quinta-feira, outubro 07, 2021

Brasil: uma nação interrompida pelo Partido Militar


O mundo passa por um gradual processo de transição da hegemonia estadunidense para a chinesa, em aliança com a Rússia. Com isso, acirram-se as disputas geopolíticas em todos os cantos do globo. Particularmente na América Latina, o imperialismo estadunidense intensifica seu controle sobre sua tradicional “reserva de domínio”, se necessário fazendo uso da força e de golpes de Estado.

Por outro lado, parte das elites econômicas brasileiras já têm a China como principal parceira comercial. Entretanto, militares brasileiros seguem considerando os EUA como sua maior referência. Em algum momento, ocorrerá um desencontro em relação à leitura de mundo dessas duas elites. No caso militar, o ambiente interno foi historicamente o palco de atuação das forças, característica que se consolidou no pós segunda guerra, conformando uma espécie de divisão internacional do trabalho na área de defesa. Enquanto cabe às forças armadas dos EUA a segurança do continente nas grandes disputas geopolíticas, a tarefa das forças armadas de países de periferia segue sendo o controle da ordem interna travestida de “combate ao narcotráfico” e atividades auxiliares da grande potência, como as Missões de Paz.

Em suma, os próximos anos tendem a definir quem dominará o século. Por isso, em termos de geopolítica global, não virá um tempo de estabilidade e respeito à soberania brasileira, ou de qualquer país do continente, por parte dos EUA, com ou sem Lula presidente.

 Brasil desde o golpe

O país vive uma crise econômica, política, social, ética-moral, ambiental, sanitária, de direção na burguesia… e militar. Foi essa confluência de crises que criou as condições para a reorganização e relativa massificação do Partido Militar. Nesse sentido, a crise militar não pode ser resolvida de forma desconectada das demais. Os militares ativistas alimentam a crise, e suas declarações são fonte de instabilidade. Dessa maneira, os militares hoje são parte do problema. Não virá das suas fileiras a solução.

Bolsonaro é espelho dessa confluência de crises, e provoca o caos como método. Enquanto isso, o Legislativo tem tido êxito em aprovar reformas antipopulares, e segue funcionando a fisiologia Centrão – Executivo.

O Partido Militar não foi a força principal do golpe contra Dilma Rousseff, mas foi o fiel da balança que manteve Michel Temer até o fim, recebendo em troca a recriação do Gabinete de Segurança Institucional (entregue ao general Sérgio Etchegoyen), a intervenção federal no Rio de Janeiro, o Ministério da Defesa e mantendo a pressão sobre outras instituições (tuítes de Vilas Boas e o Supremo), entre outras questões.

Contribuíram para a reorganização do Partido Militar a Minustah no Haiti (aumentando seus contatos internacionais), as operações de Garantia da Lei e da Ordem (oferecendo uma autoimagem de solucionador de problemas nacionais), o emprego das forças armadas nos megaeventos esportivos (proporcionando contatos com elites econômicas – particularmente empresários da construção civil – e com a imprensa), e a Comissão Nacional da Verdade (garantindo coesão discursiva em torno de um inimigo comum, a esquerda).Militarização do Estado e da sociedade

Diante da instabilidade global e regional, a adoção de medidas neoliberais tem sido combinada com o autoritarismo em diferentes partes do mundo. Em alguns casos, como o brasileiro, com proposições próximas do fascismo. Importa acentuar que o fascismo precisa de instrumentos de força para se sustentar, existindo apenas em sociedades militarizadas.

Bolsonaro implementa a militarização da sociedade e do Estado. Militarizar não significa apenas preencher cargos no Estado com militares. O maior problema é a transmissão de um ethos, doutrina e interesses militares, pensados na lógica da guerra, como a ideia de amigo e inimigo, para o restante do Estado. 

Militares são treinados em 3Ds (não duvidar, não divergir, não discutir), antagônicos com a convivência democrática. O maior exemplo atual é o Projeto de Lei Antiterrorista, que identifica movimentos populares e povos indígenas em luta como inimigos da nação (com a linguagem camuflada de forças oponentes, ou desestabilizadores da ordem), buscando destruir os canais de diálogo da população como sindicatos, associações, etc. Outra medida igualmente relevante e cuja implementação segue avançando são as escolas cívico-militares.

A militarização da sociedade encontra terreno fértil na sociabilidade desenvolvida nos últimos anos, como a lógica de guerra que impera em jogos eletrônicos, moda, aplicativos de relacionamento, entre outros; estimulando o machismo, a homofobia e o racismo. Bolsonaro tem em sua base segmentos armados e motivados para a tomada do Estado, estimulando a militarização da sociedade através da liberação de compras de armamentos.

Militares não veem as milícias, ou medidas para a liberação de armamentos, como concorrentes potenciais pelo monopólio da força do Estado. Verão como força auxiliar? Qual o saldo da intervenção militar no Rio de Janeiro em termos de doutrina para as forças armadas? Qual o nível de infiltração das milícias nas forças armadas? Essas perguntas são importantes para a compreensão do momento atual e seguem sem respostas.

Há pelo menos três níveis de segmentos que detêm o poder da força no Estado. O primeiro, que subordina os demais, é orgânico e programático, hegemônico no Executivo. É o Partido Militar, composto apenas por militares provenientes das forças armadas. O segundo segmento é o Partido Fardado, composto por membros das diversas forças de segurança (como policiais, bombeiros…), cuja atuação em sustentação ao projeto político geral ocorre principalmente no Legislativo. Por fim, existe o Partido da Ordem, mais disperso, composto por funcionários de empresas de segurança privada e por praticantes dos CACs (Clubes de Caçadores, Atiradores e Colecionadores). Hoje, recrutando nesses três níveis, Bolsonaro tem força suficiente para desestabilizar violentamente a conjuntura.

Entretanto, instrumentos de força não são suficientes (ou necessários) para o aprofundamento do golpe em curso desde 2016. É essencial, e hoje ainda não existe de maneira unificada rumo à uma ruptura institucional completa: apoio internacional, da mídia, do judiciário e das elites econômicas.

Fonte: Cartamaior

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