Amélia Ayako Kamogari de Araújo, ou, simplesmente
Drª Amélia, conceituada médica pediatra que atua há 27 anos em Itaituba, nasceu
na cidade de Assaí, na região metropolitana de Londrina, no estado do Paraná, no
dia 30 de maio de 1955. Um resumo da história de vida dessa dedicada
profissional da área da saúde está em destaque nesta edição do Jornal do
Comércio.
JC – Nomes dos seus pais...
Drª Amélia – Papai era Kameyoshi Kamogari e
mamãe chamava-se Tamiko Kamogari.
JC – Quantos irmãos?
Drª Amélia – Somos cinco mulheres e dois
homens, sete irmãos ao todo.
JC – A senhora é casada e tem
quantos filhos?
Drª Amélia – Sou casada com o médico Francisco
Lício de Araújo e temos dois filhos. Francisco Kazuyoshi Kamogari de Araújo e
Lício Eiji Kamogari de Araújo.
JC – Qual era o trabalho de seus
pais?
Drª Amélia – Meus pais eram agricultores e não
tinham muitas condições. Papai era sócio e diretor da Cooperativa Agrícola de
Cotia. Meu pai cultivava soja e trigo, e mais tarde passou a cultivar cenoura,
que foi uma cultura que melhorou bastante o rendimento da família. Ele também
cultivou tomate, pimentão e repolho. Até hoje os meus irmãos trabalham na
agricultura, produzindo cenoura e beterraba, além de soja e trigo. Já minha mãe
cuidava mais da casa.
JC – Seus pais nasceram no Japão,
ou no Brasil?
Drª Amélia – Tanto papai quanto mamãe vieram
do Japão. Ele ficou órfão cedo. Aos vinte anos já não tinha nem pai, nem mãe.
Eram ele e mais três irmãos. Meu pai teve sempre em mente a importância dos
estudos. Tanto que quando a gente chegou à idade escolar, ele comprou uma casa
na cidade (morávamos no sítio) para que pudéssemos frequentar as aulas. Quando
isso aconteceu, eu tinha entre cinco e seis anos. E mesmo com dificuldades,
papai e mamãe formaram todos os filhos. Meus dois irmãos que trabalharam na
agricultura são engenheiros agrônomos; tenho uma irmã que é enfermeira, uma fez
serviço social e outra, que hoje é professora aposentada, trabalhou sempre com
crianças especiais.
JC – Como foi a vida enquanto
esteve em Assaí?
Drª Amélia – Lá eu fiz o curso primário, o
ginásio e o colegial, sempre em escola pública. Depois de concluir, eu fiz
vestibular para medicina na Universidade de Londrina e fui aprovada. Eu ia
diariamente de Assaí para Londrina, de ônibus ou de van para frequentar as
aulas do meu curso, cerca de 50 km de distância. Saía por volta das seis horas
da manhã e chegava de volta às sete ou às oito horas da noite. Era uma jornada
terrível.
JC – E depois que concluiu a
faculdade?
Drª Amélia – Terminei a faculdade em 1979 e
fiz residência médica em pediatria, no Hospital Regional Norte do Paraná, que
faz parte da Universidade de Londrina. Terminado o período da residência eu
voltei para minha cidade, onde fiquei clinicando durante cinco anos, no
Hospital São José.
JC – Como Itaituba entrou na sua
vida?
Drª Amélia - O Dr. Luiz Minamihara, que se
formou em São Paulo e trabalhou em Santos, foi trabalhar durante cerca um ano
no hospital São José, em Assaí. Ele recebeu convite do Dr. Guilherme para vir
para cá. E veio. Depois que ele estava aqui há uns dois anos e meio ele me fez
alguns convites e eu acabei vindo para Itaituba.
JC – Quando o Dr. Luiz chegou a
Itaituba, já existia o Hospital Menino Jesus?
Drª Amélia – Não. O Dr. Francisco e o Dr.
Benigno estavam em um hospital chamado Miguel Nogueira, se não me engano, que
ficava na Rua Hugo de Mendonça. Como o dono pediu o prédio, eles vieram para
cá. Nesse tempo o Dr. Luiz trabalhava só, e foi então que começou a ser
construído o Hospital Menino Jesus. Quando eu cheguei, o hospital era a metade
do que é agora. Cheguei a Itaituba exatamente no dia 1º de abril de 1987, junto
com o Dr. Nilton Kuia, que também é de Assaí. Eu me lembro que vim naquele
avião pequeno da TABA. Conheci o hospital e resolvi ficar, mesmo porque eu
trabalhava em sociedade no hospital São José, e a sociedade estava se
desfazendo. Pediram para que eu ficasse, mas, eu não quis.
JC – Quando a senhora chegou,
havia algum pediatra na cidade?
Drª Amélia – Sim. Já estavam aqui, o Dr.
Botelho e o Dr. João Bosco, que também fazia pediatria.
JC – Quanto tempo depois de sua
chegada, casou com o Dr. Francisco?
Drª Amélia – Quase sete meses depois.
