Jota Parente - Afirmo, do fundo do coração, que sinto
imenso orgulho de ter investido importantes quatorze anos de minha vida, entre
idas e vindas, como integrante da Rádio Emissora de Educação Rural, ou apenas
Rádio Rural de Santarém. Ingressei no dia 1º de agosto de 1971, depois de
passar no teste do qual participaram dezenas de jovens, tendo sido aprovados
apenas dois, eu e o saudoso colega de trabalho Jota Nogueira.
Ao final de um período de experiência de
trinta dias, o mestre Osmar Simões optou por Nogueira, para profunda tristeza
minha, que poucos dias depois fui convidado pelo então comentarista José Veiga
dos Santos, mais um Jota do rádio santareno, o Jota Veiga, botafoguense de
quatro costados, irmão de alguém que viria a ser um grande amigo dali a pouco
tempo, João Veiga dos Santos, pai do vereador Peninha. O motivo da preferência
por Jota Nogueira foi mais do que justificado: ele era dono de uma voz grande,
podendo ser aproveitado, também, para fazer outros programas além do esporte.
Fui para a Rádio Clube de Santarém,
também conhecida como escolinha, mordido. Naquele tempo contava muito para se
conseguir um lugar no rádio ser dono de
uma voz grave. E Nogueira tinha um grave respeitado, enquanto tinha uma
voz muito acanhada, considerada fina, ou muito mais aguda do que a do meu
colega, embora eu fosse muito mais atualizado a respeito de tudo que acontecia
no mundo dos esportes. Dei um baile em todos os concorrentes nos testes,
inclusive no Jota Nogueira.
Mesmo dispondo de pouquíssimos recursos
na Rádio Clube, eu dei o sangue para mostrar serviço e ser notado pela Rádio
Rural. E a oportunidade que eu precisava caiu no meu colo no começo do mês de
outubro daquele ano de 1971. O Fast Club, de Manaus, que na época tinha um
timaço do qual fazia parte o monte-alegrense Afonso de Almeida Lins, craque de
bola que havia feito muito sucesso jogando pelo São Francisco de Santarém
estava retornado de Belém, onde derrotara o Paysandu, tendo um amistoso
acertado para Santarém, no velho estádio Elinaldo Barbosa.
A Rádio Rural tinha tudo, e a gente
tinha quase nada. Então, como descobri que havia dois narradores esportivos na
delegação, o Raimundo Nonato Nascimento, da Rádio Rio Mar e o Carlos de
Carvalho, da Rádio Difusora do Amazonas, procurei os dois e humildemente roguei
que eles transmitissem o jogo para nós. E para minha grande felicidade, depois
de olharem para aquele moleque aprendiz de radialista, com cara de garoto e
muito magro, talvez por causa do meu atrevimento, eles toparam de cara. Na
ocasião, Leal di Sousa, que era o diretor a Rádio Clube, gravou uma chamada
imediatamente, e colou até carro de propaganda volante para rodas pelas ruas da
cidade, a respeito da transmissão
inédita. À noite a Rádio Clube fez eco no estádio, para desespero dos
integrantes da equipe esportiva d Rural e de sua direção.
A informação a respeito do mentor
intelectual e executor daquela ação vazou, e poucos dias depois eu fui chamado
pelo gerente da Rádio Rural, Haroldo de Almeida Sena, que me perguntou se eu
gostaria de trabalhar na emissora. Claro que minha resposta foi sim, pois o
sonho de todo jovem que sonhava trabalhar no Rádio, em Santarém, pensava logo na
Rádio Rural. Como meu vínculo com a Rádio Clube era informal, mudei-me no dia
seguinte.
Pelo fato de ter me esforçado sempre para
aprender o máximo que pudesse a respeito da profissão que abracei, não demorou
para que eu fosse chamado, ora para cobrir férias de algum colega do
respeitadíssimo departamento de jornalismo, vez por outra cobrindo a ausência
da MDR, na discoteca, cumulativamente com meu trabalho na equipe de esportes,
onde durante muito tempo produzi e apresentei três programas diários, até
chegar ao comando da programação da emissora.
Existem coisas na vida das quais a gente
nunca esquece por terem sido profundamente marcantes. Com referência à Rádio
Rural posso citar algumas. A audiência maciça da emissora, que fazia eco pela
cidade em dados momentos, como na transmissão dos embates entre São Raimundo e
São Francisco nas tardes de domingo e o Jornal da Noite, de segunda a sexta, às
nove horas da noite. Especialmente esses dois faziam eco na cidade.
Marcou-nos muito, a mim e a todos
aqueles que fizeram parte daquele time, no período considerado áureo da Rádio
Rural de Santarém, no qual se destacaram nomes como Edinaldo Mota, Santino
Soares, Edmar Rosa, Cláudio Serique, Eriberto Santos, Manuel Dutra, José
Azevedo, Valter Pinheiro, Osmar Simões, Dário Tavares, Habib Bechara, Lamberto
de Carvalho, Miracildo Correa, Osvaldo de Andrade, Bena Santana, Oti Santos,
Campos Filho, Silvério Rodrigues, Edgar Silva, Clenildo Vasconcelos, Silvério
Rodrigues, Leal di Sousa, Manolo Santos, Ray Marinho, Raifran, Conceição
Castro, Anadir Brito, Eduardo Augusto dos Anjos, Sampaio Brelaz, Bena Lago,
Natalino Sousa... Certamente cometerei injustiça, porque não há como lembrar de
todos.
