domingo, dezembro 03, 2017

*Professora Jussara Whitaker: "meu partido é a Educação"

A querida professora/doutora Jussara Whitaker concedeu uma entrevista exclusiva ao Jornal do Comércio, por minha solicitação, na qual, por mais de 30 minutos ela falou de sua vida, desde a infância em Presidente Prudente, até aquele momento em Itaituba.

A matéria foi veiculada no dia 14 de abril de 2014 no blog após publicada e circulada no Jornal do Comércio

Esta é um das nossas homenagens a essa pessoa que tanto admiramos.

A foto da matéria foi escolhida por ela, pois era uma de suas preferidas.

Jota Parente
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Jussara Saldanha Whitaker nasceu na cidade de Presidente Prudente, no estado de São Paulo, em 1954. Seus pais eram brasileiros, mas, descendentes de ingleses. Viveu lá até mais ou menos dezoito anos de idade, onde fez seus primeiros estudos. Fez parte do Movimento Revolucionário Oito de Outubro, o conhecido MR8, que combateu a ditadura militar, dentre tantas outras coisas que já fez na vida. Ela, que é uma conceituada educadora do município de Itaituba, diretora da FAT, é destaque nesta edição do Jornal do Comércio.
JC – Quais eram as atividades de seus pais?

Prof.ª Jusssara – Minha mãe era dona de casa e meu pai trabalhava na área de comércio. Ele tinha uma imobiliária e mexia com compra e venda de terras. Naquela época vivia-se o auge dessa atividade no Mato Grosso, assim como acontece hoje em dia no Pará.

JC – Como foi sua infância e adolescência em Presidente Prudente?

Prof.ª Jussara – Eu tive uma infância ótima. Brinquei muito, subi muito em árvores, brinquei de mocinho e bandido, de índio, brinquei na rua e também brinquei de boneca. Tive uma infância muito ativa e aproveite bastante aquela fase da minha vida. Meus pais eram pessoas bastante afetivas, muito amorosos mesmo, que nos ensinaram a amar a família. Eles foram muito importantes, nos ensinando a entender a importância do amor familiar e o respeito pelos outros.
Meu pai gostava muito de História. Incontáveis vezes ele sentou ao meu lado e de minha irmã para discutir com a gente a História do Brasil, com o livro na mão. Então, esse gosto que eu tenho hoje pela História - pois sem ela é difícil entender qualquer relação econômica, social e até afetiva -, eu adquiri nas noites ouvindo meu pai discutir com a gente. Nossa família tinha o hábito de reunir todo domingo para um almoço, merenda da tarde e o jantar. Naquelas ocasiões a gente ouvia música; minhas tias tocavam piano, cantavam. Havia, inclusive, uma tia minha que era cantora lírica. Essa questão da afetividade sempre foi muito importante na nossa vida.
JC – Sua vida escolar começou em Presidente Prudente?

Prof.ª Jussara – Sim. Iniciei meus estudos lá, onde fiz até o segundo grau e comecei a faculdade de Sociologia. Na época era Instituto Isolado da USP. Depois que foi feita uma reforma universitária, os institutos isolados da USP transformaram-se na Universidade Estadual Paulista – UNESP. Não terminei o curso em Presidente Prudente, porque eu pedi transferência para Araraquara, também na UNESP, tendo concluído meus estudos superiores lá.

JC – A família toda mudou para Araraquara, ou apenas a senhora?

Prof.ª Jusssara – Eu fui sozinha, por vontade própria porque eu entendi que lá havia um diferencial no curso de Ciências Sociais, especialmente com relação a duas matérias, Ciências Políticas e Antropologia. Meu desejo, quando terminasse meus estudos era trabalhar como professora de Ciências Políticas. Em Araraquara isso seria possível, pois eu fui trabalhar como assistente de um professor de Ciências Políticas, que era o titular dessa pasta, podendo trabalhar nas pesquisas junto com ele. Então, ele foi o meu mentor. Aquela foi uma decisão acertada que eu tomei.

JC – Sua família continuou morando em Presidente Prudente?

Prof.ª Jusssara – Sim. Meu pai faleceu quando eu tinha entre dezoito e dezenove anos e minha mãe continuou vivendo lá pelo resto de sua vida. Ela morreu há quatorze anos e eu e minha irmã continuamos em Araraquara, onde eu tenho familiares.

JC – De Araraquara qual foi seu próximo destino?

Prof.ª Jusssara – Araraquara foi super importante para mim. Ali eu comecei a desenvolver coisas na minha vida que até hoje refletem na minha maneira de ser, na minha maneira de pensar e nas coisas que eu acredito. Tive oportunidade de ficar muito próximo do movimento estudantil. Fui atuante no Centro Acadêmico e depois participei da primeira diretoria da União Estadual dos Estudantes que havia sido extinta por conta da ditadura militar. Eu representei a UNESP.
            Foi um momento importante, de reconstrução das UEE paulista, em 1976, ainda no tempo da ditadura. Isso me deu oportunidade de conhecer muita coisa, de ter contato com textos da área de Ciências Políticas, de conhecer pessoas, de ter conhecimento de pessoas e autores ligados à política, de entender melhor comportamentos, não só da política estudantil, mas, do Brasil de um modo geral. Então, foi um momento de grande crescimento pra mim nos dois anos que fiquei fazendo parte da diretoria daquela entidade.
            Por causa dessa participação na diretoria da UEE foi aberto outro caminho, por escolha minha, que foi continuar na atividade política. Eu estava ligada nessa época, ao Movimento Revolucionário Oito de Outubro, o MR8 onde eu fiquei durante dezessete anos. Eu sou grata aos companheiros daquele período, porque tive a oportunidade de conhecer um pouco mais o Brasil, um pouco mais da política brasileira.

