sexta-feira, janeiro 16, 2015

Os malefícios das novas tecnologias para crianças e adolescentes*

Nesta primeira edição do ano de 2015, vou dedicar o espaço do meu artigo para reproduzir uma interessante entrevista concedida ainda em 2013, pela conceituada neurocientista inglesa, Susan Greenfield sobre os efeitos “maléficos” do exagero tecnológico para crianças, adolescentes e adultos. Todo pai e toda mãe deve ler, porque eu mesma conheço muita gente que entrega um tablete nas mãos de um bebê, como se quisesse se ver livre dele, ou um celular para crianças, que o usam de forma indiscriminada.
Susan é autora de três best-sellers sobre efeitos da tecnologia na mente humana e defende a tese de que passar tempo demais na frente de computadores, games, tablets e smaprtphones causa alterações cerebrais da mesma natureza daquelas advindas do Alzheimer, sem a mesma proporção, claro. Ela diz que o excesso de exposição e estímulos a tecnologia, games etc.., sem que você tenha outros tipos de estímulos, pode conduzir a pessoa a um estado de alienação.
Essa exposição exagerada, diariamente, pode levar a mente a ficar em estado de confusão entre o aqui e o agora. Por outro lado defende a tecnologia como grande aliada ao aprendizado e ao estímulo a pesquisa, troca de informações e conhecimento, mas que nunca substituirá um bom professor, engajado pelo propósito de ensinar, estimular e compartilhar, como nos tempos de Aristóteles. Veja o que diz a pesquisadora..
Qual é o paralelo entre a doença de Alzheimer e os efeitos sobre o cérebro do uso exagerado de aparelhos conectados à internet?
SG - Fui mal interpretada em uma entrevista e passaram a me atribuir algo que eu não disse. O Alzheimer, à medida que avança, provoca a perda de células cerebrais, conduzindo o paciente a um estado de alienação crescente. Não afirmei que a tecnologia provoca a morte dos neurônios. Não há prova científica disso. O que realmente disse e reafirmo é que computadores, tablets, smartphones, enfim, todos os dispositivos interativos, quando usados excessiva e ininterruptamente, deixam a mente em um estado de confusão sobre o aqui e o agora, muito semelhante aos efeitos do Alzheimer.
 As pessoas nesse estado perdem momentaneamente a noção clara do que seja passado, presente ou futuro. Alguém imerso nesse universo virtual está sempre de prontidão para responder rapidamente a um e-mail ou uma mensagem de bate-papo. Essa disponibilidade instantânea para os apelos digitais interativos, dominada pelos sentidos e não pela cognição, deixa a mente em um estado semelhante ao provocado pelo Alzheimer ou mesmo pelo autismo. Ainda não existem evidências de que o cérebro sadio submetido de maneira intermitente a esses estímulos sofrerá transformações fisiológicas permanentes. No entanto, essa é uma hipótese a considerar seriamente a longo prazo.
A senhora saberia definir o limite máximo de tempo de imersão diária no mundo virtual ao qual alguém deveria obedecer?
SG - Pelos dados que temos em mãos hoje, ainda não somos capazes de definir esse limite. A questão não é propriamente o tempo que se passa on-line. O cerne do problema é deixar de exercer, por causa da internet, outras atividades essenciais para o desenvolvimento pleno do cérebro e para a manutenção da saúde mental. Passar cinco horas seguidas jogando videogame ou no Facebook pode ser bem estimulante, mas são cinco horas a menos para abraçar alguém, caminhar pela praia, conversar cara a cara com um amigo em um bar ou restaurante.
O cérebro de um bebê é um recipiente passivo de sensações, que gradualmente começam a se organizar, o que permite a interpretação por associação das informações que ele recebe. A partir daí, o cérebro formula conceitos com base nas memórias e no conhecimento. É assim que cada um forma a própria identidade. A diversidade e a frequência dessas interações corriqueiras são essenciais para a construção da individualidade não apenas na primeira infância, mas durante toda a vida. As crianças se formam subindo em árvores, sentindo o calor da luz solar no rosto, correndo atrás dos amigos em um parque. O perigo é satisfazer-se com um simulacro digital das sensações reais.
A noção predominante entre os estudiosos, porém, é que os estímulos digitais estão aumentando a eficiência do cérebro humano. Essa noção é equivocada?
SG - Obviamente, qualquer atividade contribui para o desenvolvimento cerebral. Estudos feitos nas últimas décadas comprovaram a capacidade de o cérebro reorganizar-se e reinventar-se a todo momento por meio de estímulos externos. É a neuroplasticidade. Os videogames desenvolvem a coordenação motora e a memória. Isso está comprovado. Nos adultos, sobretudo nos idosos, a interatividade mostrou-se uma excelente ferramenta para estimular a neurogênese, a formação de novas células cerebrais, e até promover certo bem-estar mental.
Há relatos científicos de diminuição dos sintomas da depressão em virtude de relacionamentos que o paciente retomou ou criou nas redes sociais. Minha mãe é viúva, tem 85 anos e mora sozinha. Meu irmão e eu gostaríamos muito que ela tivesse uma conta no Facebook. Mas, infelizmente, ela se recusa. Meu ponto, então, não é a condenação da era da informação. O que eu reafirmo é que, a exemplo de um carro, que nos serve tanto, mas com o qual podemos atropelar e matar alguém, obter os benefícios e evitar os males das novas tecnologias depende apenas do usuário.

