segunda-feira, abril 28, 2014

Drª Amélia, uma vida dedicada à pediatria

            Amélia Ayako Kamogari de Araújo, ou, simplesmente Drª Amélia, conceituada médica pediatra que atua há 27 anos em Itaituba, nasceu na cidade de Assaí, na região metropolitana de Londrina, no estado do Paraná, no dia 30 de maio de 1955. Um resumo da história de vida dessa dedicada profissional da área da saúde está em destaque nesta edição do Jornal do Comércio.
JC – Nomes dos seus pais...
Drª Amélia – Papai era Kameyoshi Kamogari e mamãe chamava-se Tamiko Kamogari.
JC – Quantos irmãos?
Drª Amélia – Somos cinco mulheres e dois homens, sete irmãos ao todo.
JC – A senhora é casada e tem quantos filhos?
Drª Amélia – Sou casada com o médico Francisco Lício de Araújo e temos dois filhos. Francisco Kazuyoshi Kamogari de Araújo e Lício Eiji Kamogari de Araújo.
JC – Qual era o trabalho de seus pais?
Drª Amélia – Meus pais eram agricultores e não tinham muitas condições. Papai era sócio e diretor da Cooperativa Agrícola de Cotia. Meu pai cultivava soja e trigo, e mais tarde passou a cultivar cenoura, que foi uma cultura que melhorou bastante o rendimento da família. Ele também cultivou tomate, pimentão e repolho. Até hoje os meus irmãos trabalham na agricultura, produzindo cenoura e beterraba, além de soja e trigo. Já minha mãe cuidava mais da casa.
JC – Seus pais nasceram no Japão, ou no Brasil?
Drª Amélia – Tanto papai quanto mamãe vieram do Japão. Ele ficou órfão cedo. Aos vinte anos já não tinha nem pai, nem mãe. Eram ele e mais três irmãos. Meu pai teve sempre em mente a importância dos estudos. Tanto que quando a gente chegou à idade escolar, ele comprou uma casa na cidade (morávamos no sítio) para que pudéssemos frequentar as aulas. Quando isso aconteceu, eu tinha entre cinco e seis anos. E mesmo com dificuldades, papai e mamãe formaram todos os filhos. Meus dois irmãos que trabalharam na agricultura são engenheiros agrônomos; tenho uma irmã que é enfermeira, uma fez serviço social e outra, que hoje é professora aposentada, trabalhou sempre com crianças especiais.
JC – Como foi a vida enquanto esteve em Assaí?
Drª Amélia – Lá eu fiz o curso primário, o ginásio e o colegial, sempre em escola pública. Depois de concluir, eu fiz vestibular para medicina na Universidade de Londrina e fui aprovada. Eu ia diariamente de Assaí para Londrina, de ônibus ou de van para frequentar as aulas do meu curso, cerca de 50 km de distância. Saía por volta das seis horas da manhã e chegava de volta às sete ou às oito horas da noite. Era uma jornada terrível.
JC – E depois que concluiu a faculdade?
Drª Amélia – Terminei a faculdade em 1979 e fiz residência médica em pediatria, no Hospital Regional Norte do Paraná, que faz parte da Universidade de Londrina. Terminado o período da residência eu voltei para minha cidade, onde fiquei clinicando durante cinco anos, no Hospital São José.
JC – Como Itaituba entrou na sua vida?
Drª Amélia - O Dr. Luiz Minamihara, que se formou em São Paulo e trabalhou em Santos, foi trabalhar durante cerca um ano no hospital São José, em Assaí. Ele recebeu convite do Dr. Guilherme para vir para cá. E veio. Depois que ele estava aqui há uns dois anos e meio ele me fez alguns convites e eu acabei vindo para Itaituba.
JC – Quando o Dr. Luiz chegou a Itaituba, já existia o Hospital Menino Jesus?
Drª Amélia – Não. O Dr. Francisco e o Dr. Benigno estavam em um hospital chamado Miguel Nogueira, se não me engano, que ficava na Rua Hugo de Mendonça. Como o dono pediu o prédio, eles vieram para cá. Nesse tempo o Dr. Luiz trabalhava só, e foi então que começou a ser construído o Hospital Menino Jesus. Quando eu cheguei, o hospital era a metade do que é agora. Cheguei a Itaituba exatamente no dia 1º de abril de 1987, junto com o Dr. Nilton Kuia, que também é de Assaí. Eu me lembro que vim naquele avião pequeno da TABA. Conheci o hospital e resolvi ficar, mesmo porque eu trabalhava em sociedade no hospital São José, e a sociedade estava se desfazendo. Pediram para que eu ficasse, mas, eu não quis.
JC – Quando a senhora chegou, havia algum pediatra na cidade?
Drª Amélia – Sim. Já estavam aqui, o Dr. Botelho e o Dr. João Bosco, que também fazia pediatria.
JC – Quanto tempo depois de sua chegada, casou com o Dr. Francisco?
