Dom Erwin Krautler, bispo de Altamira Foto: JParente |
D. Erwin Klautler, bispo da prelazia
de Altamira, figura emblemática por sua incansável luta em favor de causas
sociais e ambientais, foi um dos maiores destaques do Ato de Protesto contra as
usinas hidrelétricas do rio Tapajós. Ele foi o maior responsável pela
protelação do início das obras da hidrelétrica de Belo Monte, quando ainda era
conhecida como Kararaô. Sua voz, respeitada internacionalmente, ecoou, alto e
bom som, no protesto de São Luiz. Ele conversou com a reportagem do Jornal do
Comércio.
JC – O que representa
esse movimento de São Luiz do Tapajós?
D. Erwin – Esse movimento é a
expressão da insatisfação de um povo que nunca foi consultado. Atrás de tudo
isso há a percepção de que a Amazônia é considerada quintal, periferia,
província do resto do Brasil. O povo da Amazônia, ao que parece, não conta.
Todos os projetos que foram implementados, e os que estão para serem
implementados na região, nunca receberam o aval do povo daqui. As consultas que
foram feitas, foram simplesmente para inglês ver, sem informações mais
aprofundadas para o povo.
Aqui em São Luiz, dá-se a manifestação dos
ribeirinhos. Vieram, também os indígenas para mostrar que eles são os primeiros
habitantes desta terra e não podem ser tratado como se fosse bicho do mato.
Eles tem uma história. Há centenas de anos povoam essas terras do Tapajós e do
Xingu. Nós não podemos nos calar quando a Amazônia está sendo desrespeitada. Eu
disse na minha homilia, que a Amazônia está sendo destruída; suas veias estão
abertas, suas vísceras estão expostas, sob a ameaça de morrer por inanição. E
por trás de tudo isso tem o sistema.
Gritam que o Brasil precisa de energia, e
ninguém duvida. Mas, ninguém se dá ao luxo de pensar onde mais se pode captar
energia. E o que importa ao governo, não sei por que, é que as firmas
barrageiras tem a vez e a voz. Não trata de apostar no aprofundamento
científico do aproveitamento de outras fontes de energia.
JC – O senhor lutou
muito contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, tendo sofrido ameaça
de morte por conta disso. Aqui, a maioria das pessoas de Itaituba mantém-se inerte
e indiferente às consequências da obra de São Luiz. Com toda a experiência que
o senhor tem na luta contra a usina do Xingu, o que acredita que o futuro
reserva para Itaituba?
D. Erwin – Essa inércia é um
problema, mas creio que a experiência do Xingu possa ajudar. Altamira, todo
sabe que desde o início eu fui contra a hidrelétrica de Belo Monte. E não
somente por querer ser contra, mas, tendo como base os estudos científicos
feitos por universidades e por cientistas de renome, do Pará e do Sul do País.
A maioria dos empresários, a nata de Altamira não entendeu o bispo. Uma das
razões pelas quais eu fui ameaçado de morte foi porque eu me posicionei contra
Belo Monte. Diziam: “enquanto esse bispo existir, Belo Monte não vai sair”.
Ora, depois de alguns anos, quando o projeto começou a ser executado, quando os
problemas sobre os quais eu falava que viriam, começaram a surgir, os mesmos
que achavam que eu estava errado, passaram a dizer que o bispo tinha razão.
Mas, já era tarde. O problema é que pensavam que iriam ganhar muito dinheiro.
Muitos pensavam que iriam enriquecer da noite para o dia. Isso não aconteceu
lá, nem vai acontecer aqui, porque o comércio local, nem as empresas locais em
geral são beneficiadas. Sobra só um pouquinho.
JC – O que é possível
se fazer, diante da determinação do governo em construir essas hidrelétricas,
ameaçando até com uso da força se for preciso?
D. Erwin – A única coisa que
nós podemos fazer é continuar promovendo esses eventos para mostrar que nós não
estamos de acordo, porque o governo parece um rolo compressor, que passa por
cima de qualquer jeito. O governo usa como estratégia encarar isso como fato
consumado, e na medida em que o povo se levanta, na proporção em que o povo diz
não a esse projeto, a esse absurdo, o governo não encontra facilidades para
executá-lo.
