domingo, julho 06, 2014

Faço parte da história de meio século da Rádio Rural, com muito orgulho

Jota Parente - Afirmo, do fundo do coração, que sinto imenso orgulho de ter investido importantes quatorze anos de minha vida, entre idas e vindas, como integrante da Rádio Emissora de Educação Rural, ou apenas Rádio Rural de Santarém. Ingressei no dia 1º de agosto de 1971, depois de passar no teste do qual participaram dezenas de jovens, tendo sido aprovados apenas dois, eu e o saudoso colega de trabalho Jota Nogueira.
Ao final de um período de experiência de trinta dias, o mestre Osmar Simões optou por Nogueira, para profunda tristeza minha, que poucos dias depois fui convidado pelo então comentarista José Veiga dos Santos, mais um Jota do rádio santareno, o Jota Veiga, botafoguense de quatro costados, irmão de alguém que viria a ser um grande amigo dali a pouco tempo, João Veiga dos Santos, pai do vereador Peninha. O motivo da preferência por Jota Nogueira foi mais do que justificado: ele era dono de uma voz grande, podendo ser aproveitado, também, para fazer outros programas além do esporte.
Fui para a Rádio Clube de Santarém, também conhecida como escolinha, mordido. Naquele tempo contava muito para se conseguir um lugar no rádio ser dono de  uma voz grave. E Nogueira tinha um grave respeitado, enquanto tinha uma voz muito acanhada, considerada fina, ou muito mais aguda do que a do meu colega, embora eu fosse muito mais atualizado a respeito de tudo que acontecia no mundo dos esportes. Dei um baile em todos os concorrentes nos testes, inclusive no Jota Nogueira.
Mesmo dispondo de pouquíssimos recursos na Rádio Clube, eu dei o sangue para mostrar serviço e ser notado pela Rádio Rural. E a oportunidade que eu precisava caiu no meu colo no começo do mês de outubro daquele ano de 1971. O Fast Club, de Manaus, que na época tinha um timaço do qual fazia parte o monte-alegrense Afonso de Almeida Lins, craque de bola que havia feito muito sucesso jogando pelo São Francisco de Santarém estava retornado de Belém, onde derrotara o Paysandu, tendo um amistoso acertado para Santarém, no velho estádio Elinaldo Barbosa.
A Rádio Rural tinha tudo, e a gente tinha quase nada. Então, como descobri que havia dois narradores esportivos na delegação, o Raimundo Nonato Nascimento, da Rádio Rio Mar e o Carlos de Carvalho, da Rádio Difusora do Amazonas, procurei os dois e humildemente roguei que eles transmitissem o jogo para nós. E para minha grande felicidade, depois de olharem para aquele moleque aprendiz de radialista, com cara de garoto e muito magro, talvez por causa do meu atrevimento, eles toparam de cara. Na ocasião, Leal di Sousa, que era o diretor a Rádio Clube, gravou uma chamada imediatamente, e colou até carro de propaganda volante para rodas pelas ruas da cidade,  a respeito da transmissão inédita. À noite a Rádio Clube fez eco no estádio, para desespero dos integrantes da equipe esportiva d Rural e de sua direção.
A informação a respeito do mentor intelectual e executor daquela ação vazou, e poucos dias depois eu fui chamado pelo gerente da Rádio Rural, Haroldo de Almeida Sena, que me perguntou se eu gostaria de trabalhar na emissora. Claro que minha resposta foi sim, pois o sonho de todo jovem que sonhava trabalhar no Rádio, em Santarém, pensava logo na Rádio Rural. Como meu vínculo com a Rádio Clube era informal, mudei-me no dia seguinte.

