Nesta primeira edição do ano de 2015, vou
dedicar o espaço do meu artigo para reproduzir uma interessante entrevista
concedida ainda em 2013, pela conceituada neurocientista inglesa, Susan
Greenfield sobre
os efeitos “maléficos” do exagero tecnológico para crianças, adolescentes e
adultos. Todo pai e toda mãe deve ler, porque eu mesma conheço muita gente que
entrega um tablete nas mãos de um bebê, como se quisesse se ver livre dele, ou
um celular para crianças, que o usam de forma indiscriminada.
Susan é autora de três best-sellers sobre
efeitos da tecnologia na mente humana e defende a tese de que passar tempo
demais na frente de computadores, games, tablets e smaprtphones causa alterações
cerebrais da mesma natureza daquelas advindas do Alzheimer, sem a mesma
proporção, claro. Ela diz que o excesso de exposição e estímulos a tecnologia,
games etc.., sem que você tenha outros tipos de estímulos, pode conduzir a
pessoa a um estado de alienação.
Essa exposição exagerada, diariamente, pode
levar a mente a ficar em estado de confusão entre o aqui e o agora. Por outro
lado defende a tecnologia como grande aliada ao aprendizado e ao estímulo a
pesquisa, troca de informações e conhecimento, mas que nunca substituirá um bom
professor, engajado pelo propósito de ensinar, estimular e compartilhar, como
nos tempos de Aristóteles. Veja o que diz a pesquisadora..
Qual é o paralelo
entre a doença de Alzheimer e os efeitos sobre o cérebro do uso exagerado de
aparelhos conectados à internet?
SG - Fui mal
interpretada em uma entrevista e passaram a me atribuir algo que eu não disse.
O Alzheimer, à medida que avança, provoca a perda de células cerebrais,
conduzindo o paciente a um estado de alienação crescente. Não afirmei que a
tecnologia provoca a morte dos neurônios. Não há prova científica disso. O que
realmente disse e reafirmo é que computadores, tablets, smartphones, enfim,
todos os dispositivos interativos, quando usados excessiva e ininterruptamente,
deixam a mente em um estado de confusão sobre o aqui e o agora, muito
semelhante aos efeitos do Alzheimer.
As
pessoas nesse estado perdem momentaneamente a noção clara do que seja passado,
presente ou futuro. Alguém imerso nesse universo virtual está sempre de
prontidão para responder rapidamente a um e-mail ou uma mensagem de bate-papo.
Essa disponibilidade instantânea para os apelos digitais interativos, dominada
pelos sentidos e não pela cognição, deixa a mente em um estado semelhante ao
provocado pelo Alzheimer ou mesmo pelo autismo. Ainda não existem evidências de
que o cérebro sadio submetido de maneira intermitente a esses estímulos sofrerá
transformações fisiológicas permanentes. No entanto, essa é uma hipótese a
considerar seriamente a longo prazo.
A senhora saberia definir o
limite máximo de tempo de imersão diária no mundo virtual ao qual alguém
deveria obedecer?
SG - Pelos dados que
temos em mãos hoje, ainda não somos capazes de definir esse limite. A questão
não é propriamente o tempo que se passa on-line. O cerne do problema é deixar
de exercer, por causa da internet, outras atividades essenciais para o desenvolvimento
pleno do cérebro e para a manutenção da saúde mental. Passar cinco horas
seguidas jogando videogame ou no Facebook pode ser bem estimulante, mas são
cinco horas a menos para abraçar alguém, caminhar pela praia, conversar cara a
cara com um amigo em um bar ou restaurante.
O cérebro de um bebê é um recipiente passivo
de sensações, que gradualmente começam a se organizar, o que permite a
interpretação por associação das informações que ele recebe. A partir daí, o
cérebro formula conceitos com base nas memórias e no conhecimento. É assim que
cada um forma a própria identidade. A diversidade e a frequência dessas
interações corriqueiras são essenciais para a construção da individualidade não
apenas na primeira infância, mas durante toda a vida. As crianças se formam
subindo em árvores, sentindo o calor da luz solar no rosto, correndo atrás dos
amigos em um parque. O perigo é satisfazer-se com um simulacro digital das
sensações reais.
