POR ANA LUCIA AZEVEDO(O Globo)
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O agente comunitário de saúde Rogério César Oliveira trabalha em Piedade de Caratinga - Mônica Imbuzeiro
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CARATINGA, MG - Semanas antes do
anúncio dos primeiros casos de febre amarela silvestre, em janeiro, a doença já
atingia moradores do Leste de Minas Gerais. Famílias de pequenos municípios,
como Piedade de Caratinga, choravam seus mortos e doentes em dezembro, sem
saber de que mal se tratava.
Nunca tinham ouvido falar de febre
amarela na região. Os macacos começaram a morrer meses antes nessa parte de
Minas. Após a zika, em 2015, e a chicungunha, em 2016, o maior surto de febre
amarela silvestre da história recente marca o terceiro ano consecutivo sob o
julgo de doenças transmitidas por mosquitos no Brasil. Segundo o último informe
do Ministério da Saúde, há 921 casos notificados no Brasil, 804 dos quais em
Minas Gerais.
Porém, 702 estão em investigação, 161
foram confirmados e 58 descartados. Há 150 mortes suspeitas, 60 das quais já
foram confirmadas e três descartadas. As demais permanecem em investigação.
Dalva de Lima Oliveira, do Córrego dos
Adão, Piedade de Caratinga, Minas Gerais, contou um a um os dias para que a
vacina da febre amarela começasse a proteger os quatro filhos. O marido de
Dalva, José Campos de Oliveira, de 53 anos, adoecera pouco antes do Natal.
Morreu dia 31, sem ver o Ano Novo.
— Ele não aguentou esperar o ano
chegar. A gente nunca tinha ouvido falar de febre amarela e, quando ele morreu,
ninguém sabia do que tinha sido. A confirmação só veio em janeiro, tarde demais
— diz dona Dalva, de 50 anos que, como o marido, o Seu Zequinha, nasceu e nunca
saiu da região.
Enquanto dona Dalva e outros tantos
brasileiros contam os dias de suas tragédias, o Brasil marca em anos
consecutivos seu pesadelo sanitário. A microcefalia da zika em 2015. As dores
da chicungunha em 2016. E então, no início de 2017, o anúncio oficial do surto
de febre amarela. O Brasil esqueceu a febre. A febre não esqueceu o Brasil.
Há três décadas a dengue não dá trégua.
Somadas, dengue, zika e chicungunha, as doenças do onipresente Aedes
aegypti, alcançaram a fronteira dos dois milhões de casos oficiais.
Exatamente 1.987.678 milhão de casos até dezembro de 2016, mês da última
divulgação do Ministério da Saúde sobre as doenças do Aedes.
Para as doenças, o calendário não para.
E 2017 veio com o anúncio de outro mal de mosquito, a febre amarela silvestre,
esta transmitida por Haemagogus e Sabethes,
gêneros das florestas e suas bordas. Mas em janeiro, quando foi feito o anúncio
público dos primeiros casos de febre amarela, em Ladainha, também em Minas,
dona Dalva e sua família já tinham enterrado Seu Zequinha, mergulhados na
incerteza do abismo sanitário brasileiro.
A Piedade da dona de casa Dalva se
encontra no alto de um morro com a Imbé de Minas do lavrador Manoel Clementino
Lopes. Aos 53 anos, após ter sido desenganado devido à febre hemorrágica e à
falência do fígado, ele encontrou forças para se recuperar. Em 27 de janeiro,
deixou o hospital. Está de volta a sua plantação, que só de alface tem 150 mil
pés. Do alpendre onde gosta de ficar sentado enquanto se restabelece, avista
suas hortaliças, seu cafezal e um fragmento de floresta.
— É nossa reserva legal. É muito
importante para o clima, para a água. Precisamos dela. O que está errado é ter
febre amarela. Ninguém aqui era vacinado, foi uma correria. Ninguém tinha sido
informado. Desenganaram meu pai, o entregaram a Deus e ele lutou para viver,
ficou 13 dias na UTI e voltou.