Enquanto a Folha conversava com Masha, 25, moradora de São Petersburgo, policiais acompanhavam o protesto de um pequeno grupo de jovens contra a guerra na Ucrânia nesta quarta-feira (2). A entrevistada seguia os manifestantes a poucos metros de distância, com medo de ser presa pela segunda vez em três dias —foi detida no domingo em atos e condenada a pagar 10 mil rublos (R$ 515).
"Se eu for presa novamente, posso ter que pagar entre 30 mil e 100 mil rublos [R$ 1.545 a R$ 5.150] ou ficar presa por mais de 15 dias", disse ela, que pediu para não ter o sobrenome publicado por segurança.
Assim como Masha, mais de 7.300 pessoas foram detidas por policiais russos desde o início da invasão da Ucrânia por se manifestarem contra a guerra. A dimensão da adesão aos protestos, porém, é incerta. Realizados em mais de 50 cidades do país, eles ainda parecem dispersos e desorganizados.
Alguns dados de pesquisas de opinião podem ajudar a explicar por que isso acontece. Nesta quarta-feira (2), o Centro Levada, um dos principais institutos de pesquisas independentes da Rússia, mostrou que apenas 18% dos russos afirmam que participariam de manifestações com demandas políticas.
Outro levantamento realizado pelo centro em fevereiro, antes da invasão da Ucrânia, mostrou que o presidente Vladimir Putin tinha 71% de aprovação e que 52% dos russos diziam ter uma visão negativa da Ucrânia, índice que era de 43% apenas três meses antes, em novembro.
Os dados contrastam com os 14% de aprovação do principal opositor de Putin, Alexei Navalni, que cumpre pena de dois anos de prisão devido à acusação de fraude —ele nega e diz se tratar de perseguição do Judiciário, sob influência de Putin. Mesmo preso, Navalni, por meio de sua equipe, pediu à população que se reúna todos os dias às 19h nas principais praças de suas cidades para se manifestar contra a guerra.
"Não vamos nos tornar uma nação de pessoas silenciosas e assustadas. Covardes que fingem não notar a guerra agressiva desencadeada por nosso czar obviamente insano contra a Ucrânia", diz o texto.
O medo de se manifestar tem fundamento. Nos últimos anos, o Kremlin tem fechado o cerco contra protestos antigoverno, aprovando leis e emendas que praticamente criminalizam atos que não tenham o aval de autoridades locais —na maioria das vezes, aliadas a Putin. Os que se arriscam muitas vezes acabam sendo presos imediatamente pelas forças policiais.
Segundo Vicente Ferraro, pesquisador do Laboratório de Estudos da Ásia da USP, muitos dos manifestantes são presos e levados para a delegacia, mas a maioria fica poucas horas detida. Foi o caso de Masha, detida junto a cerca de 20 manifestantes e colocada em um ônibus, no qual ficou durante quatro horas até chegar à delegacia de um distrito fora de São Petersburgo.
"Os policiais não foram tão severos, ninguém tocou na gente, mas há outros departamentos em que as pessoas apanham", disse. De fato, nem todos os ativistas recebem o mesmo tratamento, ressalta Ferraro.
"Às vezes o regime seleciona alguns líderes específicos para punir exemplarmente. Essa é uma estratégia de regimes autoritários modernos: se antigamente eles tinham a intenção de prender todos os opositores, atualmente eles fazem uma repressão seletiva e de menor custo. Assim, os que planejam organizar um protesto temem sofrer um processo não apenas administrativo, mas criminal e que as leve à prisão."
O perfil etário baixo é outra característica dos protestos contra a guerra na Ucrânia. Eles são compostos principalmente por jovens de uma geração que consome notícias pela internet, diferentemente dos mais velhos, mais vulneráveis à propaganda estatal veiculada em muitos canais de TV ligados ao Kremlin.
"Essa geração é chamada pelos acadêmicos de ‘geração Putin’; ou seja, a que, desde que nasceu ou era criança, só viveu sob o regime de Putin. Para essa população que não vivenciou os anos 1990, pós-queda da União Soviética, de conflitos federativos e crises sociais, esse discurso de que se trata de uma escolha entre ordem e caos propagada pelo governo não funciona", afirma Ferraro.
Não por acaso, os jovens já tinham sido os que mais se posicionaram contra as reformas aprovadas pelo governo russo em 2020, que permitiram que Putin fique no poder até 2036.
Ainda assim, as demonstrações de insatisfação têm se expandido para outras esferas, com declarações de personalidades importantes da sociedade russa. Desde o início do conflito, cientistas, jornalistas e acadêmicos já assinaram cartas denunciando a invasão, e esportistas protestaram contra a guerra.
Impulsionados pelas pesadas sanções aplicadas pelo Ocidente contra a Rússia, dois empresários do círculo do presidente —Oleg Deripaska, fundador da gigante do alumínio Rusal, e Mikhail Fridman, nascido na Ucrânia e criador do conglomerado multinacional Alfa-Group— romperam o tradicional silêncio do empresariado do país quanto a questões políticas e pediram paz ao Kremlin na semana passada.
É quase certo que essa oposição não será suficiente para que Putin, com todo o aparato criado há mais de 20 anos, encontre resistência interna no curto prazo às suas ações militares. Mas as recentes manifestações mostram que, ao menos quanto à guerra na Ucrânia, suas ações não são unanimidade.
Nascida em Iekaterinburgo, uma jovem de 28 anos que pediu à Folha para não ter o nome divulgado diz não conseguir acreditar nos números de aprovação de Putin e da visão dos russos em relação à Ucrânia.
Para ela, pessoas mais velhas tendem a defender alguns aspectos do governo Putin, mas não a guerra. O avô de 90 anos, conta, está em choque com o que está acontecendo.
Fonte: Folha