A noção predominante entre os
estudiosos, porém, é que os estímulos digitais estão aumentando a eficiência do
cérebro humano. Essa noção é equivocada?
SG - Obviamente,
qualquer atividade contribui para o desenvolvimento cerebral. Estudos feitos
nas últimas décadas comprovaram a capacidade de o cérebro reorganizar-se e
reinventar-se a todo momento por meio de estímulos externos. É a
neuroplasticidade. Os videogames desenvolvem a coordenação motora e a memória.
Isso está comprovado. Nos adultos, sobretudo nos idosos, a interatividade
mostrou-se uma excelente ferramenta para estimular a neurogênese, a formação de
novas células cerebrais, e até promover certo bem-estar mental.
Há relatos científicos de diminuição dos
sintomas da depressão em virtude de relacionamentos que o paciente retomou ou
criou nas redes sociais. Minha mãe é viúva, tem 85 anos e mora sozinha. Meu
irmão e eu gostaríamos muito que ela tivesse uma conta no Facebook. Mas,
infelizmente, ela se recusa. Meu ponto, então, não é a condenação da era da
informação. O que eu reafirmo é que, a exemplo de um carro, que nos serve tanto,
mas com o qual podemos atropelar e matar alguém, obter os benefícios e evitar
os males das novas tecnologias depende apenas do usuário.
Todo pai e toda mãe deveria ler todo este texto
A comunidade científica levou a
sério seu alerta sobre o perigo de os videogames, na infância, estarem
produzindo adultos “sem ética e atrofiados emocionalmente”?
SG - Essa é uma
constatação irrefutável. Pense na fábula da princesa presa na torre. Existe uma
enorme diferença entre a experiência de ler sobre Rapunzel em um livro e a de
participar de um game em que o objetivo é resgatá-la. O livro apresenta à
criança a narração plena da história da princesa. A vida dela faz parte de um
contexto. Já no game a princesa é apenas um objetivo, não importa nem como ela
chegou a ser aprisionada na torre, não se constrói em nenhum momento um vínculo
emocional com a personagem, tampouco se discutem as questões éticas de
aprisionar alguém ou as virtudes de caráter ou de coração do ato de salvá-la. A
única coisa que importa é ganhar o jogo. Parece-me evidente que são duas vias
bem distintas.
O convívio nas redes sociais
aceita uma latitude maior na conduta ética das pessoas?
SG - Sem dúvida. No
mundo virtual, as pessoas podem se comportar de um modo como jamais fariam no mundo
real. Elas perdem seus constrangimentos naturais, o que normalmente barra os
maus comportamentos. Na rede, muita gente se expõe como jamais faria nem mesmo
no ambiente familiar ou na frente dos amigos mais íntimos. Essa liberalidade
começou com os e-mails, mas atingiu o ápice com o Facebook. Os limites do certo
e do errado estão cada vez mais difíceis de ser definidos. O livro O Senhor das
Moscas, obra-prima de WilIiam Golding, conta a história de um naufrágio de
estudantes. Presos em uma ilha e submetidos a enormes privações, eles perdem o
verniz civilizatório e se tornam selvagens. Por alguma razão, estar nas redes
sociais pode produzir o mesmo efeito de desconsideração com os outros que
acometeu os estudantes do livro de Golding presos na ilha.
Essa regressão tem raízes na
química cerebral?
SG - Sim. O prazer de
estar on-line ou jogando um game libera dopamina em excesso. A dopamina
participa do sistema de recompensa do cérebro, aquele que nos faz querer
repetir algo prazeroso. Ela é liberada quando se come algo saboroso, como
chocolate, e durante o sexo, por exemplo. Cada vez que a criança muda de fase
no videogame, mais dopamina é liberada. A interatividade estimula o cérebro a
produzi-la em demasia. Isso é um problema. O excesso desse neurotransmissor
afeta diretamente o córtex préfrontal, região do cérebro que é a sede da
consciência, em que a pessoa processa o conceito que faz de si mesma e as
noções de tempo e de espaço.
Antes eram as revistas em
quadrinhos, depois a televisão, agora a internet e os games. Será que cada era
tem seu falso inimigo do cérebro das crianças?
