Na década de 1980, Itaituba (a 890
quilômetros de Belém) era uma espécie de Dodge City brasileira - muito ouro e
uma lei de artigo único: calibre 38. Calcula-se que, por baixo, havia coisa de
120 mil garimpeiros embruacados floresta adentro. Circulava pelo mapa local
cerca de 3,5 toneladas de ouro por mês. A cidade vivia um orgasmo permanente e
ganhar dinheiro era tão fácil quanto morrer. O improvisado aeroporto da cidade
chegou a contabilizar 382 pousos num único dia - metade do fluxo atual de
Congonhas (SP).
Responsáveis por manter toda aquela
doideira em movimento, os pilotos eram os que mais lucravam. "Costumava
viajar com um saco cheio de dinheiro", lembra o piloto Clinger Borges do
Vale, que chegou a transportar, em seu monomotor, artistas do naipe de Agnaldo
Timóteo e Raul Seixas nas turnês pelos garimpos. Os donos dos aviões eram
sempre garimpeiros para quem a sorte lhes estampara sorriso de ouro. Foi o caso
de Zé Arara, um piauiense analfabeto dono de uma quinzena de aviões, entre eles
um Lear Jet que usava para ir pessoalmente, manhã cedinho, à sua Parnaíba natal
comprar a carne-de-sol que comeria no almoço, na volta a Itaituba. Outro que
voou para Zé Arara foi o lendário comandante Rogério Maconha.
Bem, agora não é boa hora para
lembranças. O monomotor pilotado por Luís Feltrin está para fazer sua primeira
parada e é preciso atenção. A pista aparece apenas quando já se está em cima
dela. Tanto essa como a maioria só têm uma estrada para pouso, o que complica
se o vento for de cauda. A descida até que não foi das piores. Parte da carga é
rapidamente descarregada e seguirá seu trajeto no "jegue". Jegue,
entenda-se, é um veículo tradicional dos garimpos, feito de um motor diesel e
alguma carcaça disponível. É bem feio, mas é capaz de rodar três dias com cinco
litros desse combustível - e isso, ali, o pessoal acha bem bonito. Primeira
remessa entregue, hora de levantar voo - e mais alguns apuros - até as paradas
seguintes.
Antes do GPS, a aviação de garimpo
era praticamente uma roleta-russa. Sobrevivia-se na sorte. "Um dia,
prestes a levantar voo, assisti à chegada de cinco corpos de pilotos mortos na
véspera", relembra, no ar, Feltrin. É verdade que, com tanto dinheiro em
circulação, ninguém gostava de perder tempo fazendo manutenção de avião ou de
pista. Usavam-se clareiras mínimas, de cerca de 200 metros, até em curvas ou em
subidas. Nada disso, no entanto, importava - a coisa era a grana.
A situação, hoje, é a que
conhecemos. Com a queda da euforia, vários pilotos abandonaram a região. Uns
foram parar na aviação comercial ou executiva. Outros, procurando manter o
padrão de vida conquistado no auge do garimpo, partiram em busca de um novo
Eldorado - o "ouro branco" da Colômbia. Os que ainda insistem em permanecer
voando pelo garimpo o fazem por alguma paixão sobrevivente.
"Além de saber quem são seus
passageiros, aqui você voa e sente o peso do avião na mão", explica
Armando Palla Júnior, que continua resistindo a ofertas de trabalho em
companhias de aviação. Graças a ele e outros persistentes pilotos de garimpo,
Zé do Rifle receberá seus remédios, a boate terá suas meninas, Raimundo Nonato,
sua carta, e o Negão do Curuá será finalmente levado para o hospital que
tentará recolocar para dentro seu bucho escancarado, cortesia do terçado de
Francisco - que vai embarcar no próximo voo para explicar ao delegado o motivo
da briga. Sorte que os monomotores continuam no ar. (Até aqui, reportagem da
Revista Trip, edição 104, intitulada O CHÃO É O LIMITE, produzida no ano de
2004.)
