domingo, dezembro 07, 2014

Dom Erwin Krautler: Itaituba deve aprender, para não repetir os erros de Altamira

         
Dom Erwin Krautler, bispo de Altamira
Foto: JParente
  O número de pessoas presentes em São Luiz, quinta-feira, 27 de novembro foi expressivo. Menor que era esperado, mas, grande o bastante para cumprir o objetivo de levantar a voz do Tapajós contra o projeto do governo federal, de construir um complexo de hidrelétricas nesse rio, que afetará muito, de forma definitiva, o meio ambiente e sabe Deus por quanto tempo, os seres humanos que vivem na região.
            D. Erwin Klautler, bispo da prelazia de Altamira, figura emblemática por sua incansável luta em favor de causas sociais e ambientais, foi um dos maiores destaques do Ato de Protesto contra as usinas hidrelétricas do rio Tapajós. Ele foi o maior responsável pela protelação do início das obras da hidrelétrica de Belo Monte, quando ainda era conhecida como Kararaô. Sua voz, respeitada internacionalmente, ecoou, alto e bom som, no protesto de São Luiz. Ele conversou com a reportagem do Jornal do Comércio.
JC – O que representa esse movimento de São Luiz do Tapajós?
D. Erwin – Esse movimento é a expressão da insatisfação de um povo que nunca foi consultado. Atrás de tudo isso há a percepção de que a Amazônia é considerada quintal, periferia, província do resto do Brasil. O povo da Amazônia, ao que parece, não conta. Todos os projetos que foram implementados, e os que estão para serem implementados na região, nunca receberam o aval do povo daqui. As consultas que foram feitas, foram simplesmente para inglês ver, sem informações mais aprofundadas para o povo.
Aqui em São Luiz, dá-se a manifestação dos ribeirinhos. Vieram, também os indígenas para mostrar que eles são os primeiros habitantes desta terra e não podem ser tratado como se fosse bicho do mato. Eles tem uma história. Há centenas de anos povoam essas terras do Tapajós e do Xingu. Nós não podemos nos calar quando a Amazônia está sendo desrespeitada. Eu disse na minha homilia, que a Amazônia está sendo destruída; suas veias estão abertas, suas vísceras estão expostas, sob a ameaça de morrer por inanição. E por trás de tudo isso tem o sistema.
Gritam que o Brasil precisa de energia, e ninguém duvida. Mas, ninguém se dá ao luxo de pensar onde mais se pode captar energia. E o que importa ao governo, não sei por que, é que as firmas barrageiras tem a vez e a voz. Não trata de apostar no aprofundamento científico do aproveitamento de outras fontes de energia.
JC – O senhor lutou muito contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, tendo sofrido ameaça de morte por conta disso. Aqui, a maioria das pessoas de Itaituba mantém-se inerte e indiferente às consequências da obra de São Luiz. Com toda a experiência que o senhor tem na luta contra a usina do Xingu, o que acredita que o futuro reserva para Itaituba?
D. Erwin – Essa inércia é um problema, mas creio que a experiência do Xingu possa ajudar. Altamira, todo sabe que desde o início eu fui contra a hidrelétrica de Belo Monte. E não somente por querer ser contra, mas, tendo como base os estudos científicos feitos por universidades e por cientistas de renome, do Pará e do Sul do País. A maioria dos empresários, a nata de Altamira não entendeu o bispo. Uma das razões pelas quais eu fui ameaçado de morte foi porque eu me posicionei contra Belo Monte. Diziam: “enquanto esse bispo existir, Belo Monte não vai sair”. Ora, depois de alguns anos, quando o projeto começou a ser executado, quando os problemas sobre os quais eu falava que viriam, começaram a surgir, os mesmos que achavam que eu estava errado, passaram a dizer que o bispo tinha razão. Mas, já era tarde. O problema é que pensavam que iriam ganhar muito dinheiro. Muitos pensavam que iriam enriquecer da noite para o dia. Isso não aconteceu lá, nem vai acontecer aqui, porque o comércio local, nem as empresas locais em geral são beneficiadas. Sobra só um pouquinho.
JC – O que é possível se fazer, diante da determinação do governo em construir essas hidrelétricas, ameaçando até com uso da força se for preciso?
D. Erwin – A única coisa que nós podemos fazer é continuar promovendo esses eventos para mostrar que nós não estamos de acordo, porque o governo parece um rolo compressor, que passa por cima de qualquer jeito. O governo usa como estratégia encarar isso como fato consumado, e na medida em que o povo se levanta, na proporção em que o povo diz não a esse projeto, a esse absurdo, o governo não encontra facilidades para executá-lo.