Todo pai e toda mãe deveria ler todo este texto

A comunidade científica levou a sério seu alerta sobre o perigo de os videogames, na infância, estarem produzindo adultos “sem ética e atrofiados emocionalmente”?
SG - Essa é uma constatação irrefutável. Pense na fábula da princesa presa na torre. Existe uma enorme diferença entre a experiência de ler sobre Rapunzel em um livro e a de participar de um game em que o objetivo é resgatá-la. O livro apresenta à criança a narração plena da história da princesa. A vida dela faz parte de um contexto. Já no game a princesa é apenas um objetivo, não importa nem como ela chegou a ser aprisionada na torre, não se constrói em nenhum momento um vínculo emocional com a personagem, tampouco se discutem as questões éticas de aprisionar alguém ou as virtudes de caráter ou de coração do ato de salvá-la. A única coisa que importa é ganhar o jogo. Parece-me evidente que são duas vias bem distintas.
O convívio nas redes sociais aceita uma latitude maior na conduta ética das pessoas?
SG - Sem dúvida. No mundo virtual, as pessoas podem se comportar de um modo como jamais fariam no mundo real. Elas perdem seus constrangimentos naturais, o que normalmente barra os maus comportamentos. Na rede, muita gente se expõe como jamais faria nem mesmo no ambiente familiar ou na frente dos amigos mais íntimos. Essa liberalidade começou com os e-mails, mas atingiu o ápice com o Facebook. Os limites do certo e do errado estão cada vez mais difíceis de ser definidos. O livro O Senhor das Moscas, obra-prima de WilIiam Golding, conta a história de um naufrágio de estudantes. Presos em uma ilha e submetidos a enormes privações, eles perdem o verniz civilizatório e se tornam selvagens. Por alguma razão, estar nas redes sociais pode produzir o mesmo efeito de desconsideração com os outros que acometeu os estudantes do livro de Golding presos na ilha.
Essa regressão tem raízes na química cerebral?
SG - Sim. O prazer de estar on-line ou jogando um game libera dopamina em excesso. A dopamina participa do sistema de recompensa do cérebro, aquele que nos faz querer repetir algo prazeroso. Ela é liberada quando se come algo saboroso, como chocolate, e durante o sexo, por exemplo. Cada vez que a criança muda de fase no videogame, mais dopamina é liberada. A interatividade estimula o cérebro a produzi-la em demasia. Isso é um problema. O excesso desse neurotransmissor afeta diretamente o córtex préfrontal, região do cérebro que é a sede da consciência, em que a pessoa processa o conceito que faz de si mesma e as noções de tempo e de espaço.
Antes eram as revistas em quadrinhos, depois a televisão, agora a internet e os games. Será que cada era tem seu falso inimigo do cérebro das crianças?
SG - Existe uma diferença crucial. As novas tecnologias são muito mais invasivas e têm um impacto infinitamente maior até mesmo que o da televisão. As pessoas agora estão sendo levadas a ter uma percepção da vida como uma sucessão de pequenas tarefas desconectadas entre si, exatamente como no game da Rapunzel. O ser humano é produto de histórias, da preservação de memórias, enfim, da narrativa. Não há mais narrativa. Tudo não passa de ação e reação.
Mas a senhora não acha que tem sido gigantesca a contribuição das tecnologias interativas para a educação?