JC – No MR8 a senhora passou por momentos de tensão, de ameaça de perda da liberdade e sofreu ameaças?

Prof.ª Jussara – Sim. Amigos companheiros meus tiveram uma sorte pior que a minha. Mesmo assim houve momentos de muita incerteza, com intimidações, questionamentos sobre as atividades da gente, monitoramento de cada passo, liberdade cerceada, etc... Enfim, não só dentro do movimento estudantil, mas, depois dele tive que prestar esclarecimentos com certa frequência aos organismos de repressão, tendo que ir a delegacias de polícia. Boa parte do tempo a gente teve que fazer isso na clandestinidade. Então, vivi sobressaltos todos os dias durante o período dessa militância.

JC – Depois de Araraquara qual foi seu próximo destino?

Prof.ª Jussara – Mesmo vivendo em Araraquara eu tinha um pé na cidade de São Paulo onde cumpria uma série de compromissos, inclusive políticos. Em São Paulo eu conheci meu marido, Antônio Manuel, com quem casei em 1980. Tivemos três filhos, Pedro, que mora em Manaus, a Carolina e a Marília e lá eu trabalhava mais na área de pesquisa.

JC – Até que ano a senhora viveu em São Paulo?

Prof.ª Jussara - Fiquei em São Paulo até julho de 1998, quando vim para cá. Cheguei aqui num sábado. Eu lembro que o avião pousou próximo ao meio-dia; fazia um calor imenso, o Sol brilhando com tudo. Recordo que a primeira coisa que meu marido, que já estava aqui há um mês me disse foi, você tem que ver o rio. Depois que você olhar o Rio Tapajós, nunca mais você vai querer olhar para outro rio.
Antes da gente ir para casa, nós fomos ver o rio., Quando a gente descia do aeroporto para a cidade ele me disse que estávamos andando pela Transamazônica, o que me deixou admirada, pois para mim era uma referência literária. Era uma referência muito negativa e era tida essa rodovia como um símbolo da ditadura militar. Senti que estava pisando, que estava caminhando na História. Foi uma sensação estranha.

JC – A senhora teve muitas dificuldades para se adaptar, pois saiu de um lugar onde estava tudo pronto e veio para cá, onde quase tudo estava por fazer?

Prof.ª Jussara – Eu acho que não. Primeiramente eu fiz um pacto comigo mesma, para não olhar nada sob o ponto de vista de socióloga. Eu queria deixar me levar pela cidade. Fui conhecendo as pessoas, e me lembro de que a primeira pessoa que eu conheci aqui foi o Roselito. Fui procurando sentir a cidade. As impressões sobre o local e sobre as pessoas foram chegando devagarinho. Claro que era um outro mundo, uma coisa quase totalmente diferente.
Uma coisa que estranhei foi que naquela época não tinha carne na hora que eu desejava comprar. A questão da energia, que já estava melhor, ainda tinha problemas. Isso me incomodou. Eu até brinco que aqui é realmente o Brasil; lá é a perfumaria. Aqui é o encontro de culturas, de vidas diferentes. Esse processo migratório que a gente vê aqui é muito interessante para criar esse espaço geográfico, espaço humano e social.
Às vezes ainda ficou um pouco magoada quando alguém me diz com certa discriminação, ah, mas, você veio de fora. Mas, ao mesmo tempo eu entendo, porque esse mesmo preconceito que o sulista sente em relação a quem vai do norte, também acontece aqui com quem vem do sul. Um dia isso acaba, mas, é um processo longo.

JC – Qual é o olhar da socióloga Jussara Withaker sobre Itaituba do presente e do futuro que está batendo à porta com esses investimentos públicos e privados?

Prof.ª Jussara – Vejo tudo isso como uma faca de dois gumes, pois se de um lado existe a promessa do que se chama por aí afora de desenvolvimento, com a chegada desses investimentos, por outro lado a gente não tem nada preparado para receber esse impacto. Temos uma cidade e por que não dizer um município totalmente desestruturado, que convive diariamente com diversos problemas urbanos e rurais, citando como exemplo a falta de condições para escoação da produção agrícola. Não temos estrutura para nada, sem saneamento, sem ruas trafegáveis, sem um projeto de recuperação, deficiências na área da saúde, e como vai ser isso quando deslanchar esse processo migratório?
A imigração já existe, já está acontecendo, mas, vai ser muito maior e intensa. Essas pessoas vão precisar ser acomodadas, vão precisar ter assistência em saúde e em educação e isso é muito complicado. Inclusive, hoje já não se fala mais em dormitórios plataforma, onde os trabalhadores dormiriam na área da obra da hidrelétrica. Esse pessoal vai vir para a cidade de Itaituba, inchando-a. Temos mazelas importantes que ainda nem foram curadas, oriundas de processos econômicos anteriores. Hoje, tudo é feito às pressas, de improviso, e assim não funciona direito.

JC – A senhora virou uma amazônida, uma itaitubense?

Prof.ª Jussara – Certamente. Meu projeto de vida é continuar aqui. Hoje eu me sinto muito comprometida com a cidade, com a região, compromissada com o lugar onde trabalho (FAT) e o meu grande partido hoje, embora eu tenha uma filiação de vinte anos no PT, é a educação. A gente só muda as coisas, hoje, pela educação. Não tem outra maneira de transformar realmente. Isso está muito claro na minha cabeça e esta é uma opção de vida.

*Matéria do Jornal do Comércio, edição 184, que está circulando

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