Eu tinha dezenove anos quando Pelé marcou seu
milésimo gol, no dia 19 de novembro de 1969. Como o tempo voa. Lá se foi meio
século daquele momento que entrou para sempre na história do futebol mundial. Nenhum
outro futebolista, nem antes, nem depois conseguiu tal façanha e, pelo jeito,
vai demorar a acontecer de novo.
Naquele tempo, quando não estava trabalhando,
um dos meus entretenimentos favoritos era ficar ouvindo rádio. Ouvia tudo
quanto era emissora. Em Santarém só existiam duas estações, a ZYR 9, Rádio
Clube e a ZYE 29, Rádio Educadora, que depois viria a se chamar Rádio Rural,
que era a única que pegava na obra da hidrelétrica de Curuá-Uma, onde eu
trabalhava, distante 72 km da sede.
O expediente terminava às cinco horas da
tarde, porque o horário local era uma hora a menos do que o horário oficial de
Brasília. Fui para o meu quarto no alojamento, tomei banho mais cedo, jantei e
voltei para o quarto para ficar em concentração absoluta, esperando o relógio
marcar 20:30 HS para que começasse o jogo Vasco da Gama x Santos.
Voltemos um pouco na história. Uma semana
antes do dia do milésimo gol, o Santos foi jogar em João Pessoa contra o
Botafogo. Havia uma grande expectativa de que o gol 1.000 pudesse sair naquele
jogo, pois, o time da Vila Belmiro costuma golear na maioria dos amistosos.
Pelé já havia marcado um gol e o árbitro assinalou uma penalidade máxima contra
o dono da casa.
O cobrador oficial de pênaltis não era Pelé,
era Carlos Alberto Torres, que pegou a bola e disse para o rei: “toma, cobra”.
Pelé hesitou, mas, foi lá e marcou o gol de número 999. Poucos minutos depois,
o goleiro Jairzão, do Santos, contundiu-se e Pelé foi para o gol por
determinação do treinador Antoninho. Dizem que foi para ele não marcar o
milésimo naquele jogo.
Novo jogo no domingo, dessa vez em Salvador
contra o Bahia, um adversário de peso muito maior, numa capital muito maior. E
poderia ter saído o milésimo gol, depois que Pelé passou até pelo goleiro do
tricolor baiano e deu um toque de classe na direção da trave. Ele se preparava
para comemora quando um zagueiro de nome Nildon apareceu como um raio, e em
cima da linha desviou para escanteio, para frustação de sua majestade.
“Meu time de coração sempre foi o Vasco”,
disse Pelé repetidas vezes. Ele nasceu em Três Corações, em Minas Gerais, e
naquele tempo o futebol carioca era muito forte, e todo mundo no interior mineiro
torcia por algum grande time do Rio de Janeiro. E o Clube de Regatas Vasco da Gama,
que já estava no coração do rei, estaria, também no seu destino.
Quarta-feira de gala no Maracanã, o maior
estádio do mundo recebeu um grande público. O Vasco era um grande adversário.
Tinha um goleiro extraordinário chamado Andrada, um argentino que pegava
demais. Quem abriu a contagem foi o time cruzmaltino com Zanetti, grande
meio-campista.
O empate veio através do zagueiro Renê,
encarregado de marcar o rei. Ao tentar evitar que a bola chegasse a Pelé, ele
meteu a cabeça e mandou a pelota para dentro de suas próprias redes, adiando de
forma inusitada o milésimo gol.
Clodoaldo Santana Tavares, sergipano bom de
bola, cabeça de área como pouco se vê hoje em dia, começou a jogada no meio do
campo, avançando e servindo Pelé na intermediária. Ele partiu para cima do
zagueiro Fernando, com o qual trombou. Meio século antes de ser inventado o
VAR, o árbitro alagoano da federação pernambucana, Manuel Amaro de Lima apontou
para a marca do pênalti. Até hoje, Fernando e outros jogadores do Vasco juram
que não foi.
Eu ouvia a narração do grande Valdir Amaral,
da Rádio Globo. Todos os jogadores do Santos ficaram no meio do campo, numa
atitude inusitada que surpreendeu o maior artilheiro da história. Ele pegou a
bola, colocou na marca do pênalti, olhou para o goleiro Andrada e bateu no
canto esquerdo do arqueiro vascaíno. Bola na rede. Pela primeira vez um jogador
completava mil gols marcados. Mas, foi por muito pouco que Andrada não
defendeu.
Pelé já era um monstro do futebol mundial,
mas, ficou ainda maior sua estatura com aquele feito nunca alcançado.
Emocionado ele disse ao microfone da Rádio Jovem Pan, que foi a primeira
emissora a entrevistá-lo: "Dedico este gol às criancinhas pobres do
Brasil. A gente tem de olhar para elas". Foram suas primeiras palavras
após o milésimo gol, em 19 de novembro de 1969. E eu só vi imagens do gol, no
Canal 100, que passava no Cine Olímpia, antes dos filmes.