SG - Uma pesquisa divulgada no ano passado, na Inglaterra, derruba essa tese. Três quartos dos professores ingleses reclamam da crescente dificuldade de concentração dos alunos. Quase todos os pais entrevistados afirmaram que os filhos gastam o triplo do tempo na frente de uma tela em comparação com o que dedicam a um livro. Não concordo com os especialistas que sugerem distribuir tablets aos alunos. Isso não resolve. A única maneira de prender a atenção das crianças nos dias de hoje é ter professores inspiradores. A tecnologia é fundamental e excitante, mas, sozinha, não identifica nem desenvolve talentos.
A senhora foi criticada por colegas pelo fato de seus documentários e palestras serem populares demais. O que acha disso?
SG - Costumo citar Carl Sagan, a quem admiro muito, quando me criticam por falar de ciência de maneira fácil e acessível. Ele costumava dizer que era um suicídio viver numa sociedade dependente de ciência e tecnologia e não saber nada sobre ciência e tecnologia. Entendo os colegas que, por personalidade ou opção, são mais resguardados. Mas acho que eles não deveriam criticar quem está disposto a simplificar e divulgar assuntos científicos. No fundo, penso que os cientistas que não gostam de popularizar a ciência têm medo de, ao falar de igual para igual com as pessoas leigas, perder a autoridade e o status.
É verdade que os integrantes da Royal Society chegaram a anunciar que pediriam demissão se a senhora fosse indicada para compor seus quadros?
SG - Aconteceram coisas terríveis nesse episódio. Uma delas foi a falta de ética de meus colegas. As regras de escolha de membros da Royal Society deveriam ser confidenciais. Quem afirmou que sairia se eu fosse escolhida deveria ter sido expulso. Além disso, vivemos em uma democracia. Se os membros não concordavam com meu nome, era só chegar a um consenso interno. Não era preciso me expor perante a opinião pública, como fizeram. O que houve, de fato, foi chantagem. As táticas utilizadas pelos meus colegas foram pobres e não democráticas. Infelizmente, a ciência é uma área na qual ainda impera o machismo. Isso é lastimável.
Em um artigo para o jornal The Guardian, a senhora afirmou que a gravidez era um contrassenso. Por quê?
SG - Referia-me à questão profissional. São poucas as mulheres na minha área que conseguem chegar aonde eu cheguei. E difícil desde o início. No colégio, as meninas recebem menos incentivos do que os meninos para seguir a carreira científica. Afinal, ciência é coisa de homem. Quando conseguem superar essa barreira, elas encontram outro obstáculo: a gravidez. Não sou contra ter filhos, mas, na ciência, quem se afasta, mesmo que por pouco tempo, perde a vez, infelizmente. Eu optei por não ter filhos. Meu irmão nasceu quando eu era uma adolescente de 13 anos. Essa já foi uma experiência maternal suficiente para mim.
A senhora deixou a presidência da Royal Institution pelo mesmo motivo que quase a impediu de entrar?
            SG
- Fui a primeira mulher a comandar a instituição. Foi uma experiência única. Aprendi a ser uma administradora, consegui reerguer a Royal Institution e ao mesmo tempo modernizá-la. Também me aperfeiçoei como acadêmica. No fim de minha gestão, tive problemas sobre os quais estou proibida de falar por ordem judicial. Mas, apesar de tudo o que fiz até hoje como profissional, minha grande realização como cientista ocorreu no campo pessoal, por mais esquisito que isso possa soar. Graças a meu trabalho, consegui realizar um sonho familiar. Apresentei minha mãe, bailarina, e meu pai, engenheiro elétrico, à rainha Elizabeth II.

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