Foi na Rádio Rural que tive oportunidade
de trabalhar em jogos para mim inesquecíveis, como por exemplo, quando o meu
Botafogo veio a Santarém com um time de respeito, no qual brilhavam estrelas
como Marinho Chagas, que foi titular da seleção na copa de 1974, o goleiro
Ubirajara, o primeiro do Brasil a fazer um gol com bola rolando, quando ainda era
do Flamengo, Miranda, Osmar Guarneli e Carbone.
Mané Garrincha, o fenomenal driblador
que encantou o mundo com suas pernas tortas, que foi o motivo de passar a
torcer pelo Glorioso de General Severiano, com o qual tive a imensa felicidade
de conviver de perto por algumas horas, entrevistando-o no Hotel Modelo. Só foi
possível porque eu estava na hora certa e no lugar certo, como repórter da
Rádio Rural. Fiz uma entrevista, mais um depoimento do que uma entrevista, com Mané,
de mais de uma hora de duração. Na época, ele viajava pelo Brasil fazendo
apresentações em cidades de pequeno e médio porte, já com mais de 40 anos.
Foram anos de muita atividade, muita
alegria por aquilo que a gente fazia, mas, também de muitos sobressaltos por
causa da ditadura militar, que suprimiu grande parte dos direitos
constitucionais do cidadão brasileiro. A pressão sobre a direção da Rádio
Rural, exercida pela Política Federal, era muito grande. Os tempos mais duros
foram os chamados os anos de chumbo, considerado o período mais repressivo e
truculento da ditadura militar no Brasil, que se estenderam, basicamente, do fim
de 1968, com a edição
do AI-5 em 13 de dezembro daquele
ano, até o final do governo Médici,
em março de 1974.
Isso não quer dizer que o nosso trabalho
na Rádio Rural ficou mais fácil, pois no governo do general Ernesto Geisel a censura
continuou agindo com sua mão pesada sobre as emissoras. E a mão foi sempre
muito mais pesada sobre quem ousava desafiar os donos do poder. Nossa emissora
sofreu muita pressão. Quando o delegado da Polícia Federal não tinha muita
coisa para fazer, mandava chamar o gerente para da uma pressionada por qualquer
motivo, ou sem motivo.
Durante toda essa longa e dura
travessia, tivemos como suporte um homem corajoso, que não se curvou nunca aos
caprichos da ditadura. Era D. Tiago Ryan, que nas homilias das missas que celebrava
na frente da catedral de N. Srª da Conceição tinha a coragem de denunciar
arbitrariedades praticadas por policias ou por políticos. Como se tratava de um
cidadão americano, ele tinha as costas quentes, pois veio dos Estados Unidos incondicional
apoio ao golpe militar de 1964, e por isso ninguém tinha coragem de mexer com
ele. D. Tiago, que foi o grande responsável pela criação da Rádio Rural, tinha
especial carinho pela emissora.
Assumiu a gerência após a morte de
Haroldo Sena, Manuel Dutra, que enfrentou uma barra muito pesada por causa da
censura. Jornalista competente e homem corajoso, no qual seus subordinados se
espelhavam, Dutra carregou aquele pesado fardo com muita determinação, sem
jamais permitir que aquela pressão interferisse no ânimo de sua equipe de
trabalho.
Foi naquele ambiente, cercado por uma
direção corajosa e competente, e fazendo parte de uma equipe composta por
colegas que travavam uma salutar concorrência interna para ver quem produzia e
apresentava os melhores programas, dando sempre ênfase ao bom conteúdo, que eu
me criei como profissional da comunicação, tendo tido a oportunidade de
aprender bastante com tudo aquilo.
Comecei como repórter esportivo, função
que exerci até 1982. Tirei férias de colegas do departamento de jornalismo e da
discoteca. Como sempre gostei de aprender cada vez mais, não tinha o menor
problema de trabalhar na edição de áudios para os programas de esporte, ou se
fosse preciso, também de comerciais, pois havia trabalhado como operador de
áudio na Rádio Clube de Santarém.
Quase tudo que sei
fazer no rádio, aprendi na Rádio Rural, emissora cuja relevância na
transformação da sociedade santarena é inegável. Mas, sua importância não se
restringe a Santarém, pois através do Movimento de Educação de Base, que existiu
antes, e depois, concomitantemente com o Mobral, tirou da escuridão do
analfabetismo milhares de caboclos, da várzea e do planalto, tendo levado até
eles a luz das letras da alfabetização. Isso não tem preço. E é por tudo isso
que eu tenho muito orgulho de fazer parte dessa história. Parabéns, Rádio Rural
de Santarém, pelos 50 anos de profícua existência.
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