi nos receber no terminal rodoviário, local que acertamos para nos encontrar. Fomos muito bem recebidos e tivemos uma estada magnífica em Boa Vista. Para nossa sorte o domingo foi de muito sol, o que fez com que tudo enxugasse. Na segunda-feira, 13/10, às oito horas, fomos resolver questões burocráticas e tratar da revisão de 1.000 quilômetros da moto do Jadir. Gastamos quase oito horas nessas tarefas. Ainda bem que o Zé Maria nos avisou que precisávamos tirar uma tal licença para rodar com nossas motos na Venezuela, único país da América do Sul que exige isso. Se não, quando chegássemos à fronteira teríamos que retornar. Só às 15:40 deixamos Boa Vista. Corremos bastante, uma vez que vencemos os 215 quilômetros em pouco mais de duas horas.

          O vento lateral que sopra do Monte Roraima pode passar de setenta quilômetros algumas vezes foi um companheiro à parte e que exigia cuidados. Com motos leves (eu na XTZ 125 e o Jadir na BROS 150), foi precisa tomar cuidado, pois o vento empurra a gente para o outro lado da estrada, e se bobear, nos momentos em que está mais forte, tira o piloto da rodovia.

          Ao chegarmos a Pacaraima, (município que tinha como prefeito José Carlos Quartieiro, aquele líder dos arrozeiros que foi preso pela Polícia Federal e foi levado para Brasília) última cidade brasileira ao norte, fomos procurar o vigário, na tentativa de economizar na hospedagem. Tínhamos conversado que, caso aquela abordagem desse certo, continuaríamos usando tal método durante o restante da viagem. Mas, não deu.

Entramos na residência do padre Jesus, que alquebrado pelos seus quase 70 anos, veio nos atender visivelmente nervoso. Ele tremia, enquanto ouvia nossa história, parecendo estar diante de dois bandidos com armas apontadas para ele. Quando perguntamos se poderia nos acolher por aquela noite, foi logo nos dizendo que havia uma ordem expressa do bispo de Boa Vista proibindo alojar qualquer pessoa que não fosse diretamente ligada à Igreja Católica. O motivo: em Caracaraí, o padre local deu abrigo a três jovens, que durante a noite roubaram tudo que puderam. Além disso, um carro da diocese tinha dado carona a uma pessoa. O veículo capotou e a pessoa morreu. Isso custou muito caro aos cofres da Igreja Católica de Roraima. Tivemos que procurar um hotel, desses que cobram uma tarifa por um pernoite, ou cobram por hora, para casais.

          No dia 14 de outubro, terça-feira, cedinho preparamo-nos para cruzar a fronteira. Carimbamos o passaporte na aduana brasileira dando a saída do país. Ao chegarmos à aduana venezuelana fomos informados que precisávamos tirar um bocado de fotocópias para podermos receber o visto e a autorização para que nossas motos pudessem trafegar em território do país vizinho. Voltamos a Pacaraima. Perdendo mais de uma hora nesse vai-e-vem. Nunca nos pediram um só documento naquele país.

        

  Ao pisarmos em solo da Venezuela deixamos de abastecer nossas motos ao preço de mais ou menos 90 centavos de Real o litro de gasolina, porque tínhamos a informação de que era quase de graça a partir de Santa Elena de Uairen, primeira cidade, distante 15 quilômetros da fronteira com o Brasil.

É realmente muito barato. Só que brasileiro não pode abastecer lá em Santa Elena. Depois, nas próximas cidades, sim, não tem problema. Isso fez com que saíssemos atrás de alguém que vendesse no câmbio negro. Foi uma luta conseguir um contrabandista de gasolina e quando conseguimos o cara não queria vender, pois a quantidade era de apenas 20 litros, enquanto ele só gostava de vender a partir de 50 litros. O próprio Ramon, o cara que nos atendeu, confessou que conseguia a gasolina através de militares venezuelanos, que são responsáveis pelo controle da venda. Disse-nos ele que a corrupção nesse setor é muito grande em todo o país.

          Depois de muita conversa o Ramon Quezadas resolveu nos atender, mas, aí começou outra novela. Ele subiu numa moto velha junto com um amigo e mandou que a gente o seguisse. Rodamos por uns 15 quilômetros, saindo da cidade, entrando por caminhos esquisitos. Chegamos a pensar que aquilo era uma armação e poderíamos nos dar mal. Por último ele dobrou numa ruela muito estreita e mal conservada, no final da qual havia uma casa com um monte de tambores de 200 litros.

O Ramon abriu um deles e encheu os nossos tanques, cobrando um Real por litro. Pagamos em Real, mesmo e seguimos de volta para o centro de Santa Elena, para dar uma olhada no comércio, já que se trata de zona de livre comércio. Encontramos muitos eletro-eletrônicos muito baratos. Contudo, alguns itens diferem pouco do preço do Brasil. Após esse tour, ao qual incluímos uma passagem para fotos na centenária Iglesia de Piedra (Igreja de Pedra), com direito a muitas fotos. Antes de partir visitamos a Plaza Bolívar, que existe em toda cidade venezuelana. Aí sim, avançamos Venezuela adentro.

          Confesso que saí um pouco preocupado com a forma como seriamos tratados, tanto pelo povo, quanto pelos militares do país de Hugo Chaves, conquanto muitos brasileiros passaram informações que não eram muito encorajadoras. Pelo povo fomos tratados sempre com muito carinho; de parte dos militares, nas quase 50 alcabalas, nome dado às barreiras rodoviárias da Guarda Nacional, fomos quase sempre tratados com muito respeito, com raríssimas exceções. Raros foram os momentos em que sentimos segundas intenções (querendo extorquir dinheiro da gente) de parte de algum militar venezuelano.

          Tanto que pesquisei, tantos relatos que li e mesmo assim eu e o Jadir (assim como eu, sabia disso), cometemos um erro muito grave em Santa Elena: deixamos de trocar todo os nossos reais por dólares, com uma cotação bastante atraente. Não foi por falta de aviso. O Jadir cambiou apenas R$ 500,00 e eu R$ 300,00, como se fossemos visitar somente alguns lugares da Venezuela.

Essa falta de atenção iria nos custar muito, mas, muito caro em todos os sentidos, pois embora tenhamos sido salvos pelos cartões de créditos internacionais do Jadir, algumas vezes não restou alternativa senão pagar um pouco mais caro por um pernoite, ou por uma refeição, além do dissabor de ter que rodar muito, em alguns momentos, em cidades pequenas, atrás de um lugar que aceitasse pagamento com cartão de crédito.

          Na Venezuela vimos muita coisa bonita, proporcionada sobretudo pela exuberante natureza daquele país vizinho, começando pela Grande Savana. Quem viaja pela estrada, partindo de Boa Vista, mantém contato com a Grande Savana ainda em território Brasileiro, mas a parte mais bonita está em solo venezuelano. Onde a vista alcança, enxerga-se o verde da relva, que é a única vegetação em muitas partes; em outros lugares, alguns arbustos ajudam a compor o cenário, digno dos melhores filmes de Hollywood. O terreno é plano ou com pouca ondulação.

          Nas edições seguintes, até que a história seja totalmente contada, os leitores do Jornal do Comércio conhecerão novos episódios dessa inesquecível aventura.                   

    Jota Parente