sábado, abril 24, 2021

Próxima pandemia pode surgir no Brasil

*Nathalia Pasternak
  Graças à nossa incompetência em conter a pandemia, o   Brasil tornou-se um risco sanitário global. Fronteiras fechadas   e voos cancelados demonstram o medo justificado que o resto   do mundo tem de interagir conosco. Vacinação lenta e alta   circulação do vírus trazem o cenário ideal para o surgimento   de novas variantes, e para a perpetuação da pandemia.

  Se fracassamos diante de uma pandemia que vem do outro   lado do mundo, estaremos preparados para uma que venha a   surgir aqui? A maior parte das doenças infecciosas com   potencial pandêmico são zoonoses: causadas por   microrganismos originários de animais que chamamos de “reservatórios” e que, ao terem contato com pessoas, ou com animais domesticados, podem passar a infectar humanos.

Foi assim com a Aids, Ebola, diversas gripes e outros coronavírus. A interação próxima com animais silvestres, a destruição de habitats, a criação de animais em confinamento e o aquecimento global favorecem o surgimento de novas pandemias. 

O Brasil, infelizmente, preenche todos os requisitos: temos uma rica biodiversidade, o que implica diversidade de reservatórios animais e também de microrganismos. Temos mosquitos, vetores de diversas doenças e que são sensíveis a mudanças climáticas: alguns graus a mais favorecem a multiplicação e circulação dos insetos transmissores de dengue, chikungunha, zika, febre amarela, malária.


Chikungunha já foi indicada pela Organização Mundial de Saúde como doença de potencial pandêmico. O mosquito transmissor, do gênero Aedes, muito comum no Brasil, já causou surtos na Europa e, graças às mudanças climáticas, tornou-se endêmico durante o ano todo em várias partes do mundo. Chikungunha nunca afetou fortemente o Norte Global, mas com o aquecimento do planeta, latitudes e altitudes antes inóspitas podem tornar-se confortáveis para o mosquito. Mortes por chikungunha são da ordem de um para mil, e a doença deixa sequelas graves que podem persistir por anos.


Se a Humanidade continuar esquentando o mundo, o Brasil torna-se um potencial pólo exportador global de febres hemorrágicas.


Para reduzir esse risco, precisamos de políticas públicas ambientais, redução da criação animal e consumo de carne, implementação de agricultura sustentável com biotecnologia para minimizar a pulverização e transporte, reduzindo assim o uso de água, de terra, e emissão de gases de efeito estufa. Para isso, é preciso investir pesadamente em soluções biotecnológicas e serviços e incentivos ecossistêmicos.

O atual governo não foi capaz nem de planejar compras de vacinas e de insumos, levando o país a um caos sanitário onde já não há sequer o direito de morrer com dignidade e sem dor. Não foi capaz de planejar campanhas informativas para uso de máscaras e distanciamento social. Não considera importante investir em ciência e tecnologia para gerar as soluções necessárias.

Um governo omisso e negacionista é capaz de arcar com a responsabilidade de reduzir as chances de uma zoonose global surgir no Brasil? Ou os próximos dois anos serão uma roleta russa, com o risco crescente de engatar uma pandemia em outra?

Fonte: O Globo

*Natalia Pasternak Taschner é uma bióloga e divulgadora científica brasileira. Ela é a fundadora e primeira presidente do Instituto Questão de Ciência e a primeira brasileira a integrar o Comitê para a Investigação Cética.

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