Cheguei no começo de abril e casei no final de outubro.
JC – Em 1987,
Itaituba vivia um período de grande movimento por causa da febre do ouro. Muito
dinheiro, muita violência, no verão só poeira, e no inverno, lama por todos os
lados. Qual foi o impacto daquela situação para a senhora?
Drª Amélia – Olha, com toda a sinceridade,
não foi um impacto assim tão grande, porque eu fui criada na zona rural, onde
lama e buraqueira era coisa corriqueira. Eu morava em uma cidade de vinte e
dois mil habitantes e eu lembro muito bem que na época em que eu ia para a
escola, enfrentava lama ou poeira, dependendo da época. Quando eu vim para
Itaituba, já havia asfalto em ruas de Assaí. Já estava melhorando. O maior
impacto que senti foi o clima. Achei a cidade muito quente, muito abafada. E
uma dificuldade que Itaituba tinha naquele tempo era a falta de energia a maior
parte do tempo. Quase todo mundo tinha um motor de luz, e por conta disso o
barulho era insuportável. Aquilo me incomodava muito.
Para trabalhar eu achei melhor
Itaituba, porque eu trabalhava em uma cidade pequena, onde eu exercia a pediatria,
mas, uma ou duas vezes por semana eu tinha que dar plantão como clínica geral.
Era gente acidentada, gente com braço quebrado. Eu também fazia Raios X lá. A
gente tinha de fazer de tudo um pouco. E quando eu cheguei aqui eu passei a
trabalhar somente na pediatria. Uma diferença muito grande que eu senti foi nas
condições de atendimento, pois aqui elas eram muito poucas.
JC – No começo, a senhora andava
pouco pela cidade.
Drª Amélia – De fato eu andava pouco. Passei
um tempão para descobrir que a Travessa 13 de Maio ligava a Cidade Alta ao
Centro, porque saía de carro, sempre com o Dr. Luiz, que dava tanta volta, que
eu não sabia por onde estava andando. Só quando o Dr. Benigno assumiu como
prefeito, tendo ele dado prioridade ao asfaltamento da 13 de Maio, em 1990, foi
que eu fui descobrir que o Centro não era tão longe. Tinha tantas poças de água
na cidade, que os motoristas precisavam ir desviando por onde fosse menos ruim.
Eu lembro bem que foi em 1990, porque foi o ano em que o meu filho nasceu e a
mamãe estava aqui e ela falava desse começo de asfaltamento.
JC – Na edição 168, o Dr. Ivan
foi entrevistado pelo Jornal do Comércio. Naquela ocasião ele falou das
dificuldades que enfrentou durante alguns anos, tendo chegado a pensar em ir
embora. Fale um pouco mais do que a senhora viveu naquele tempo.
Drª Amélia – Nós enfrentamos muitas
dificuldades, muitas limitações, porque a gente tinha que clinicar, sem poder
dispor de muitos exames. Tinha-se que usar basicamente o conhecimento. No
tocante à pediatria o maior problema que eu enfrentei foi a falta de exames.
Mas, de certa forma eu já tinha experiência nisso, pois depois que eu terminei
meu período de residência, fui trabalhar em uma cidade pequena, que era a minha
cidade, onde a gente também precisava superar certas deficiências. Aqui,
tínhamos que encaminhar muitas crianças para Santarém, simplesmente por não
dispormos de muitos exames para fazer um diagnóstico certo.
JC – Quando a senhora chegou,
quais foram os principais problemas de saúde que encontrou nas crianças de
Itaituba?
Drª Amélia – Havia muitas crianças com
diarreia, muita gripe e bastante casos de pneumonia. E eu deduzi que um dos
principais problemas era a alimentação. A taxa de mortalidade infantil era um
pouco alta e existiam muitas crianças desnutridas. Também tive dificuldades com
a linguagem. Foi um impacto para mim, porque naquele tempo usavam-se muitos
termos que eu não compreendia. Um dia uma mãe me disse que seu filho estava
“alojando” muito. Eu fiquei sem saber o que ela queria dizer. Estiquei a
conversa até compreender que o verbo alojar para ela queria dizer vomitar.
JC – Sofreu alguma ameaça?
Drª Amélia – Não, eu nunca sofri nenhum tipo
de ameaça. O que vi foram muitos casos de pais que demoravam demais para
procurar ajuda médica quando o filho adoecia. Houve uma situação em que uma
mulher trouxe uma criança muito desnutrida. Desidratada ao extremo. Eu estava
de saída para o almoço, mas, quando vi o estado da criança, voltei para
atender. De cara constatei que o caso era de muita gravidade. Eu perguntei
porque ela tinha demorado tanto e desde quando a criança estava doente. Ela me
respondeu que a criança tinha passado a noite toda com diarreia. Sujou tantos
panos, que ela me disse que, primeiro, resolveu lavar toda a roupa da criança
para poder leva-la para o hospital. A senhora não podia ter feito isso, disse
para ela.
