Há certas coisas que se pode pensar, mas nosso superego impede que digamos em
voz alta devido a um processo civilizatório a que somos submetidos no convívio
social, como já ensinou Freud. Mas Bolsonaro, como já ficou provado em outras
ocasiões, não tem superego.
A comparação
com os automóveis parece ser uma fixação desse governo, e a falta de empatia,
permanente. No início do mandato, quando se discutia a liberação da posse de
armas pelos cidadãos, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI),
General Augusto Heleno, também usou a comparação de automóveis com as armas.
Mais
limitado, o também ministro Ônix Lorenzoni comparou os revólveres com os
liquidificadores. O objetivo era o mesmo de hoje do presidente Bolsonaro,
relativizar as eventuais mortes ocasionadas pelas decisões governamentais.
Embora
estudos mostrem que a liberação das armas para os cidadãos provoca mais mortes
do que proteção, desta vez é mais grave, pois há um conjunto de evidências
científicas, como o estudo divulgado pelo Imperial College of London, que
demonstra que a diferença entre o isolamento social rigoroso e uma estratégia
mais branda de proteção seletiva sobre os idosos e os doentes pode significar
até 1 milhão de vidas perdidas a mais em pouquíssimo tempo no caso do Brasil.
Há uma
ressalva fundamental no nosso caso: o estudo foi feito com base no que está
ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos, e não leva em conta a existência de
favelas, a falta de abastecimento de água ou saneamento, e outras mazelas com
que as populações mais carentes convivem.
Os estudos
do Imperial College of London foram responsáveis pela mudança de atitude do
governo de Boris Johnson, que tentou uma abordagem menos drástica da crise do
Covid-19 imaginando que a população ganharia anticorpos para combater o novo
vírus, e teve que desistir devido ao aumento exponencial de casos de
contaminação e mortes.
Temos também
o caso que já se tornou clássico da Itália, - e dentro dela de Milão, - que
tentou minimizar os efeitos da pandemia e acabou se tornando o epicentro de uma
tragédia humanitária. Como já temos esses exemplos, a posição do presidente
brasileiro torna-se ainda mais inaceitável.
De nada nos
servirá que ele venha dentro de um mês se desculpar (se é que é capaz disso)
como fez o prefeito de Milão, que ontem, diante da catástrofe que se abateu
sobre seus cidadãos, admitiu publicamente que desprezou os perigos da Covid-19.
Mais grave é
que o grau de irresponsabilidade é tamanho que o governo brasileiro é capaz de
encomendar e distribuir pelos canais das redes sociais vídeos defendendo que o
país não pode parar, mesmo slogan publicitário de Milão, e, diante da repulsa
que geraram nos cidadãos de bem, alegar que não foram aprovados pela Secretaria
de Comunicação, e, portanto, não são oficiais.
Para quem
tem dentro do Palácio do Planalto um chamado “gabinete do ódio”, que opera nas
sombras para disseminar boatos e fake News, esta não é uma postura
surpreendente. O que é preciso definir, de acordo com as instituições que zelam
pela democracia brasileira, como o sistema Judiciário, e o Congresso, é qual o
limite que o hoje presidente brasileiro pode ir até que seja bloqueado pelas
armas da democracia.
Bolsonaro já
nem mesmo se dá ao trabalho de tentar disfarçar seus objetivos. Perguntado pelo
apresentador José Luis Datena se estaria disposto a dar um golpe, em vez de
negar peremptoriamente, Bolsonaro respondeu: “Quem quer dar um golpe não vai
falar que vai dar”.
Como sempre, sem superego.
Como sempre, sem superego.
Merval Pereira
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