terça-feira, maio 14, 2019

Raimundo Tito da Silva, meio século de vida de um cartorário exemplar

         
  Raimundo Tito da Silva, o Tito do Cartório. Setenta anos de idade, cinquenta dos quais dedicados à vida de cartorário. Caboclo da beira do Tapajós, nasceu na comunidade de Santo Antônio do Atanásio, na região Pedra Branca, no dia 6 de fevereiro de 1949. É filho de Climério Magno da Silva e Delcília Custódio da Silva, ‘in memoriam”. Tem quatro irmãos, sendo três mulheres e um homem. É casado com Jaíldes da Silva. Pai de oito filhos.
            O médico, em Santarém, aos 15 anos de idade, disse que ele ficaria paralítico para o resto da vida. Ele voltou para sua comunidade, certo de que seria assim mesmo, mas, não foi. À base de muito remédio caseiro, voltou a andar, continuou os estudos e foi em frente. Há meio século é cartorário.
Titular do Cartório de 1º Ofício, fez todos os seus estudos aqui mesmo no município, na Escola Paroquial, que depois passou a se chamar Ginásio Normal Sant’Ana. Desempenha sua atividade de tabelião com muita eficiência e seriedade. É ele o personagem do Raio X do Profissional desta edição do Jornal do Comércio.
JC – Com quantos anos você veio para a cidade?
Tito – Naquele tempo era diferente. Hoje as crianças começam a estudar muito cedo, mas, no meu tempo isso só acontecia a partir dos sete anos, que foi quando eu vim para a cidade para começar os meus estudos.
Quando eu terminei o primário, como se chamava o ensino básico de hoje, eu fui acometido de uma doença que se achava que era paralisia infantil, que afetava muitas crianças. Tive que ir para Santarém para fazer tratamento. Fiquei um tempo paralítico e, sem poder andar, meu pai era quem me carregava. Como não tive melhoras, depois que o médico disse que não tinha jeito e que eu iria ficar mesmo paralítico, eu voltei para o interior, lá para a casinha onde eu tinha nascido.
À base remédios caseiros eu fui melhorando, melhorando... A essa altura eu já tinha 15 anos. Foi quando meu pai começou a trabalhar aqui na cidade, nomeado pelo Estado para ser escrivão de polícia, trazendo toda a família.
Eu já estava melhor e resolvi prosseguir os estudos. Quando já estava no terceiro ano ginasial fui convidado para ser professor, pela professora Perpétua França de Matos, que era esposa do senhor Walter Matos. Primeiramente, eu tive que lecionar para pessoas idosas. A diretora de ensino do município era a professora Olinda Lima de Sousa.
Trabalhei como professor do município em 1968 e 1969 passando, depois, a lecionar para crianças do primeiro até o terceiro ano. Eu não me lembro bem dos detalhes, mas, após terminar o terceiro ano do curso ginasial passei a ser professor do Estado, tendo dado aulas na Escola Gaspar Viana, que não existe mais, que ficava onde é a Cosanpa, atualmente.
Ainda em 1969 e continuando como professor surgiu o convite feito por Walter Matos, que perguntou ao meu pai se eu não queria trabalhar com ele no cartório. Meu pai me deu o recado e eu fui conversar ele, tendo acertado que nas horas vagas eu iria trabalhar com ele. Pela manhã eu trabalhava no cartório e pela tarde na escola.
Lembro perfeitamente que o meu primeiro dia de trabalho no cartório foi no dia 19 de novembro de 1969. Em 1972 fui nomeado por Walter Matos como escrevente do cartório dele. Dez anos depois, em 11 novembro de 1979 foi inaugurado o Fórum da Comarca de Itaituba. Logo depois eu fui nomeado para trabalhar no fórum, onde eu dava expediente de manhã e à tarde ia para o cartório. Só no fórum eu fiquei vinte e cinco anos, sem nunca ter saído do cartório.
Na década de 1980, Walter começou a ter problemas de saúde, o que fez com ele precisasse viajar muito para se tratar em Belém e em São Paulo, e eu fui ficando por aqui. Em 1999 ele faleceu. Naquele período, o diretor do fórum era o Dr. Cláudio Rendeiro, que após a morte de Walter Matos nomeou-me como titular do Cartório do 1º Ofício, até qualquer decisão do Tribunal de Justiça, que mais tarde me efetivou. Assumi a titularidade no ano de 2000.
JC - Ano passado saiu uma notícia que repercutiu, dando conta de que você não era mais o titular desse cartório. Diversas pessoas da comunidade, que lhe conhecem, dentre os quais alguns advogados, lamentaram a decisão do Tribunal de Justiça. Como foi isso e como ficou?
Tito - Na verdade eu não cheguei a ser afastado. Acontece que eu estou com um processo na Justiça Federal, com referência a uma certidão que eu assinei para a Caixa Econômica. O Ministério Público Federal encaminhou o processo para a Corregedoria de Justiça pedindo que eu fosse afastado.
A corregedora tomou uma decisão cessando a minha interinidade sob a alegação de que eu não era concursado. Eu entrei com um recurso pedindo a reconsideração da decisão dela. O processo está no TJ sem que tenha havido nenhuma outra decisão até agora. O meu advogado, o Dr. Semir Albertoni está acompanhando o caso
JC - Walter Matos foi um bom patrão?
Tito - Foi, sim, um bom patrão. Na verdade, ela parava pouco aqui. Ficava mais em Santarém, vindo aqui de vez em quando durante a semana ou nos finais de semana. Nunca tivemos nenhum problema de convivência. Ele era uma pessoa muito boa.
JC – E sua equipe de trabalho tem sido seu braço direito?
Tito – Sim. Ninguém trabalha num serviço desse, sozinho. Tenho tido boas equipes. Atualmente, conto com a ajuda de dois dos meus filhos, que são o Ércio Climério e o Everson Danilo. Tem a dona Odete, que se não me engano, já tem uns trinta anos trabalhando no cartório. Além dos outros servidores, incluindo os que saíram para fazer outras coisas, os quais deram a sua colaboração.
JC - Você é uma pessoa muito conhecida e muito bem relacionada. Porém, é muito discreto...
Tito - Eu sou, sim. Eu não gosto muito de aparecer. Gosto mesmo é de ficar na minha. Quem me procura, eu faço tudo para atender da melhor maneira possível. Eu nunca fui disso. Gosto do meu sítio, gosto muito de pescar. É isso.
JC - Muita gente acha, Tito, que isso aqui é um garimpo sem malária. É mesmo?
Tito - Pode até ter sido, no passado, mas, hoje não é mais. Quando eu entrei no cartório, todo dinheiro que entrava era do dono. Não tinha quase despesa, não tinha imposto para pagar. Pagava os funcionários e o resto era do dono. Agora não, mudou muito. Tem muita coisa para se pagar e precisa trabalhar na linha.
JC – Aos setenta anos, Tito já pensa em aposentadoria. Diz que esse meio século de trabalho o realizou profissionalmente...
Tito – Às vezes eu já penso em me aposentar, porque me sinto cansado de vez em quando. O trabalho de cartório é muito estressante, mas, apesar do estresse, sinto-me realizado profissionalmente. Tenho feito o meu trabalho durante todo esse tempo sem ter criado nenhum inimigo. Quando me deito tenho sempre a consciência tranquila de que nada fiz para prejudicar ninguém. Quando faço uma reflexão da minha vida, olho para trás e vejo que tenho servido a minha comunidade com o meu trabalho, sem envergonhá-la.

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