SG - Existe uma
diferença crucial. As novas tecnologias são muito mais invasivas e têm um
impacto infinitamente maior até mesmo que o da televisão. As pessoas agora
estão sendo levadas a ter uma percepção da vida como uma sucessão de pequenas
tarefas desconectadas entre si, exatamente como no game da Rapunzel. O ser
humano é produto de histórias, da preservação de memórias, enfim, da narrativa.
Não há mais narrativa. Tudo não passa de ação e reação.
Mas a senhora não acha que tem
sido gigantesca a contribuição das tecnologias interativas para a educação?
SG - Uma pesquisa
divulgada no ano passado, na Inglaterra, derruba essa tese. Três quartos dos
professores ingleses reclamam da crescente dificuldade de concentração dos
alunos. Quase todos os pais entrevistados afirmaram que os filhos gastam o
triplo do tempo na frente de uma tela em comparação com o que dedicam a um
livro. Não concordo com os especialistas que sugerem distribuir tablets aos
alunos. Isso não resolve. A única maneira de prender a atenção das crianças nos
dias de hoje é ter professores inspiradores. A tecnologia é fundamental e
excitante, mas, sozinha, não identifica nem desenvolve talentos.
A senhora foi criticada por colegas
pelo fato de seus documentários e palestras serem populares demais. O que acha
disso?
SG - Costumo citar Carl
Sagan, a quem admiro muito, quando me criticam por falar de ciência de maneira
fácil e acessível. Ele costumava dizer que era um suicídio viver numa sociedade
dependente de ciência e tecnologia e não saber nada sobre ciência e tecnologia.
Entendo os colegas que, por personalidade ou opção, são mais resguardados. Mas
acho que eles não deveriam criticar quem está disposto a simplificar e divulgar
assuntos científicos. No fundo, penso que os cientistas que não gostam de
popularizar a ciência têm medo de, ao falar de igual para igual com as pessoas
leigas, perder a autoridade e o status.
É verdade que os integrantes da
Royal Society chegaram a anunciar que pediriam demissão se a senhora fosse
indicada para compor seus quadros?
SG - Aconteceram coisas
terríveis nesse episódio. Uma delas foi a falta de ética de meus colegas. As
regras de escolha de membros da Royal Society deveriam ser confidenciais. Quem
afirmou que sairia se eu fosse escolhida deveria ter sido expulso. Além disso,
vivemos em uma democracia. Se os membros não concordavam com meu nome, era só
chegar a um consenso interno. Não era preciso me expor perante a opinião pública,
como fizeram. O que houve, de fato, foi chantagem. As táticas utilizadas pelos
meus colegas foram pobres e não democráticas. Infelizmente, a ciência é uma
área na qual ainda impera o machismo. Isso é lastimável.
Em um artigo para o jornal The
Guardian, a senhora afirmou que a gravidez era um contrassenso. Por quê?
SG - Referia-me à
questão profissional. São poucas as mulheres na minha área que conseguem chegar
aonde eu cheguei. E difícil desde o início. No colégio, as meninas recebem
menos incentivos do que os meninos para seguir a carreira científica. Afinal,
ciência é coisa de homem. Quando conseguem superar essa barreira, elas
encontram outro obstáculo: a gravidez. Não sou contra ter filhos, mas, na
ciência, quem se afasta, mesmo que por pouco tempo, perde a vez, infelizmente.
Eu optei por não ter filhos. Meu irmão nasceu quando eu era uma adolescente de
13 anos. Essa já foi uma experiência maternal suficiente para mim.
A senhora deixou a
presidência da Royal Institution pelo mesmo motivo que quase a impediu de
entrar?SG - Fui a primeira mulher a comandar a instituição. Foi uma experiência única. Aprendi a ser uma administradora, consegui reerguer a Royal Institution e ao mesmo tempo modernizá-la. Também me aperfeiçoei como acadêmica. No fim de minha gestão, tive problemas sobre os quais estou proibida de falar por ordem judicial. Mas, apesar de tudo o que fiz até hoje como profissional, minha grande realização como cientista ocorreu no campo pessoal, por mais esquisito que isso possa soar. Graças a meu trabalho, consegui realizar um sonho familiar. Apresentei minha mãe, bailarina, e meu pai, engenheiro elétrico, à rainha Elizabeth II.
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