terça-feira, outubro 29, 2013

Dr. Ivan Araújo, quase 30 anos de carreira, muitas vidas salvas e muita história para contar

               Desde que se formou em Medicina, o médico Francisco Ivan Araújo, praticamente, só exerceu sua profissão na cidade de Itaituba, onde já viveu mais da metade de sua vida. Já se vão quase trinta anos - vinte e nove anos a serem completados em dezembro vindouro - que ele realizou o sonho de ajudar o próximo, por meio de uma das mais nobres profissões de toda a humanidade.
            Ele nasceu em Vitória do Mearim, no Maranhão, em 1954. Ao Jornal do Comércio contou como foram esses anos todos. Nem sempre tranquilos. Muito pelo contrário! Nos idos da febre do ouro, ele lembra que trabalhava demais. Também recorda que era muito difícil exercer plenamente a Medicina, pois faltavam os recursos necessários para que o médico aplicasse todos os seus conhecimentos. Foram tempos de em que era preciso se virar com o que havia. Além disso, a violência também rondava os hospitais, como ele relatou no decorrer da conversa com a reportagem.
            "Cheguei a Itaituba em fevereiro de 1985, diretamente para incorporar-me ao 53º BIS para prestar o serviço militar, iniciando como aspirante médico, sendo promovido a 2º tenente. Fiquei no Exército por um ano completo, de fevereiro de 1985 a fevereiro de 1986. Depois, fui para Anápolis, Goiás, fazer um curso de anestesiologia, por causa da falta de anestesistas em Itaituba. Eu já tinha feito um ano de internato, lá, em um hospital de referência, que é o Hospital Adventista. Foi lá que eu peguei a cancha necessária para trabalhar em clínica médica, tendo passado pelos setores de neurologia, pediatria, ginecologia, obstetrícia e setor cirúrgico.
            Quando voltei para Itaituba para trabalhar, deparei-me com a necessidade que havia, de atuar como cirurgião, como anestesista e ainda clinicar. Fiz isso por uns bons anos. Com o passar do tempo eu fui deixando as cirurgias, fui deixando de atuar como anestesista, concentrando-me apenas na clínica médica.
            Eu mesmo enfrentei barras pesadas no período do auge do garimpo. A cidade tinha quase nada de infraestrutura. Nem energia elétrica que prestasse a gente tinha, pois havia um racionamento pesado. Ficava-se mais horas sem energia, do que com ela. O hospital tinha seus próprios grupos geradores, mas, nem sempre eles suportavam a enorme demanda.
            Foi um tempo de muita violência e muitas doenças, como hepatite, malária e outras. A gente ficava, praticamente, 24 horas no ar, podendo ser chamado a qualquer momento. Até dormir, nós dormíamos pouco. Posso dizer, que os primeiros vinte anos de minha carreira de médico foram quase que de dedicação exclusiva. Para se ter uma ideia, eu cheguei a passar um ano sem ir daqui da área do Hospital Menino Jesus, até a beira do rio Tapajós, na frente da cidade.
            Havia muitos garimpeiros legais, que acompanhavam o tratamento de familiares com tranquilidade. Contudo, existiam aqueles barra pesada, que chegavam com um doente para ser atendido, muitas vezes, sem muita esperança de vida, e queriam que a gente salvasse a vida a qualquer custou, sob pena de correr o risco de ser morto. O camarada chegava com a esposa muito mal, com hepatite, por exemplo, e comunicava ao médico: se ela morrer, você também morre.
            Isso aconteceu algumas vezes comigo no plantão. Às vezes era preciso a gente usar a linguagem que eles entendiam. Vamos ver quem é que vai morrer, se sou eu, ou se é você, eu disse algumas vezes, para tentar baixar o fogo do cara. Muita gente foi embora, muitos colegas não aguentaram a pressão e se mandaram. Houve caso até de assassinato aqui dentro do Hospital Menino Jesus. Certa vez, passaram pertinho do Dr. Benigno e do Dr. Francisco e foram matar um cara na enfermaria. Isso saiu no Jornal Liberal.
            Nós somos sobreviventes daquele período duro. Um dia desses, conversando com missionários da Suécia, de passagem pela região, eles pediram para que eu contasse alguns episódios daquele tempo. Depois que eu narrei alguns fatos, eles ficam deslumbrados, dizendo que deveria ser escrito um livro para registrar esses acontecimentos.
            Hoje em dia a situação é muito diferente. Os médicos, em grande número, se especializaram. Quem faz anestesia, só cuida disso, quem é ortopedista só se dedica a essa parte e assim por diante. Naqueles tempos da corrida do ouro, a gente era chamado para fazer de tudo. Havia necessidade de sermos polivalentes. E juntando esse acúmulo de funções, com o risco que se corria,de vez em quando eu ameaçavalarga tudo e ir embora para trabalhar em outro lugar.
Isso durou os dez primeiros anos de minha vida em Itaituba. Inicialmente eu dizia que não ficaria mais do que cinco anos. Mas, o tempo foi passando, eu fui ficando, e depois dos dez anos eu disse para mim mesmo: quer saber de uma coisa, eu gosto deste lugar, com todas as suas virtudes, e com todos os seus defeitos. Fiquei, constituí família, casando-me com Gelciane Aguiar, união que nos deu dois filhos maravilhosos, Fernando e Felipe, que já decidiram querer seguir os passos do pai, tornando-se médicos. Hoje em dia, nem passa por minha cabeça deixar Itaituba.

Por fim, é interessante lembrar que o infectologista Alexandre Padilha, atualmente ministro da Saúde, costumava circular por aqui. Eu tenho até uma cartinha que ele mandou para o Hospital Menino Jesus, que era um ponto de apoio para ele. Nessa carta, ele mandou orientações sobre o procedimento que a gente deveria adotar no tratamento de uma grávida, que estava com malária. A gente se encontrava no aeroporto, e ele foi sempre uma pessoa muito simpática com todos", finalizou o médico Ivan Araújo. 
* - Publicado na edição do Jornal do Comércio, que circulou sexta-feira passada.

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