sábado, março 30, 2019

O lado obscuro do ‘milagre econômico’ da ditadura: o boom da desigualdade

Mesmo com o forte crescimento e criação de empregos no período militar, os salários foram achatados e a distância entre ricos e pobres cresceu


Ditadura militar brasileira
Inauguração da ponte Rio-Niterói
O Brasil polarizado tem reproduzido uma frase que estava na boca de alguns saudosistas de tempos em que notícias sobre violência e economia em marcha lenta pareciam raras.

“Na época dos militares era melhor”, tornou-se bordão de quem viveu aqueles anos, e ignora a repressão e a presença de censores nos jornais da época para filtrar notícias negativas à ditadura.  

A ideia ressurgiu inclusive entre jovens que se anunciam eleitores do  então candidato à presidência Jair Bolsonaro, a partir de 2017, por acreditar que no tempo do regime militar o Brasil era mais alentador do que os dias atuais. Bolsonaro alimenta essa ideia tecendo elogios ao período.

Entre os argumentos mais utilizados pelo candidato e pelos defensores da intervenção para mostrar a eficácia do regime está a conquista do "milagre econômico", que ocorreu no Brasil entre 1968 e 1973. 

De fato, nesta época, o país conseguiu crescer exponencialmente, cerca de 10% ao ano, e atingiu, em 1973, uma marca recorde do Produto Interno Bruto (PIB), que aumentou 14%. O avanço veio acompanhado também de uma forte queda de inflação. A taxa, medida na época pelo Índice Geral de Preço (IGP), caiu de 25,5% para 15,6% no período. 

O que não se explica diante desse número, entretanto, é o fato de o crescimento ter sido muito bom para empresários, e ruim para os trabalhadores. Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares resolveram conter os salários, mudando a fórmula que previa o reajuste da remuneração pela inflação, o que levou a perdas reais para os trabalhadores.

A adoção de uma medida tão impopular só foi possível através do aparato repressivo do regime sobre os sindicatos, que diminui o poder dos movimentos e de negociação dos operários.

Os militares também interferiram em diversos sindicatos, muitas vezes substituindo seus dirigentes. “Foi um crescimento às custas dos trabalhadores”, explica Vinicius Müller, professor de história econômica do Insper. O arrocho salarial acabou aliviando os custos dos empresários e permitiu reduzir a inflação. 

A melhora na atividade econômica se explicava, à época, por uma combinação de fatores. Uma conjuntura mundial mais favorável naqueles anos permitiu crédito externo farto e barato, por exemplo.

O Brasil, por sua vez, criou regras que facilitaram a entrada de capital estrangeiro e investiu num programa de desenvolvimento do parque industrial além de reformas estruturais. O crescimento foi acompanhado pela abertura de novos postos de emprego no mercado formal e da expansão do consumo interno.

Economistas ouvidos pelo EL PAÍS explicam que o milagre aconteceu principalmente regado a dinheiro internacional que aterrissou através da entrada de multinacionais que encontraram no Brasil um terreno propício para a expansão sob a tutela dos militares, e também por empréstimos advindos de fundos internacionais.

Era um ambiente oposto ao do período anterior ao golpe de 1964, quando a grande convulsão política, em plena guerra fria, no país tornava o ambiente econômico incerto e afugentava o investidor. (El País)

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