quinta-feira, julho 11, 2019

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RIO (O Globo) - Nos anos 20 do século passado, o magnata Henry Ford desembarcou no Brasil com o ambicioso plano de construir uma comunidade modelo na Floresta Amazônica , extensão de seu império automobilístico nos Estados Unidos. Parte desse símbolo do empreendorismo americano, que resultou em uma cidade-fantasma no interior do Pará , será recuperado pela série “Fordlândia”, desenvolvida pela produtora Hyde Park Entertainment a partir do livro homônimo do historiador Greg Grandin.
O projeto traz de volta ao país o diretor alemão Werner Herzog , de 76 anos, que já rodou na selva amazônica dois de seus filmes mais monumentais, “Aguirre, a cólera dos deuses” (1972) e “Fitzcarraldo” (1982) – este último sobre um outro empresário estrangeiro, que desejou erguer uma casa de ópera no meio da mata.

Herzog assume a dupla função de diretor e produtor executivo da série, junto com o roteirista Christopher Wilkinson, autor de títulos como “Ali” (2001) e “Nixon” (1995), com o qual concorreu ao Oscar. Na entrevista a seguir, Herzog, que exibiu no Festival de Cannes o drama “Family romance, LCC”, fala sobre a utopia de Ford e a produção de uma obra para a TV na era do streaming.

– Criar conteúdo para a TV, tradicional ou não, é um processo lento e ritualizado. Não se consegue fazer um filme ou uma série sem um acordo comum muito bem amarrado – reconhece ele, que vem ao Brasil em setembro como palestrante do ciclo de conferências “Fronteiras do pensamento”, em Porto Alegre.

A região amazônica lhe é um território familiar, cenário de seus filmes mais épicos. Acha que isso foi determinante no convite para participar de “Fordlândia”?Eles tinham certeza de que eu seria a pessoa mais indicada para o projeto. Porque, depois de vários trabalhos lá, entendo a mentalidade do lugar e, portanto, saberia como lidar com a complexidade da região. Todo mundo em Hollywood tem medo de florestas. Temem encontrar tarântulas, ataques de jaguares.... (risos ). Veem na região uma série de restrições. É uma atitude meio covarde deles.
A vila operária em Fordlândia Foto: ReproduçãoO que o atrai na ambição de Henry Ford? Vê semelhanças com Brian Sweeney Fitzgerald, o irlandês que sonhou construir uma casa de ópera no meio da Floresta Amazônica (retratado em "Fitzcarraldo")?

Esse capítulo da história de Henry Ford é muito curioso, para dizer o mínimo. Ele adquiriu uma grande porção de terras, equivalente ao estado americano do Tennessee, no meio da Floresta Amazônia. A ideia dele era construir uma cidade lá e controlar, a partir dela, o suprimento de borracha extraída da floresta pelos habitantes locais, garantindo assim o fornecimento para suas fábricas de automóveis nos Estados Unidos. Mas a coisa toda provou ser um desastre, desde o início.

O que deu errado? Ford foi vencido pela natureza, como o protagonista de “Fitzcarraldo”? O que a série pretende mostrar?

O problema maior foi que ele tentou transplantar para dentro de uma comunidade construída na selva brasileira os valores puritanos típicos de uma pequena cidade americana. Não podia dar certo. Ao mesmo tempo, havia intensos conflitos entre Henry e seu filho, que aproveitava todas as chances que apareciam para humilhá-lo em público. A criação de Fordlândia envolve também dramas pessoais, intrigas geradas tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Há um grande pano de fundo a ser explorado nessa história.

O senhor pretende filmar “Fordlândia” inteiramente no Brasil?

Ainda não temos certeza absoluta. Mas posso afirmar que algumas locações no Brasil serão testadas, em regiões próximas a rios ou cidades pequenas da região Norte.

Já há um cronograma de trabalho até a estreia?

O projeto de “Fordlândia” está evoluindo lentamente. Já conseguimos o financiamento do roteiro para o piloto da série, que está sendo escrito por Christopher ( Wilkinson ) a partir do livro de Greg Grandin. O procedimento é o seguinte: uma vez que o roteiro do piloto seja aprovado por todos, inclusive eu, que passei a ser produtor também, serão financiados roteiros para mais quatro capítulos, para então conseguirmos montar uma estrutura narrativa maior, em forma de série limitada. Mas estou achando que antes dessa série ficar pronta terei feito uns 18 filmes! ( risos )

Mas não é problema para quem trabalha rápido, em projetos simultâneos. Em dois anos o senhor já lançou os documentários “Meeting Gorbachev” e “Nomad: in the footsteps of Bruce Chatwin”, e a ficção “Family romance, LLC”...

Da minha parte, não tenho muito problema com o acúmulo de projetos. Mas o caso de “Fordlândia” é particular, porque um projeto desse escopo para a televisão envolve muito dinheiro, negociações entre as partes, até porque ainda não fechamos com nenhum canal ou empresa de streaming. Criar conteúdo para a TV é um processo lento e ritualizado, não se consegue fazer um filme ou uma série sem um acordo comum muito bem amarrado. Isso é impensável.

O projeto de “Fordlândia” foi relevado em meados do ano passado, quando o senhor finalizava “Meeting Gorbachev”, que traça um inventário sobre outro personagem controverso, o último presidente da antiga União Soviética. Como aconteceu sua entrada no documentário?

Atendi ao chamado do colega e amigo Andre Singer, um dos meus parceiros de produção há mais de 20 anos, que é codiretor do documentário. Ele queria fazer um filme sobre Gorbachev e me convidou para fazer as entrevistas com o ex-presidente. Li muito, conversei com pessoas que o conheciam e acabei me envolvendo profundamente no projeto: além de preparar e fazer as entrevistas com Gorbachev, escrevi a narração e os comentários do filme. Andre conversou com os demais personagens.

Isso aconteceu antes ou depois de “Family romance”, que o senhor filmou no Japão?

Durante ( risos ). Minha última conversa com Gorbachev aconteceu no final de abril do ano passado. Naquele mês eu já tinha filmado alguns dias no Japão, para aproveitar a temporada da florada das cerejeiras. Mas, claro, “Meeting Gorbachev” envolveu muita pós-produção, pois havia uma pesquisa intensa em arquivos de imagens, que tomou muito tempo. Mas tento ser econômico com minhas viagens. Na volta para Los Angeles, onde moro, de uma retrospectiva de meus filmes na China, fiz uma parada em Tóquio para filmar mais seis dias. No verão, em agosto, precisei filmar com aborígenes no interior da Austrália e, na volta, parei no Japão para filmar mais oito dias.

“Family romance” é inspirado em uma empresa japonesa, real, que “aluga” substitutos para parentes ou amigos mortos ou desaparecidos. Por que as pessoas preferem comprar ilusões?

Faz parte de nossa vida. É por isso que assistimos a shows de mágico, ou vamos à igreja, onde te dizem que você será aceito no paraíso, e rezamos para um deus que nunca te responderá. (risos) Ou, por exemplo, quando você vê sua representação no Facebook ou numa outra mídia social qualquer. É uma versão sua embelezada ou parcialmente adulterada, uma reinvenção de você mesmo. Por trás dessa realidade há uma monumental solidão existencial. E não é apenas um fenômeno japonês, acontece em todo lugar.

Consegue resistir ao apelo do mundo digital?

Não tenho aparelhos. Não estou no Facebook, não tenho conta Twitter. Mas se você buscar por mim na internet encontrará endereços nessas redes com meu nome. Mas são todos falsos. São imitadores de voz que te dão conselhos sobre sua tumultuada vida amorosa ( risos ).

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