Drª Amélia – Quase sete meses depois. Cheguei no começo de abril e casei no final de outubro.
JC – Em 1987, Itaituba vivia um período de grande movimento por causa da febre do ouro. Muito dinheiro, muita violência, no verão só poeira, e no inverno, lama por todos os lados. Qual foi o impacto daquela situação para a senhora?
Drª Amélia – Olha, com toda a sinceridade, não foi um impacto assim tão grande, porque eu fui criada na zona rural, onde lama e buraqueira era coisa corriqueira. Eu morava em uma cidade de vinte e dois mil habitantes e eu lembro muito bem que na época em que eu ia para a escola, enfrentava lama ou poeira, dependendo da época. Quando eu vim para Itaituba, já havia asfalto em ruas de Assaí. Já estava melhorando. O maior impacto que senti foi o clima. Achei a cidade muito quente, muito abafada. E uma dificuldade que Itaituba tinha naquele tempo era a falta de energia a maior parte do tempo. Quase todo mundo tinha um motor de luz, e por conta disso o barulho era insuportável. Aquilo me incomodava muito.
            Para trabalhar eu achei melhor Itaituba, porque eu trabalhava em uma cidade pequena, onde eu exercia a pediatria, mas, uma ou duas vezes por semana eu tinha que dar plantão como clínica geral. Era gente acidentada, gente com braço quebrado. Eu também fazia Raios X lá. A gente tinha de fazer de tudo um pouco. E quando eu cheguei aqui eu passei a trabalhar somente na pediatria. Uma diferença muito grande que eu senti foi nas condições de atendimento, pois aqui elas eram muito poucas.
JC – No começo, a senhora andava pouco pela cidade.
Drª Amélia – De fato eu andava pouco. Passei um tempão para descobrir que a Travessa 13 de Maio ligava a Cidade Alta ao Centro, porque saía de carro, sempre com o Dr. Luiz, que dava tanta volta, que eu não sabia por onde estava andando. Só quando o Dr. Benigno assumiu como prefeito, tendo ele dado prioridade ao asfaltamento da 13 de Maio, em 1990, foi que eu fui descobrir que o Centro não era tão longe. Tinha tantas poças de água na cidade, que os motoristas precisavam ir desviando por onde fosse menos ruim. Eu lembro bem que foi em 1990, porque foi o ano em que o meu filho nasceu e a mamãe estava aqui e ela falava desse começo de asfaltamento.
JC – Na edição 168, o Dr. Ivan foi entrevistado pelo Jornal do Comércio. Naquela ocasião ele falou das dificuldades que enfrentou durante alguns anos, tendo chegado a pensar em ir embora. Fale um pouco mais do que a senhora viveu naquele tempo.
Drª Amélia – Nós enfrentamos muitas dificuldades, muitas limitações, porque a gente tinha que clinicar, sem poder dispor de muitos exames. Tinha-se que usar basicamente o conhecimento. No tocante à pediatria o maior problema que eu enfrentei foi a falta de exames. Mas, de certa forma eu já tinha experiência nisso, pois depois que eu terminei meu período de residência, fui trabalhar em uma cidade pequena, que era a minha cidade, onde a gente também precisava superar certas deficiências. Aqui, tínhamos que encaminhar muitas crianças para Santarém, simplesmente por não dispormos de muitos exames para fazer um diagnóstico certo.
JC – Quando a senhora chegou, quais foram os principais problemas de saúde que encontrou nas crianças de Itaituba?
Drª Amélia – Havia muitas crianças com diarreia, muita gripe e bastante casos de pneumonia. E eu deduzi que um dos principais problemas era a alimentação. A taxa de mortalidade infantil era um pouco alta e existiam muitas crianças desnutridas. Também tive dificuldades com a linguagem. Foi um impacto para mim, porque naquele tempo usavam-se muitos termos que eu não compreendia. Um dia uma mãe me disse que seu filho estava “alojando” muito. Eu fiquei sem saber o que ela queria dizer. Estiquei a conversa até compreender que o verbo alojar para ela queria dizer vomitar.
JC – Sofreu alguma ameaça?
Drª Amélia – Não, eu nunca sofri nenhum tipo de ameaça. O que vi foram muitos casos de pais que demoravam demais para procurar ajuda médica quando o filho adoecia. Houve uma situação em que uma mulher trouxe uma criança muito desnutrida. Desidratada ao extremo. Eu estava de saída para o almoço, mas, quando vi o estado da criança, voltei para atender. De cara constatei que o caso era de muita gravidade. Eu perguntei porque ela tinha demorado tanto e desde quando a criança estava doente. Ela me respondeu que a criança tinha passado a noite toda com diarreia. Sujou tantos panos, que ela me disse que, primeiro, resolveu lavar toda a roupa da criança para poder leva-la para o hospital. A senhora não podia ter feito isso, disse para ela.
