terça-feira, março 17, 2020

Teoria da conspiração, exposição ao coronavírus, revisionismo histórico: o que especialistas dizem sobre Bolsonaro

Bolsonaro cumprimenta apoiadores em manifestação, domingo: presidente quebrou protocolos da OMS e se expôs ao contágio por coronavírus Foto: SERGIO LIMA/AFP/15-3-2019 RIO e BRASÍLIA — As críticas do presidente Jair Bolsonaro ao seu comportamento durante a manifestação no último domingo foram rebatidas por especialistas entrevistados pelo GLOBO. Contrariando medidas sanitárias, Bolsonaro, que deveria ficar em isolamento durante 14 dias, aproximou-se do público e interagiu mantendo curta distância, tirando selfies com seus apoiadores. 

Em entrevistas, menosprezou o impacto do coronavírus e fez insinuações sobre a dimensão que ele tomou no planeta.

Os entrevistados assinalaram a falta de informação de Bolsonaro sobre a história das pandemias e descartaram uma suposta conspiração internacional na área econômica, uma tese que chegou a ser levantada pelo presidente. 

Além disso, segundo a análise, Bolsonaro submeteu-se desnecessariamente a um potencial contágio, que poderia ser agravado pelo fato de que está no grupo de risco — os efeitos da Covid-19 são mais graves entre pessoas de idade avançada; ele tem 64 anos.O que disse Bolsonaro:

‘Se eu me contaminei, isso é responsabilidade minha’

O que diz Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações:

"O exame de coronavírus do presidente deu resultado negativo, então ele não passaria o vírus para ninguém, mas isso não quer dizer que está imune a um contágio. Sabemos que a maioria das pessoas é assintomática ao patógeno, ou seja, podem transmiti-lo sem saber. 

E isso é uma possibilidade cada vez mais real, considerando como a epidemia está se expandindo.Bolsonaro tem 64 anos e, por isso, está no grupo de risco, onde se encaixam mais de 80% dos casos de coronavírus. Se ele fosse infectado, poderia desenvolver um quadro grave da doença. O fato de já ter realizado cirurgias (ele passou por operações após levar uma facada em 2018) o tornaria ainda mais frágil durante o tratamento.

O índice de letalidade por coronavírus é pequeno, abaixo dos 3%, mas o patógeno pode provocar complicações. A influenza tem um percentual semelhante e, ainda assim, é responsável por 5 mil internações na UTI por ano.

Ao participar da manifestação, Bolsonaro gerou um mau exemplo em um momento em que pedimos para que a população fique em isolamento. É um sacrifício que todos devem passar".

O que disse Bolsonaro:

Vírus mais graves não provocaram essa histeria’

O que diz Ana Luce Girão, historiadora e pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz:

"Não sei se Bolsonaro estava se referindo a ela, mas tivemos uma pandemia de gripe espanhola em 1918. Era o final da Primeira Guerra Mundial e houve um grande deslocamento de pessoas pelo mundo. 

A doença assumiu proporções gravíssimas no Brasil. Houve histeria, as pessoas tinham dificuldades para enterrar todos os cadáveres. Entre os mortos estava o presidente eleito Rodrigues Alves, que sequer tomou posse.Hoje, porém, não podemos falar de histeria. Pelo contrário. Embora a cura do coronavírus ainda não seja conhecida, as autoridades de saúde conhecem medidas de contingenciamento para evitar o contágio simultâneo de muitas pessoas. Afinal, temos muito mais estudos epidemiológicos do que no início do século passado.

Conhecemos o coronavírus há pouco tempo, mas, baseado no que vimos agora, já podemos fazer projeções. É certo que ele vai se propagar no Brasil.

Falta saber como isso ocorrerá — na Itália, por exemplo, ele provocou um colapso no sistema de saúde. Precisamos tomar medidas para conseguir atender todas as vítimas."

O que disse Bolsonaro:

Certamente tem um interesse econômico nisso’

O que diz Carlos Eduardo Young professor titular do Instituto de Economia da UFRJ:

"Não vejo qualquer interesse econômico relacionado ao coronavírus. Pelo contrário, trata-se de uma tragédia de proporções globais, uma situação sem vencedores. 

Os ativos financeiros perderam valor. Vemos, simultaneamente, uma crise provocada pela falta de demanda, já que as pessoas terão que se recolher, e o desabastecimento, porque a pandemia provoca estragos no mercado mundial que podem dificultar a importação de produtos.

Nossa mão de obra é cada vez mais precária. Há muitos autônomos no país e que, como não poderão trabalhar, devido à ordem de isolamento, também não terão recursos para sobreviver. O governo precisará investir em programas de transferência de renda para lidar com a população mais atingida pelas restrições provocadas pelo coronavírus. Será necessário criar políticas públicas assistenciais.

O Globo

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