Ao mexer com a questão indígena, o problema ganha repercussão internacional, porque o mundo é muito sensível aos problemas relacionados aos povos indígenas, e o Brasil não pode se dar ao luxo de ignorar isso. Se os Munduruku dizem não, eles tem que ser ouvidos. É um absurdo fazer uma consulta, como o governo diz que faz, do jeito que ele quer fazer. Olha, nós vamos fazer a consulta, mas, por fazer, porque vocês não vão apitar nada. É isso que o governo diz que vai fazer. Que consulta é essa? Isso é um absurdo! Mas o governo anda por esse caminho.
JC – Como a igreja Católica se posiciona nesse caso?
D. Erwin – A Igreja não é só os bispos. Veja que muitos Munduruku que estiveram aqui, receberam a comunhão porque são católicos. A Igreja como um todo se manifesta. O bispo empresta sua voz a todo o povo para dizer não. Mas, em primeiro lugar, o bispo precisa ouvir a voz do povo, para depois ser seu porta voz diante o governo, por causa de todas essas investidas que estão sendo feitas por aqui.
JC – O que aconteceu durante a luta contra Belo Monte, e o que está ocorrendo hoje com a construção da hidrelétrica, deveria servir de alerta para Itaituba?
D. Erwin – Eu convido vocês para irem a Altamira para ver o que aconteceu. Altamira está mergulhada em um tremendo caos. Eu me lembro que o Lula mesmo me disse, quando estive duas vezes com ele, que o diálogo continua, e que esse projeto seria totalmente diferente dos anteriores, como foi Santo Antônio e Jirau. Lula me falou: nós aprendemos a lição, com os erros cometidos. Eu tenho impressão que Belo Monte está sendo pior, porque o povo está sendo desprezado.
A cidade de Altamira vive um caos em termos de infraestrutura, de educação, de saúde, de transporte e de segurança pública. A gente não conhece mais Altamira; o povo não tem mais sossego. E tem outro detalhe: um terço do povo vai ser desterrado, vai ser retirado de suas casas para ser assentado e outro canto, encurralado. A gente não pode nem imaginar a consequência, porque isso e uma agressão, inclusive à cultura do paraense.
As casas destinadas são verdadeiras gaiolas, uma ao lado da outra. A gente escuta tudo que acontece na casa vizinha. Não há privacidade para esse povo. Nada disso foi pensado. Um terço da cidade de Altamira vai para o fundo, e a outra parte vai ficar na margem de um lago podre e morto. Isso vai servir de viveiro para tudo quanto é praga, uma fonte para que as pessoas vivam adoecendo. Não foram feitas pesquisas a respeito das consequências para um povo que vai viver em uma cidade ao lado de um lago morto, como é o caso de Altamira, que tem hoje entre 130 mil e 140 mil habitantes, cidade que eu conheci quando tinha quatro mil habitantes.
JC – Chegua de a Amazônia ser província?
D. Erwin – Sim, chega. A Amazônia só tem sido tratada como a última fronteira agrícola, como província mineral, província madeireira, e agora, província hidroelétrica. Sempre província, providência, província. A Amazônia tem entre 23 e 24 milhões de habitantes e tem o direito de se manifestar e deve ser ouvida.
JC – O que Itaituba pode aprender com Altamira?
D. Erwin – Talvez o povo daqui possa aprender como nós, de Altamira, do Xingu implementamos a luta, as classes empresarial e política também podem aprender que, apesar de termos sido hostilizados naquele tempo, viram que a gente tinha razão, porque toda essa gente que disse que o bispo do Xingu era contra o projeto, descobriu que não ganhou dinheiro fácil como esperava, e muita gente veio para Belo Monte para lucrar e depois ir embora. E nós vamos herdar a cidade com algum luxo, mas, também com muito lixo que não havia. Basta esse pessoal de Itaituba, que acha que vai enriquecer fácil, dar uma volta em Altamira para conhecer a realidade atual de lá.
JC – Para o governo e para muita gente, isso é desenvolvimento...
D. Erwin – Para o governo, desenvolvimento é só aumentar o PIB, aumentar as exportações. Pensa em termos de desenvolvimentismo, “crescimentismo”. Para nós, desenvolvimento é melhoria da qualidade de vida. O que nós ganhamos com tudo isso? Aqui pode e deve ser diferente. Peguem um ônibus e vão bem ali a Altamira para ver o que está acontecendo.

*Na edição 191 do Jornal do Comércio, circulando.

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