domingo, novembro 24, 2013

*As três quedas antes de Três Bueiras

            O primeiro dia da expedição começou perfeito. Acordei na hora determinada, 04h30min da manhã, e depois de tomar um poderoso mingau preparado por minha esposa Marilene, segui para a balsa para fazer a travessia. Pouco depois, chegaram o repórter Mauro Torres e o cinegrafista Dionei Alves, da TV Tapajoara, que fizerem uma matéria a respeito de minha largada, com tudo tinha direito.
            Tudo levava a crer que seria um dia maravilhoso. Mas, a perfeição ficou somente naquele começo, pois ao passar pela ponte do km 17, recebi a indesejada visita da chuva. E que chuva. Aí complicou, porque embora a capa estivesse fácil de pegar, naquela situação, completamente escuro, não houve como colocar a proteção contra chuva.
Então, decidi ir em frente, contudo, com muita dificuldade, pois mal enxergava a estrada, conquanto a chuva era torrencial. Corri o risco de sair da estrada, uma vez que estava em um local da BR 230 que não tem sinalização horizontal.  E como diz o ditado, nada é tão ruim que não possa piorar, chegou a parte da estrada onde ainda não existe pavimentação asfáltica. Foi muito difícil superar aquela situação.
Quando cheguei ao distrito de Campo Verde, apenas chuviscava, o que me levou a pensar: já estou molhado, mesmo! Nesse caso, o melhor que tenho a fazer seria seguir em frente. E foi o que fiz. Para meu azar, pouco depois de entrar na Santarém-Cuiabá a chuva voltou com força total. Mas, mesmo com todo o aguaceiro que caía, eu levei apenas uma hora e meio para chegar à cidade de Trairão.
Conversei com algumas pessoas que se encontravam no Auto Posto Leal, onde completei o tanque. Dentre essas pessoas havia dois motoqueiros que conhecem muito bem aquela área, os quais me avisaram que tinha chovido em toda a região. Adiantaram-me que, dada a intensidade da chuva eu iria enfrentar muitos problemas, citando até os pontos mais críticos.
Não deu outra! Conforme me foi dito, a coisa ficou preta a partir do momento em que acabou o asfalto, uns vinte km depois de Trairão. E exatamente como me disseram os dois rapazes, até o distrito de Caracol eu consegui levar a moto com relativa tranquilidade, pois a estrada de chão estava bem compactada e ninguém mexeu, diferente do que aconteceu depois, onde estão trabalhando, ou trabalharam.
Eu pensei que o distrito de Caracol iria ficar marcado em minha mente, porque foi depois de lá que levei o primeiro tombo. Tem uma serra das boas, que fica uma beleza quando chove. Para meu azar, já havia passado por ali um bom número de carretas, que prepararam o terreno para quem viesse depois. E olha que eu estava indo bem, mas, fica tão liso, que é impossível segurar a moto. Caí em primeira marcha, o que significa dizer que eu estava quase parado. Não estava longe de algumas carretas, mas, foi um senhor que estava em uma Hilux quem me ajudou a levantar a moto. Ela afogou, apesar de ter fechado a válvula da gasolina. Por isso, deu muito trabalho para pegar novamente.
Apesar da enorme dificuldade, fui em frente, devagar, quase parando, pois não havia como avançar com um mínimo de rapidez naquelas circunstâncias. Todavia, quando estava distante algo como cinco km da comunidade Três Bueiras o sofrimento aumentou. De novo, ia em primeira marcha, quando cheguei a um local cujo barro parecia ter sido feito com algum ingrediente do sabão, pois a mal conseguia manter-se de pé.
Não deu para segurar a moto, de novo. E quando tentei me equilibrar com apoio dos pés, quem foi que disse que conseguiu um mínimo de aderência! Estatelei-me no chão, novamente, por três vezes, e como da vez anterior, em primeira marcha. Dessa vez, um solícito trabalhador do consórcio que trabalha na pavimentação naquele trecho veio correndo me ajudar. Mais uma vez a moto demorou a pegar porque afogou.
