quarta-feira, outubro 31, 2018

América do Sul de Moto, Tintim por Tintim, parte 10

Atravessamos a fronteira do Equador com o Peru, no dia 30 de outubro, passando por Huaquillas, que fica na província que tem o nome sugestivo de Ouro (Equador), cidade fronteiriça das maiores que cruzamos, e Águas Verdes (Peru), um pequeno distrito. A separar os dois países há uma ponte sobre o rio Zarumilla. O movimento é intenso durante todo o período do dia em que as duas aduanas estão funcionando.

Ciudad de la Mitad del Mundo - Linha do Equador
Em Águas Verdes paramos para fazer a troca de óleo das duas motocicletas. Lá eu esqueci o GPS que eu quase perdi no dia anterior. Coloquei o meu capacete, as luvas e o GPS num cantinho, enquanto trocavam o óleo da XTZ. Na hora de sair eu não o peguei. Ainda voltei procurando pelo caminho, mas, só muito mais tarde, muito distante dali lembrei-me onde o tinha deixado. Àquela altura não havia chance de retornar. Aliás, eu perdi quase tudo na viagem.

Da fronteira até Tumbes, primeira cidade peruana a distância é menos de 30 quilômetros de estrada impecável. Em poucos minutos a gente estaria lá, se não tivesse parado na metade do caminho para apreciar a vastidão bela do Oceano Pacífico. Eu e o Jadir não resistimos à tentação de molhar ao menos os pés, pela primeira vez na vida, no maior de todos os oceanos.
Mototaxi no Peru
Já passava de uma e meia da tarde quando resolvemos parar numa barraca que vendia comida, para saber o que havia para o almoço e, principalmente, qual o preço, pois à beira mar não costuma haver muita coisa barata. Mas, para nossa surpresa, a especialidade do pessoal era pescado e o preço era muito acessível. Assim sendo, pedimos uma torta de lagostim, coisa que eu nunca tinha comido. Saciamo-nos de verdade, com uma refeição muito deliciosa, pagando por ela o preço que teríamos pago por um prato comum em outro lugar.

Enquanto na Venezuela, na Colômbia e no Equador viajamos quase sempre tendo o verde da Natureza como companhia , no Peru já começamos a enfrentar o deserto logo no começo, com distâncias enormes entre uma cidade e outra.

No deserto no Peru
Passamos por Piúra às 16:30, com pressa. Com tanta pressa que esquecemos de abastecer nossas motos. Não podíamos ter feito aquilo. Às sete da noite, já escurecendo, o Jadir já tinha rodada uns 30 km com a gasolina da reserva; eu acabara de rodar a chave que aciona a reserva do tanque da minha moto. Começou a bater uma preocupação, mesmo tempo em que o tempo foi mudando bruscamente do calor diurno para o frio intenso do deserto.

Paramos no primeiro lugar que apareceu, um restaurante iluminado pela luz de um lampião a gás. Pedimos informações a um rapaz, o qual no disse que o posto de gasolina mais próximo estava distante uma hora de viagem. Disse, também, que o dono do restaurante vendia gasolina; muito cara por sinal, mas, nós não tínhamos escolha. Seria abastecer, ou ficar no prego. Abastecemos, claro.

Continuamos viajando por mais duas horas, enfrentando muito frio e dezenas de carretas no sentido contrário ao da gente, cujos motoristas quase nunca davam luz baixa. Paramos em Lambayaque depois das nove da noite, onde pernoitamos, depois de rodarmos 715 km. Lá conversamos com um peruano, Carlos Gimenez, que nos disse que o Peru e o Chile são dois grandes desertos. Nós tivemos oportunidade de confirmar isso.

O deserto peruano tem formações geológicas distintas. Em alguns pontos predomina um terreno argiloso, enquanto em outras partes o que se vê é areia; tanta areia, que o vento transporta com facilidade para o leito da rodovia. Equipes de limpeza são vistas com frequência afastando a areia da estrada. Outra peculiaridade que eu e o Jadir observamos no Peru são as enormes plantações irrigadas em pleno deserto e um sem número de aviários perto da margem do Oceano Pacífico.

O dia 31 de outubro, uma sexta-feira começou frio. Alias, continuou o frio que fez à noite. Saímos cedo para tentar chegar o mais perto possível de Lima. Às 11:30 começou uma chuva fina que só fez piorar o frio. Eu, que tinha saído sem agasalho, tive que parar, pois estava tremendo. Melhorou, mas não resolveu, porque aquele foi de fato um dia bastante frio. Paramos pouco depois das quatro da tarde para conversar sobre o que fazer diante daquele clima nada camarada. Decidimos que pararíamos no primeiro lugar que tivesse algo parecido com um hotel para passar a noite. Por volta de cinco da tarde entramos na cidade de Huarmey, que fica a um quilômetro e meio do Pacífico.

Mais cedo nos permitimos um pouco de maluquice. Eu e o Jadir resolvemos experimentar como nossas máquinas reagiriam no deserto. Assim, saímos da estrada por alguns quilômetros, sentindo-nos verdadeiros pilotos de rali. No começo foi tudo bem. A certa altura eu parei minha moto e quando tentei largar novamente, patinou legal até encostar a corrente na areia. Mas, aquela parte foi uma pequena festa que nos permitimos. Não houve risco algum, nem danos às motos. Hoje nós conhecemos o mototáxi do Peru, que é bem diferente do nosso, tudo regularizado. É bem mais confortável e existe aos milhares por quase tudo quanto é cidade. Só lembro de não termos visto em Cusco.

Hoje nós paramos na casa de um casal de peruanos simples, que parecem viver muito felizes com a vida que levam. Israel e Marina Castilho moram em pleno deserto, mas, tem água de um poço artesiano que lhes permite ter 18 cabeças de gado leiteiro, além de galinhas, porcos, perus e preás, sem contar o belo jardim da Marina. Jadir, que é oriundo de Santa Catarina, numa região onde o gado leiteiro tem uma produtividade excelente, ficou surpreso quando Israel informou que suas vagas chegavam a dar até 40 litros de leite por dia, o que é mais do que acontece no Sul do Brasil.

À noite, depois de um gostoso banho quente saímos para comer alguma coisa. Paramos na banca da Rosa, que prepara uma saborosa CACHAMBA, um tipo de pastel peruano, bem grande, frito na hora, o qual fica nadando numa grande quantidade de óleo. O cheiro é bom e o gosto também, mas, minha barriga acusou o golpe do excesso de gordura e por pouco a viagem não foi retardada por conta da cachamba. Felizmente, depois de algumas visitas à casinha, durante a noite, amanheci bem na manhã seguinte, pronto para prosseguir nossa aventura, cumprindo o desafio de fazer a volta de motocicleta pela América do Sul. No próximo capítulo, nossa passagem por Pisco, a cidade onde ocorreu um grande terremoto em agosto de 2007.

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