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segunda-feira, abril 18, 2022

Depois de 50 anos, o homem que diz a Pelé o que ele 'precisa ouvir' se afasta

Três homens em um avião brindado
Fiel escudeiro do rei, Pepito Fornos encerrou associação profissional, mas a amizade segue

José Fornos Rodrigues, o Pepito, 79, não se lembra o ano. Foi no começo da década de 1980. Disso tem certeza. A mansão de Pelé no Guarujá (litoral paulista) estava cheia de gente. O Rei do Futebol apareceu vestido com uma calça vermelha e camisa azul. Causou sensação.

Alegre, fez de conta que desfilava próximo à piscina e foi elogiado pelo vestuário. Foi aplaudido. Isso durou até se aproximar de Pepito.

"E aí? O que achou?"

"Você está ridículo. Parece uma arara."

Da reação indignada de Pelé ao comentário surgiu a frase que definiu a relação de 50 anos entre os dois.

"Eu te falo o que você precisa, não o que gosta de ouvir."

A amizade vai continuar, afirma, mas a ligação profissional de cinco décadas terminou no início deste mês. Pepito, o fiel escudeiro de Pelé e figura quase onipresente ao lado do ex-jogador, decidiu ser a hora de se afastar.

Pelé e Pepito Fornos (o primeiro da direita para a esquerda) e Celso Grellet, ex-diretor da Pelé Sports e Marketing, em jato particular - @Pepito Fornos no facebook
Não fazia mais sentido continuar. Pelé, 81, tem problemas de locomoção, fruto de cirurgia para colocar uma prótese no quadril e lesão no joelho. Também passa por sessões de quimioterapia para tratar tumor no cólon. As viagens em que os dois percorriam o mundo lado a lado estão no passado. As prioridades são outras.

"Como ele tem essas limitações de locomoção, não pode viajar, não pode sair de casa, não posso contribuir ou acrescentar nada. Ele precisa de médico, enfermeiro, cuidador. Não pode fazer o que fazia. Sempre que puder, dou uma visitinha lá, falo um monte de bobagem e a gente dá risada. Mas não dá para a gente fazer o que fazia antes", explica.

A associação de Pepito com Pelé começou, de maneira oficial, em 1971. Foi quando, pelas palavras do próprio, o Rei do Futebol "comprou seu passe" da Varig, onde trabalhava como promotor de vendas.

Eles já encontravam esporadicamente desde 1962 porque tinham um amigo em comum. A partir de 1968, o contato ficou mais forte porque Pepito foi contratado pela companhia aérea para conseguir a conta do Santos, o clube mais conhecido do país, que viajava por boa parte do ano e, claro, tinha o maior jogador do mundo.

Dois idosos, Pelé e Pepito, atrás de bolos de aniversário temáticos de futebol
Pepito e Pelé na mansão do Rei celebrando o aniversário de 80 anos - @Miltonneves no Twitter
A missão foi tão bem-sucedida que o promotor começou a voar com o elenco de jogadores, como se fosse um deles. A amizade se intensificou tanto que quando tinha de se deslocar para compromissos comerciais, Pelé o chamava para acompanhá-lo, assim não estaria sozinho. Foi uma cena que se repetiu pelas décadas seguintes.
Nos encontros com reis, presidentes, ministros ou outras celebridades, costumava aparecer alguém para barrar Pepito. O evento seria exclusivo e para poucos. Era quando Pelé deixava claro. Se o seu braço direito não entrasse, ele também não entraria.
"É lógico que sabia qual era o meu lugar. Pelé queria a minha presença porque a nossa relação era de se entender pelo olhar. Eu ficava distante, me posicionava geralmente onde ficava a imprensa e dava um sinal ou outro para ele. Apesar de todos os anos de fama, ele ficava um pouco tenso quando tinha aqueles 500 jornalistas na sala", confessa.
Entre as lembranças do assessor, está o período em que interrompeu sua associação com o jogador. Casou-se e foi morar na Bahia. Não durou. Quando se separou, foi chamado de volta por Pelé, que o recebeu com um "está vendo? Teu negócio é ficar aqui comigo".

"Jamais [poderia imaginar que a ligação duraria tanto tempo]. Sou muito apegado às coisas que faço. Meus amigos são os de sempre, não sou de pular de galho em galho. Se estou bem em um lugar, me dedico. Nunca poderia imaginar que chegaria aonde chegou."

Pepito às vezes tinha de desempenhar o papel do chato. Era quem o avisava estar na hora de ir para algum lugar e sair de onde estava. Fazia isso para que seu amigo famoso não tivesse de passar pelo desgaste de dispensar algum fã ou jornalista.

Nos últimos anos, a qualquer solavanco no estado de saúde de Pelé, repórteres lhe telefonavam. Ele tinha sempre uma resposta pronta.

"Pelé está bem. Só não vai poder jogar no final de semana."

A frase, de certa forma, foi incorporada pelo camisa 10. Ao ser entrevistado pela Folha, no final de 2018, disse que planejava ir para a Copa do Mundo no Qatar, mas seria sua última: "Depois disso, já avisei para o Tite não me convocar mais."

Era a Pepito que Pelé apelava para vários pedidos, dos importantes aos mais banais. Como comprar boinas estilo holandesas, que o assessor achava em Holambra (interior do estado) e levava a São Paulo.

O distrato acertado entre os dois acabou com o vínculo entre a Montague, empresa que tinha como capital a marca do jogador e que originalmente se chamava Pelé Comércio Empreendimentos e Participações, e a DSL, companhia de Pepito. Católico, faz questão de lembrar que a sigla significa "Deus Seja Louvado".

A ligação profissional não existe mais, mas se precisar, Pelé sabe onde encontrar alguém para lhe colocar os pés de volta no chão. Como aconteceu em 1999, quando cogitou ser candidato a presidente do Santos. Alguém tinha de lhe dizer que aquilo era uma loucura. Sem olhar para o amigo, mas ao lado dele, Pepito falou para a mãe do Rei do Futebol:

"Olha só, dona Celeste, seu filho de vez em quando começa a flutuar e a gente tem de pegá-lo pelo pé para trazer para o chão."

Pelé pensou por alguns segundos e constatou.

"Você é meu contrapeso mesmo."

Foi assim pelos últimos 50 anos.

"Pepito e Pelé são unidos para sempre. É um grande irmão que arranjei na vida", confessa.

Isso apesar de José Fornos Rodrigues ser corintiano.

Fonte: Folha