quinta-feira, janeiro 03, 2019

Análise: Com piora na qualidade de vida, Cuba vive seu pior momento desde 'período especial'

Pessoas passam por pôster que celebra o marco de 60 anos da Revolução Cubana, em Santiago de Cuba Foto: YAMIL LAGE / AFPWASHINGTON — Cuba pode mergulhar numa crise semelhante à do chamado “período especial”, quando a derrocada da União Soviética e o fim do apoio econômico de Moscou à ilha trouxeram fome e privações para os cubanos. Esse período é considerado por muitos o pior momento da ilha desde a revolução de 1959. A atual crise já traz escassez de alimentos e pode gerar uma situação parecida, embora de menor dimensão: 

— Podemos ter um miniperíodo especial, não tão dramático ou intenso, mas com uma piora na qualidade de vida dos cubanos. Já vemos grandes conquistas da revolução, como a saúde e a educação, começarem a se deteriorar — afirmou Ted Piccone, especialista em Cuba do Brookings Institution, em Washington. 

O colapso venezuelano — regime até então mais próximo de Havana — e o giro à direita na América Latina golpeiam a ilha. Um exemplo é o fim da parceria com o Brasil no Mais Médicos. Além disso, Cuba também passou da expectativa de melhora das relações com os Estados Unidos durante a presidência de Barack Obama à hostilidade de Donald Trump. Ele congelou a aproximação, algo que poderia proporcionar alívio econômico à ilha. 

— Somente com o fim do Mais Médicos, Cuba deixará de receber US$ 300 milhões por ano. Há diversos pontos no cenário externo que dificultam a vida dos cubanos — observou o especialista. 

Num cenário já turbulento, a ampliação da retórica do governo Trump contra Cuba — classificada como integrante da chamada “troica da tirania” junto com Venezuela e Nicarágua pelo conselheiro de Segurança Nacional John Bolton — sepulta a chance de evolução na relação bilateral. 

— O novo discurso da Casa Branca não favorece em nada, embora o foco principal dos americanos, neste momento, seja a Venezuela — disse Jason Marczak, diretor do Adrienne Arsht Latin America Center do Atlantic Council. 

Peter Hakim, presidente-emérito do Inter-American Dialogue, centro de estudos na capital americana, acredita que talvez o dado mais evidente dos problemas é que a ilha recebeu em 2018 menos visitantes que no ano anterior, e o turismo é a principal fonte de renda do país. Isso pode ampliar pressões internas: 

— O país passa por uma transição geracional. O ponto que mais me chamou a atenção é que o discurso da celebração da revolução foi feito por Raúl Castro, e não pelo presidente Miguel Díaz-Canel. A Constituição que o país deverá aprovar em referendo em fevereiro não será tão progressista como se imaginava. O casamento gay, por exemplo, não será legalizado. São indícios de que a transição de poder enfrenta problemas — disse Hakim. 

O cubano Arturo López-Levy, professor do Gustavus Adolphus College, em Minnesota, viu no discurso de Raúl Castro a reafirmação da necessidade de unir os cubanos num momento de crise interna. Ter Trump na Casa Branca é o “inimigo ideal” para Havana: 

— O governo Trump deu de bandeja o contexto da hostilidade externa que permitirá ao governo cubano enfrentar a polarização política com o nacionalismo, fazendo um chamado com a bandeira da resistência às imposições das sanções externas — disse ele.

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