 Pelo fato de ter me esforçado sempre para aprender o máximo que pudesse a respeito da profissão que abracei, não demorou para que eu fosse chamado, ora para cobrir férias de algum colega do respeitadíssimo departamento de jornalismo, vez por outra cobrindo a ausência da MDR, na discoteca, cumulativamente com meu trabalho na equipe de esportes, onde durante muito tempo produzi e apresentei três programas diários, até chegar ao comando da programação da emissora.
Existem coisas na vida das quais a gente nunca esquece por terem sido profundamente marcantes. Com referência à Rádio Rural posso citar algumas. A audiência maciça da emissora, que fazia eco pela cidade em dados momentos, como na transmissão dos embates entre São Raimundo e São Francisco nas tardes de domingo e o Jornal da Noite, de segunda a sexta, às nove horas da noite. Especialmente esses dois faziam eco na cidade.
Marcou-nos muito, a mim e a todos aqueles que fizeram parte daquele time, no período considerado áureo da Rádio Rural de Santarém, no qual se destacaram nomes como Edinaldo Mota, Santino Soares, Edmar Rosa, Cláudio Serique, Eriberto Santos, Manuel Dutra, José Azevedo, Valter Pinheiro, Osmar Simões, Dário Tavares, Habib Bechara, Lamberto de Carvalho, Miracildo Correa, Osvaldo de Andrade, Bena Santana, Oti Santos, Campos Filho, Silvério Rodrigues, Edgar Silva, Clenildo Vasconcelos, Silvério Rodrigues, Leal di Sousa, Manolo Santos, Ray Marinho, Raifran, Conceição Castro, Anadir Brito, Eduardo Augusto dos Anjos, Sampaio Brelaz, Bena Lago, Natalino Sousa... Certamente cometerei injustiça, porque não há como lembrar de todos.
Foi na Rádio Rural que tive oportunidade de trabalhar em jogos para mim inesquecíveis, como por exemplo, quando o meu Botafogo veio a Santarém com um time de respeito, no qual brilhavam estrelas como Marinho Chagas, que foi titular da seleção na copa de 1974, o goleiro Ubirajara, o primeiro do Brasil a fazer um gol com bola rolando, quando ainda era do Flamengo, Miranda, Osmar Guarneli e Carbone.
Mané Garrincha, o fenomenal driblador que encantou o mundo com suas pernas tortas, que foi o motivo de passar a torcer pelo Glorioso de General Severiano, com o qual tive a imensa felicidade de conviver de perto por algumas horas, entrevistando-o no Hotel Modelo. Só foi possível porque eu estava na hora certa e no lugar certo, como repórter da Rádio Rural. Fiz uma entrevista, mais um depoimento do que uma entrevista, com Mané, de mais de uma hora de duração. Na época, ele viajava pelo Brasil fazendo apresentações em cidades de pequeno e médio porte, já com mais de 40 anos.
Foram anos de muita atividade, muita alegria por aquilo que a gente fazia, mas, também de muitos sobressaltos por causa da ditadura militar, que suprimiu grande parte dos direitos constitucionais do cidadão brasileiro. A pressão sobre a direção da Rádio Rural, exercida pela Política Federal, era muito grande. Os tempos mais duros foram os chamados os anos de chumbo, considerado o período mais repressivo e truculento da ditadura militar no Brasil, que se estenderam, basicamente, do fim de 1968, com a edição do AI-5 em 13 de dezembro daquele ano, até o final do governo Médici, em março de 1974.
Isso não quer dizer que o nosso trabalho na Rádio Rural ficou mais fácil, pois no governo do general Ernesto Geisel a censura continuou agindo com sua mão pesada sobre as emissoras. E a mão foi sempre muito mais pesada sobre quem ousava desafiar os donos do poder. Nossa emissora sofreu muita pressão. Quando o delegado da Polícia Federal não tinha muita coisa para fazer, mandava chamar o gerente para da uma pressionada por qualquer motivo, ou sem motivo.
Durante toda essa longa e dura travessia, tivemos como suporte um homem corajoso, que não se curvou nunca aos caprichos da ditadura. Era D. Tiago Ryan, que nas homilias das missas que celebrava na frente da catedral de N. Srª da Conceição tinha a coragem de denunciar arbitrariedades praticadas por policias ou por políticos. Como se tratava de um cidadão americano, ele tinha as costas quentes, pois veio dos Estados Unidos incondicional apoio ao golpe militar de 1964, e por isso ninguém tinha coragem de mexer com ele. D. Tiago, que foi o grande responsável pela criação da Rádio Rural, tinha especial carinho pela emissora.
Assumiu a gerência após a morte de Haroldo Sena, Manuel Dutra, que enfrentou uma barra muito pesada por causa da censura. Jornalista competente e homem corajoso, no qual seus subordinados se espelhavam, Dutra carregou aquele pesado fardo com muita determinação, sem jamais permitir que aquela pressão interferisse no ânimo de sua equipe de trabalho.
Foi naquele ambiente, cercado por uma direção corajosa e competente, e fazendo parte de uma equipe composta por colegas que travavam uma salutar concorrência interna para ver quem produzia e apresentava os melhores programas, dando sempre ênfase ao bom conteúdo, que eu me criei como profissional da comunicação, tendo tido a oportunidade de aprender bastante com tudo aquilo.
Comecei como repórter esportivo, função que exerci até 1982. Tirei férias de colegas do departamento de jornalismo e da discoteca. Como sempre gostei de aprender cada vez mais, não tinha o menor problema de trabalhar na edição de áudios para os programas de esporte, ou se fosse preciso, também de comerciais, pois havia trabalhado como operador de áudio na Rádio Clube de Santarém.
Quase tudo que sei fazer no rádio, aprendi na Rádio Rural, emissora cuja relevância na transformação da sociedade santarena é inegável. Mas, sua importância não se restringe a Santarém, pois através do Movimento de Educação de Base, que existiu antes, e depois, concomitantemente com o Mobral, tirou da escuridão do analfabetismo milhares de caboclos, da várzea e do planalto, tendo levado até eles a luz das letras da alfabetização. Isso não tem preço. E é por tudo isso que eu tenho muito orgulho de fazer parte dessa história. Parabéns, Rádio Rural de Santarém, pelos 50 anos de profícua existência.

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