Eu tratei de internar a criança,
imediatamente, mas disse para a mãe, que o estado dela era muito grave, e que
eu não podia garantir nada, porque eu não sabia se ela reagiria ao tratamento.
Infelizmente, meia hora depois a criança veio a óbito, num caso que poderia ter
sido tranquilamente revertido, se a mãe tivesse ido logo atrás de ajuda médica.
A mãe não fez aquilo por maldade, mas, por pura ignorância.
JC – A senhora tem participado de
um projeto de pesquisas na região do Tapajós, junto com a UFPA. Fale um pouco
sobre isso.
Drª Amélia – No ano de 2002, com a morte do
então prefeito Wirland Freire, o Dr. Benigno assumiu a Prefeitura, e eu fui
convidada e aceitar assumir a secretária de saúde. Nesse período eu conheci a
Drª Conceição, da Universidade Federal do Pará, que já estava executando
trabalhos de pesquisas bem antes de 2002. Quando eu a conheci, a secretaria de
saúde deu muito apoio a ela para a realização das pesquisas. Por causa disso,
ela ofereceu o curso de especialização em Doenças Tropicais para profissionais
de saúde de nível superior daqui da região.
Fizemos
o curso com cerca de 40 pessoas, e no final, eu e mais algumas pessoas,
formamos uma equipe e fizemos um trabalho de finalização do curso a respeito
dos efeitos do mercúrio no Tapajós. Desde então eu venho acompanhando a Drª
Conceição, todas as vezes que ela vem aqui, nas localidades de São Luiz do
Tapajós e Barreiras. Ela vem uma ou duas vezes por ano, e eu sempre a
acompanho. Toda vez que ela vem, faz palestra nas comunidades, a respeito dos
efeitos do mercúrio, é feita prevenção de câncer do colo uterino, vindo uma
equipe grande da UFPA, com bioquímico, técnicos de enfermagem, técnicos de
laboratório, faz os exames e depois entrega os resultados. Vale registrar que
assim como no governo do Dr. Benigno a gente deu apoio para a realização do
curso, no governo do ex-prefeito Roselito Soares ele deu continuidade a esse
apoio.
JC – Quais foram os resultados
dessa pesquisa sobre o mercúrio?
Drª Amélia – Nos primeiros trabalhos que ela
fez, não foram demonstrados muitos efeitos a respeito de prejuízos para as
comunidades. Com tanta orientação que foi passada, o pessoal foi diminuindo o
consumo diário de peixe, que era uma fonte de contaminação por mercúrio. Não
foi detectado nenhum paciente grave. Os índices de mercúrio estavam elevados,
mas, dentro de limites tolerados. A gente sabe que no Japão, na baía de
Minamata os índices eram de 400 mg/kg a 700 mg/kg, e o que se tem visto aqui é
de 20 mg/kg a 30 mg/kg, sendo que os valores normais são abaixo de 1 mg/kg,
segundo a Organização Mundial de Saúde.
JC – O que a senhora considera
como um dos principais problemas na área de saúde, atualmente, em Itaituba?
Drª Amélia - O povo é muito carente de especialistas. Eu
não entendo como uma cidade do tamanho da nossa não tem especialistas em
algumas áreas. A gente sente muita falta do Dr. Luiz, por exemplo, ortopedista,
que também é um ótimo cirurgião geral, ótimo cirurgião ortopédico. Teve alguns
problemas, mas, no geral ele acertou. O Dr. Luiz chegou a fazer uma cirurgia em
um bebê de seis meses, que a gente não estava conseguindo encaminhar para
Santarém. Ou fazia a cirurgia, ou morria. Ele fez o procedimento cirúrgico, a
criança sobreviveu, depois foi terminar o tratamento em Santarém e ficou boa.
JC – Ser médica foi o que a
senhora sempre quis?
Drª Amélia – Olha, eu estou fazendo o que eu
gosto. Tem dia que a gente se aborrece um pouco, mas, de um modo geral, eu
tenho satisfação com o que faço. Porém, eu só decidi fazer medicina quando
terminei o colegial. Quando eu era criança, a gente morava em frente a um
consultório médico, e o meu pai não queria que a gente escolhesse uma profissão
dessas, porque achava que a teria contato com muitas doenças, mas, quando eu
decidi, ele me deu total apoio. E mesmo chegando perto do tempo da gente se
aposentar, eu penso em diminuir um pouco o ritmo, mas, por enquanto não passa
pela minha cabeça parar.
JC – A senhora se sente bem em
Itaituba, hoje em dia?
Drª Amélia – Eu não vou dizer que foi amor à primeira
vista, porque não foi. Mas, a gente foi se adaptando com o passar do tempo, e
hoje eu faço parte desta comunidade. Meus dois filhos decidiram seguir o
caminho dos pais. O mais velho já está formado, está tentando fazer residência,
está trabalhando lá no Paraná e o segundo está no quinto ano de medicina. O
Kazo quer fazer residência em radiologia e o Eiji parece que quer fazer oftalmologia.
Depois, eles vão decidir se querem vir para cá. Nós não interferimos.
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