segunda-feira, fevereiro 25, 2019

O que aconteceu com o futebol santareno?


Não é saudosismo, é saudades do bom futebol
          É preciso dar uma volta no passado para se chegar a alguma conclusão razoável sobre a péssima campanha que fazem os times de Santarém no atual Campeonato Paraense, sendo que o São Raimundo desponta como o pior de todos.
          Quando eu ainda nem sonhava em trabalhar no Rádio, e olha que já caminha para meio século que comecei, as preliminares dos jogos principais do campeonato eram disputadas entre as equipes aspirantes.
          Ser do time de aspirantes queria dizer que os atletas aspiravam subir para o time principal, embora alguns tenham se aposentado sem ter nenhuma chance de ser promovidos, porque tinham pouco talento. Porém, muitos bons jogadores foram revelados pelos aspirantes, porque era lá que eles podiam ser avaliados.
          Mesmo antes de acabarem com as equipes, já existiam o São Raimundinho, o São Francisquinho, o Flamenguinho e outros. Lembro bem do São Raimundinho, cujos treinos e jogos eu noticiei muitas vezes nos tempos do seu Guilherme, e de seu substituto mais tarde, o Hildo Santos.
          Aqui, faço uma pequena pausa para recordar uma das histórias que fazem parte do folclore do futebol santareno, envolvendo o seu Guilherme.
          Nos tempos em que o saudoso Everaldo Martins era o prefeito e manda chuva do Pantera, seu Guilherme ia até ele para pedir alguma coisa para o Panterinha. O torcedor fanático e então prefeito perguntava sempre: Guilherme, como é que está o time?
          Dr. Martins, o nosso time, a defesa, a começar do goleiro é uma muralha, o meio campo é uma lançadeira e o ataque uma navalha.
E quem ganhou o jogo passado, Guilherme?
Eles, dr. Martins, mas, o próximo a gente ganha.
Pois é, gente de Santarém e da região, que acompanhava o nosso futebol naquele tempo, incluindo esses times que podiam ser considerados como divisão de base, lembra que de lá saíram muitos jogadores bons, que viraram titulares de sucesso.
Santarém era o lugar para onde iam jogadores revelados em Monte Alegre, em Óbidos, em Alenquer, em Oriximiná, em Belterra e em Arapixuna. Muitos dos jogadores que vieram desses lugares, que brilharam com as camisas de São Francisco, São Raimundo e do saudoso América Futebol Clube, foram parar na Curuzu, no Baenão ou no Sousa, sendo que alguns deles foram bem mais longe.
A turma da velha guarda como eu, e até pessoas mais novas, lembra com saudades de jogadores que fizeram sucesso fora de Santarém, como Manuel Maria, Cuca, Darinta, Afonso, Chico Monte Alegre, Cristóvão Sena, Galo, Bosco, Beleza Preta, Edvar, Acari, Zé Lima, Belterra e tantos outros.
Cuca veio de Belterra, Afonso, de Monte Alegre, Belterra, Caveirinha, da então Vila das Seringueiras, Edvar, do Arapixuna e muita gente mais. Tempos em que virar titular de Leão e Pantera era dureza, precisava suar muito a camisa.
Pois é, meus amigos apreciadores do bom futebol, isso não é saudosismo. É saudade dos tempos em que dava gosto ir ao estádio Elinaldo Barbosa, e por pouco tempo, ao Colosso do Tapajós. E o que aconteceu para chegarmos nesse ponto quer chegaram São Raimundo e São Francisco, este ano? E repito, o São Raimundo ainda pior.
No meu entendimento, pelas observações que tenho feito ao longo de todos esses anos, na condição de cronista esportivo, o problema é muito complexo. Não se restringe a Santarém. Foi o futebol brasileiro que claramente involuiu quando treinadores que nunca jogaram bola na vida e até alguns que jogaram profissionalmente, passaram a macaquear o futebol europeu. Em vez de copiar o que a Europa tinha de bom, queriam que jogássemos como se joga por lá, retirando o improviso dos nossos jogadores.
Junto a isso, faz anos que se medem garotos candidatos a jogadores, pela estatura, desprezando o talento. Há uns três anos, Vampeta, que é diretor de uma escolinha em Osasco, respondeu quando participava de um programa no SportTV, apresentado por Galvão Bueno, quando esse lhe perguntou: o que é preciso para entrar na escolinha do clube que você dirige? Saber jogar bola, respondeu o ex-jogador. Mas, isso não é o óbvio, retrucou Galvão? Devia ser, disse Vampeta, mas, hoje em dia tem muito clube no qual o treinador escolhe o menino pelo tamanho.
A especulação imobiliária deu fim a muitos e muitos campos de pelada em Santarém, e isso aconteceu no Brasil inteiro. Não dá mais para jogar na praia, outro centro de produção de jogadores no passado. Somente os principais clubes que disputam a Série A do Campeonato Brasileiro tem um trabalho de base que dá algum resultado. Ora, se craque de futebol, ou até mesmo bons jogadores, não caem do Céu, o resultado é esse aí que se vê.
Houve um tempo em que eu culpava somente a profissionalização do futebol em Santarém para disputar o Campeonato Paraense, pelo estado a que chegou. Mas, triste do homem que não revê suas posições. Hoje em penso diferente, atribuindo a culpa a tudo que disse antes.
Por fim, lembro que os bons tempos foram aqueles em que São Raimundo e São Francisco iam buscar jogadores nos municípios que citei.
A partir do momento em que Remo e Paysandu passaram a buscar carradas de pernas de pau pelo Brasil afora, abrindo mão dos valores paraenses, cuja revelação também escasseou, e partir do instante em que Leão e Pantera santarenos deixaram de buscar revelações de outros municípios, deixaram de revelar jogadores, porque pararam de investir na base, e passaram a importar barcas e barcas de pernas de pau, de Belém e de outras cidades, foi um pulo chegar ao estágio atual de degradação. Isso foi construído no decorrer das duas ou três últimas décadas.
Como disse no começo, não é saudosismo, mas, saudade dos bons tempos em que o velho estádio Elinaldo Barbosa tremia nos dias de RaixFran. Apesar do gramado quase sempre ruim, o talento dos nossos enchia os olhos de todos os amantes do futebol bem jogado.
Jota Parente

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