Ao mexer com a questão indígena, o problema
ganha repercussão internacional, porque o mundo é muito sensível aos problemas
relacionados aos povos indígenas, e o Brasil não pode se dar ao luxo de ignorar
isso. Se os Munduruku dizem não, eles tem que ser ouvidos. É um absurdo fazer
uma consulta, como o governo diz que faz, do jeito que ele quer fazer. Olha, nós vamos fazer a consulta, mas, por
fazer, porque vocês não vão apitar nada. É isso que o governo diz que vai
fazer. Que consulta é essa? Isso é um absurdo! Mas o governo anda por esse
caminho.
JC – Como a igreja
Católica se posiciona nesse caso?
D. Erwin – A Igreja não é só
os bispos. Veja que muitos Munduruku que estiveram aqui, receberam a comunhão
porque são católicos. A Igreja como um todo se manifesta. O bispo empresta sua
voz a todo o povo para dizer não. Mas, em primeiro lugar, o bispo precisa ouvir
a voz do povo, para depois ser seu porta voz diante o governo, por causa de
todas essas investidas que estão sendo feitas por aqui.
JC – O que aconteceu
durante a luta contra Belo Monte, e o que está ocorrendo hoje com a construção
da hidrelétrica, deveria servir de alerta para Itaituba?
D. Erwin – Eu convido vocês
para irem a Altamira para ver o que aconteceu. Altamira está mergulhada em um
tremendo caos. Eu me lembro que o Lula mesmo me disse, quando estive duas vezes
com ele, que o diálogo continua, e que esse projeto seria totalmente diferente
dos anteriores, como foi Santo Antônio e Jirau. Lula me falou: nós aprendemos a lição, com os erros
cometidos. Eu tenho impressão que Belo Monte está sendo pior, porque o povo
está sendo desprezado.
A cidade de Altamira vive um caos em termos
de infraestrutura, de educação, de saúde, de transporte e de segurança pública.
A gente não conhece mais Altamira; o povo não tem mais sossego. E tem outro
detalhe: um terço do povo vai ser desterrado, vai ser retirado de suas casas
para ser assentado e outro canto, encurralado. A gente não pode nem imaginar a
consequência, porque isso e uma agressão, inclusive à cultura do paraense.
As casas destinadas são verdadeiras gaiolas,
uma ao lado da outra. A gente escuta tudo que acontece na casa vizinha. Não há
privacidade para esse povo. Nada disso foi pensado. Um terço da cidade de Altamira
vai para o fundo, e a outra parte vai ficar na margem de um lago podre e morto.
Isso vai servir de viveiro para tudo quanto é praga, uma fonte para que as
pessoas vivam adoecendo. Não foram feitas pesquisas a respeito das
consequências para um povo que vai viver em uma cidade ao lado de um lago
morto, como é o caso de Altamira, que tem hoje entre 130 mil e 140 mil
habitantes, cidade que eu conheci quando tinha quatro mil habitantes.
JC – Chegua de a
Amazônia ser província?
D. Erwin – Sim, chega. A Amazônia
só tem sido tratada como a última fronteira agrícola, como província mineral,
província madeireira, e agora, província hidroelétrica. Sempre província,
providência, província. A Amazônia tem entre 23 e 24 milhões de habitantes e
tem o direito de se manifestar e deve ser ouvida.
JC – O que Itaituba
pode aprender com Altamira?
D. Erwin – Talvez o povo
daqui possa aprender como nós, de Altamira, do Xingu implementamos a luta, as
classes empresarial e política também podem aprender que, apesar de termos sido
hostilizados naquele tempo, viram que a gente tinha razão, porque toda essa
gente que disse que o bispo do Xingu era contra o projeto, descobriu que não
ganhou dinheiro fácil como esperava, e muita gente veio para Belo Monte para lucrar
e depois ir embora. E nós vamos herdar a cidade com algum luxo, mas, também com
muito lixo que não havia. Basta esse pessoal de Itaituba, que acha que vai
enriquecer fácil, dar uma volta em Altamira para conhecer a realidade atual de
lá.
JC – Para o governo e
para muita gente, isso é desenvolvimento...
D. Erwin – Para o governo,
desenvolvimento é só aumentar o PIB, aumentar as exportações. Pensa em termos
de desenvolvimentismo, “crescimentismo”. Para nós, desenvolvimento é melhoria
da qualidade de vida. O que nós ganhamos com tudo isso? Aqui pode e deve ser
diferente. Peguem um ônibus e vão bem ali a Altamira para ver o que está
acontecendo.
*Na edição 191 do Jornal do Comércio, circulando.
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