Faltavam mais ou menos dois km para chegar à bendita Três Bueiras quando eu beijei o chão pela terceira vez. Foi nessa queda que me ralei na perna esquerda. E de tanta força que fiz para tentar evitar a queda, a moto ficou virada no sentido contrário ao que eu viajava. Por isso, quando um senhor de uma D 20foi me ajudar, disse que eu ainda iria enfrentar muita lama até Trairão, quando lhe informei que estava indo rumo a Novo Progresso.
Alguém havia me informara muitos quilômetros atrás, que o problema era somente até a comunidade citada, pois a partir dali a estrada estava boa, porque o trecho tinha piçarra. Logo, passei a sonhar com a tal Três Bueiras, que para mim passou a ser a terra prometida.
Mais ou menos um quilômetro e meio depois da terceira queda eu parei ao lado de umas carretas, porque não estava me sentindo bem. Sem comer desde 04h30min, a glicemia baixou muito. Faltavam dez minutos para uma tarde, e eu estava apenas com o mingau da madrugada, eu mal consegui puxar o descanso da moto.
Estou passando mal, disse para um dos carreteiros. Rapidamente ele levantou a cadeirinha em que estava sentado, para que eu me acomodasse nela. Apareceram mais alguns colegas dele, que foram muito legais. Um deles perguntou se eu queria tomar um copa de água com açúcar, ao que respondi que sim. Ele preparou, tomei e ingeri mais alguns copos de água, além de comer alguns pedaços de abacaxi. Pelo menos uns quatro deles foram perguntar se eu não gostaria de almoçar junto com eles. Respondi que não, pois de fato não estava com fome. Havia passado muito a hora de almoçar.
Aconteceu que além de ter passado da hora de me alimentar, porque não havia nem como parar em algum lugar para comer, eu havia feito um esforço muito além dos meus limites, tanto para levantar a moto quando eu caí, como pela briga que eu travei para evitar que a moto me derrubasse mais vezes. Por essa razão, quando cheguei até os caminhoneiros, estava completamente exausto, sem forças e passando mal.Sinceramente, pensei que iria desmaiar.
Fiquei ali por trinta minutos, até sentir que já tinha condições de voltar a pilotar. E lá fui eu em busca de Três Bueiras e a estrada da libertação. Isso já era uma e meia da tarde. Ora, quem tinha saído de Trairão às 07h30min, seis horas depois havia progredido muito pouco. Com extremo cuidado para evitar mais um tombo, consegui chegar ao bendito local onde a estrada melhorava. A partir dali as coisas começaram a mudar para melhor, até Moraes Almeida. Mas, Três Bueiras ficou gravada na minha mente e passa a fazer parte da minha história.
Parei em Moraes para fazer uma entrevista com o presidente do Conselho Pela Emancipação do local, Ubiratan Filadelpho. Foi uma conversa de pouco mais de meia hora, depois da qual parti para Novo Progresso, para ganhar terreno, porque existe um trecho de 57 km de Moraes para essa cidade, e eu não queria correr o risco de ter que voltar a brigar com a moto, caso chovesse à noite.

Entrando em Novo Progresso enfrentei meu primeiro perigo realmente sério no trânsito, por absoluta culpa minha. Cansado, no corpo e na mente, fiz uma manobra errada na frente de um caminhão grande, que por pouco não me atingiu. O motorista acionou a buzina, com raiva, e com razão.

Cheguei ao meu destino pouco depois das sete da noite, indo direto para o Hotel Rodoviário, cujo proprietário é o Seu Mané. Aproveitamos para passar uma borracha em algumas mágoas que ficaram dos tempos em que fui diretor da Rádio Itaituba, quando ele era o proprietário. Confesso que isso me fez muito bem, e imagino que a ele também, pois ressentimentos não fazem bem para a saúde. Conversamos por mais de duas horas, relembrando os bons tempos da rádio, que hoje se chama Rádio Tapajoara. Na próxima edição contarei mais detalhes da jornada.


* Na edição 169 do Jornal do Comércio, que está circulando

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