Jornal do Comércio edição 23, de 07/08/2006
- O comandante Luiz Feltrin é hoje uma referência na aviação da região Oeste do
Pará, tanto por sua competência e responsabilidade como piloto, quanto por sua
veia de empreendedor de sucesso, que faz da Jotan uma empresa consolidada,
capaz de merecer Honra ao Mérito da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC),
por não ser constatada nenhuma Não Conformidade. O piloto-empresário conversou
com o Jornal do Comércio, falando de sua vida.
“Em 1977 eu jogava no time juvenil
do Bandeirante de Birigui (SP), quando o senhor José Donar, dono da Oficina
DNA, que fazia manutenção de aviões, inclusive nos daqui da região, me convidou
para jogar no time dele. Ao mesmo tempo, convidou-me para trabalhar na oficina
dele, fazendo anotações de horas de voo e foi assim que eu entrei para a
aviação”, disse Luiz, que não abandonou o futebol de imediato, tendo disputado
o campeonato paulista da segunda divisão, e participado da equipe que subiu
para a primeira divisão em 1979, caindo novamente para a Série B em 1980. Nesse
ano, ele interrompeu a carreira de jogador profissional, porque já tinha feito
o curso de piloto e precisa voar para ganhar experiência.
Luiz Feltrin veio para Itaituba no
auge da movimentação de garimpos. Ele disse que era uma loucura e que ficou
fascinado pelo que viu. Permaneceu apenas 40 dias, voando de copiloto. Retornou
a Birigui porque precisava fazer o curso de piloto comercial, mas voltou para
Itaituba logo que concluiu o curso, no ano de 1983. “Nessa época, todo mundo
ganhava muito dinheiro. Inclusive, eu cheguei a ganhar um quilo de ouro por
mês, de comissão do meu trabalho”.
“Não me arrependo de nada do que
fiz. Gosto de aviação, sou louco por avião; só fiz isso na minha vida depois
que parei de jogar futebol. Trabalhei, guardei meu dinheiro; tive problemas
como qualquer pessoa; passei dificuldades, mas, hoje, graças a Deus estou bem.
Há sete anos parti para a constituição da minha empresa, mudando nosso tipo de
voo. Voava somente para garimpo e mudei para táxi aéreo. Com isso, conseguimos
contratos com órgãos do governo, como Correios, bancos e outros. Embora ainda
voe para garimpo, nosso forte hoje são os contratos”, falou Luiz.
Muitos pilotos ganharam bastante
dinheiro, lembra Luiz, mas, pensavam que não ia acabar e terminaram em situação
difícil. “Tem muitos exemplos. Muitos mesmo. Teve pilotos donos de vários
aviões, que ganharam bastante dinheiro, mas não guardaram. Há o caso de um
amigo nosso, que possuiu três aviões e hoje é mendigo em Goiás”.
Luiz lembra dos descaminhos de
alguns colegas de profissão. “Quando passou o boom do garimpo em Itaituba o
pessoal foi voar em Boa Vista e lá deu para ganhar muito dinheiro. Porém, após
o fechamento dos garimpos de Roraima, como lá é na fronteira, para tentar
manter o alto padrão de vida que tinham, muitos amigos nossos partiram para o
tráfico e hoje, uns se encontram presos, enquanto outros diversos morreram.
Esse caminho não tem volta. O fim é a cadeia ou a morte”.
Circulou muita riqueza por Itaituba,
mas não ficaram nem 10%, diz Luiz. Para ele, faltou força política para que o
município se beneficiasse de todo aquele movimento. Foi tudo desviado para fora
e aqui ficou muito pouco. Os políticos só começaram a agir depois que tinha
acabado. Hoje, é diferente. Empresas como a Serabi e mais de uma dezena de
outras, investem em produção e pesquisa minerais. A fase do garimpo arrefeceu;
agora é a hora da mineração mecanizada.
O piloto Luiz Feltrin chegou a
pensar em deixar Itaituba. “Cheguei a fazer alguns investimentos em Manaus,
quando a situação estava bastante crítica aqui. Mas, nem cheguei a sair do
município. Vendi o que construí em Manaus e apliquei de novo comprando novos
aviões e hoje não passa por minha cabeça sair”, finalizou ele.
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