O Globo - Editorial
O Poder Judiciário brasileiro já é sobrecarregado
em condições normais, devido à cultura legiferante do país e a uma Constituição
detalhista. Em grave crise como a atual, com abalos na economia e na política,
aumentam os conflitos na sociedade e, por decorrência, há uma pressão maior nos
tribunais, em busca de mediação.
A situação fica mais séria quando a própria
aplicação da solução para a vertente econômica da crise está sendo questionada
na Justiça. É o que acontece com o ajuste fiscal, a ser feito mais pelo corte
de gastos do que pela elevação de receitas, não só porque a carga tributária já
é insustentável — 36% do PIB, a mais elevada entre os emergentes, e equivalente
à de algumas economias desenvolvidas —, mas também porque abortaria a débil
recuperação econômica sinalizada em alguns setores.
Ajuste fiscal é termo citado sem parcimônia, assim
como a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ocorre que a LRF não pode ser aplicada
por inteiro, como necessário no caso da crise dos estados, por exemplo, pelo
fato de alguns artigos e o próprio conceito da LRF estarem sub judice no
Supremo, e há 16 anos.
A perspectiva da crise, já profunda, é
potencialmente muito mais séria. Afinal, sempre há a possibilidade de que as
liminares concedidas contra partes da LRF, logo que ela foi sancionada, em
2000, possam ser referendadas em plenário. Esta é mais uma pesada dúvida que
existe sobre o sucessor do ministro Teori Zavascki, com quem estava este
processo. Não dependerá mais do ministro a ser indicado pelo presidente Temer a
Lava-Jato, mas sim a própria estabilidade econômica.
O início de tudo é uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin 2.238-5), impetrada logo após a LRF entrar em
vigor, por PT, PCdoB e PSB. Não foi acolhido totalmente o pedido para ser
declarada inconstitucional toda a lei, mas foram suspensos parágrafos de dois
artigos, o 9º e o 23 º, imprescindíveis para o ajuste nos entes federativos.
Um deles estabelece um princípio lógico: se a
arrecadação não atingir o esperado, o Executivo será obrigado a reduzir os
repasses previstos em orçamento, ou empenhados, para o Judiciário e o
Ministério Público. Não será considerado invasão de poderes. Mas tem sido. Daí
os atrasos na folha de salários de servidores, pensões, aposentadorias, menos
de magistrados, procuradores e similares.
Um outro impede a aplicação também de conceito
inatacável, dentro das leis da razoabilidade, pelo qual jornada e salários de
servidores podem ser reduzidos proporcionalmente. Melhor que demissão, como
permite a própria Constituição, em caso de descontrole fiscal, como agora.
Os economistas José Roberto Afonso, autor da LRF, e
Luciano Felício Fuck registraram em publicações técnicas da área jurídica que,
se o Supremo, 16 anos depois de concedidas as liminares, decidir cassá-las e
ainda referendar a constitucionalidade da LRF, terá enorme mérito: o de
confirmar que o Estado tem base legal para executar o ajuste que a economia precisa.
Caso contrário, ficará estabelecido que o Brasil não é maduro para aplicar a
Lei de Responsabilidade Fiscal. Continuará sob o risco de ajustes
inflacionários selvagens, como na década de 90, e a ciclos curtos de
crescimento, “voos de galinha”.
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