Toda a imprensa brasileira e muitos meios de
comunicação pelo mundo relembraram o fato. O Diário do Pará, em uma matéria especial,
lembrou que havia um paraense naquele time fantástico. Era Manoel Maria. Porém,
errou ao dizer que o ex-ponta-direita foi revelado pela Tuna Luso Brasileira.
Errou feio, porque se tem história de jogador
que eu conheço, essa história é do Manoel Maria, que começou no São Raimundo
Esporte Clube, de Santarém, quando a sede do clube ainda era na travessa
Senador Lemos, esquina da rua Galdino Veloso. Nos tempos áureos do futebol
santareno.
Manoel Maria, filho do seu Davi Natanael, um
dos fundadores do São Raimundo, foi titular da melhor seleção de futebol de Santarém
de todos os tempos, que conquistou o Campeonato Intermunicipal de 1968. Surdo,
Pedro Nazaré, Ricardo, Inacinho e Acari; Amiraldo e Abdala; Manoel Maria,
Mazinho, Edvar e Pedro Olaia. Quase dois terços da seleção eram do Pantera.
Com o sucesso alcançado em Belém, vários
jogadores passaram a ser cobiçados pelos três grandes da capital, porque a Tuna
era a terceira força na época. No final das contas, apenas três foram embora.
Acari, Edvar e Manoel Maria foram contratados.
A Tuna queria mesmo era o Edvar, um
centroavante ao mesmo tempo forte e com bons recursos técnicos. Mas, o
dirigente cruzmaltino chegou atrasado, pois o Remo já tinha contratado o
atacante do São Francisco. Como ficou o final de semana na cidade e havia um
Rai x Fran marcado para domingo, o diretor foi para o estádio, e o que viu o
impressionou. Manoel Maria fez coisas do arco da velha.
De um ponta-direita contratado quase como
contrapeso, Manoel Maria transformou-se no jogador santareno que galgou os
degraus mais altos do futebol brasileiro, sendo convocado para a Seleção
Olímpica do Brasil para a Olimpíada de 1968, despertando o interesse do Santos,
para onde foi. O resto da história, quem gosta de futebol conhece, ou já ouviu
falar.
Manoel Maria virou amigo de Pelé, e só não
foi convocado para a Copa do Mundo de 1970, depois da contusão do ponta
Rogério, porque sofreu um acidente de carro gravíssimo, quase perdendo a vida.
Entrou com seu automóvel na traseira de uma
carreta. Demorou muito a voltar a jogar e quando retornou já não era mais o
mesmo ponta driblador e rápido. Pelé o levou para jogar com ele no Cosmos de
Nova Iorque. No fim da carreira ainda teve uma passagem pelo Paysandu.
O santareno estava no meio do campo, no
Maracanã, às 23:23 HS daquele 19 de novembro de 1969, junto com todos os outros
companheiros, quando o Rei do Futebol Mundial escreveu aquela página indelével
nos anais da história do esporte inventado pelos ingleses pouco mais de cem
anos antes, esporte que Pelé ajudou a tornar-se o mais popular da Terra.
Ficha
Técnica: 19/11/1969 – Vasco 1 x 2 Santos
Gols: Benetti aos 16min do primeiro tempo; Renê (c) aos 10min e Pelé aos 34min do segundo tempo.
Local: Estádio Maracanã, no Rio de Janeiro.
Público: 65.157 presentes
Renda: 253.275,25
Árbitro: Manoel Amaro de Lima
Vasco: Andrada; Fidélis, Moacir, Renê e Eberval; Fernando, Buglê e Benetti; Acelino (Raimundinho), Adílson e Danilo Menezes (Silvinho). Técnico: Célio De Souza
Santos: Aguinaldo; Carlos Alberto, Ramos Delgado, Djalma Dias (Joel Camargo) e Rildo; Clodoaldo e Lima; Manoel Maria, Edu, Pelé (Jair Bala) e Abel. Técnico: Antoninho
Gols: Benetti aos 16min do primeiro tempo; Renê (c) aos 10min e Pelé aos 34min do segundo tempo.
Local: Estádio Maracanã, no Rio de Janeiro.
Público: 65.157 presentes
Renda: 253.275,25
Árbitro: Manoel Amaro de Lima
Vasco: Andrada; Fidélis, Moacir, Renê e Eberval; Fernando, Buglê e Benetti; Acelino (Raimundinho), Adílson e Danilo Menezes (Silvinho). Técnico: Célio De Souza
Santos: Aguinaldo; Carlos Alberto, Ramos Delgado, Djalma Dias (Joel Camargo) e Rildo; Clodoaldo e Lima; Manoel Maria, Edu, Pelé (Jair Bala) e Abel. Técnico: Antoninho
Jota Parente
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