            Eu tratei de internar a criança, imediatamente, mas disse para a mãe, que o estado dela era muito grave, e que eu não podia garantir nada, porque eu não sabia se ela reagiria ao tratamento. Infelizmente, meia hora depois a criança veio a óbito, num caso que poderia ter sido tranquilamente revertido, se a mãe tivesse ido logo atrás de ajuda médica. A mãe não fez aquilo por maldade, mas, por pura ignorância.
JC – A senhora tem participado de um projeto de pesquisas na região do Tapajós, junto com a UFPA. Fale um pouco sobre isso.
Drª Amélia – No ano de 2002, com a morte do então prefeito Wirland Freire, o Dr. Benigno assumiu a Prefeitura, e eu fui convidada e aceitar assumir a secretária de saúde. Nesse período eu conheci a Drª Conceição, da Universidade Federal do Pará, que já estava executando trabalhos de pesquisas bem antes de 2002. Quando eu a conheci, a secretaria de saúde deu muito apoio a ela para a realização das pesquisas. Por causa disso, ela ofereceu o curso de especialização em Doenças Tropicais para profissionais de saúde de nível superior daqui da região.
Fizemos o curso com cerca de 40 pessoas, e no final, eu e mais algumas pessoas, formamos uma equipe e fizemos um trabalho de finalização do curso a respeito dos efeitos do mercúrio no Tapajós. Desde então eu venho acompanhando a Drª Conceição, todas as vezes que ela vem aqui, nas localidades de São Luiz do Tapajós e Barreiras. Ela vem uma ou duas vezes por ano, e eu sempre a acompanho. Toda vez que ela vem, faz palestra nas comunidades, a respeito dos efeitos do mercúrio, é feita prevenção de câncer do colo uterino, vindo uma equipe grande da UFPA, com bioquímico, técnicos de enfermagem, técnicos de laboratório, faz os exames e depois entrega os resultados. Vale registrar que assim como no governo do Dr. Benigno a gente deu apoio para a realização do curso, no governo do ex-prefeito Roselito Soares ele deu continuidade a esse apoio.
JC – Quais foram os resultados dessa pesquisa sobre o mercúrio?
Drª Amélia – Nos primeiros trabalhos que ela fez, não foram demonstrados muitos efeitos a respeito de prejuízos para as comunidades. Com tanta orientação que foi passada, o pessoal foi diminuindo o consumo diário de peixe, que era uma fonte de contaminação por mercúrio. Não foi detectado nenhum paciente grave. Os índices de mercúrio estavam elevados, mas, dentro de limites tolerados. A gente sabe que no Japão, na baía de Minamata os índices eram de 400 mg/kg a 700 mg/kg, e o que se tem visto aqui é de 20 mg/kg a 30 mg/kg, sendo que os valores normais são abaixo de 1 mg/kg, segundo a Organização Mundial de Saúde.
JC – O que a senhora considera como um dos principais problemas na área de saúde, atualmente, em Itaituba?
Drª Amélia -  O povo é muito carente de especialistas. Eu não entendo como uma cidade do tamanho da nossa não tem especialistas em algumas áreas. A gente sente muita falta do Dr. Luiz, por exemplo, ortopedista, que também é um ótimo cirurgião geral, ótimo cirurgião ortopédico. Teve alguns problemas, mas, no geral ele acertou. O Dr. Luiz chegou a fazer uma cirurgia em um bebê de seis meses, que a gente não estava conseguindo encaminhar para Santarém. Ou fazia a cirurgia, ou morria. Ele fez o procedimento cirúrgico, a criança sobreviveu, depois foi terminar o tratamento em Santarém e ficou boa.
JC – Ser médica foi o que a senhora sempre quis?
Drª Amélia – Olha, eu estou fazendo o que eu gosto. Tem dia que a gente se aborrece um pouco, mas, de um modo geral, eu tenho satisfação com o que faço. Porém, eu só decidi fazer medicina quando terminei o colegial. Quando eu era criança, a gente morava em frente a um consultório médico, e o meu pai não queria que a gente escolhesse uma profissão dessas, porque achava que a teria contato com muitas doenças, mas, quando eu decidi, ele me deu total apoio. E mesmo chegando perto do tempo da gente se aposentar, eu penso em diminuir um pouco o ritmo, mas, por enquanto não passa pela minha cabeça parar.
JC – A senhora se sente bem em Itaituba, hoje em dia?
Drª Amélia – Eu não vou dizer que foi amor à primeira vista, porque não foi. Mas, a gente foi se adaptando com o passar do tempo, e hoje eu faço parte desta comunidade. Meus dois filhos decidiram seguir o caminho dos pais. O mais velho já está formado, está tentando fazer residência, está trabalhando lá no Paraná e o segundo está no quinto ano de medicina. O Kazo quer fazer residência em radiologia e o Eiji parece que quer fazer oftalmologia. Depois, eles vão decidir se querem vir para cá. Nós não interferimos.

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