segunda-feira, abril 28, 2014

O primeiro voo dos filhos

Talvez pela falta de segurança real que nos cerca nos dias de hoje, além da insegurança que os meios de comunicação nos colocam todos os dias, nos programas que só faltam fazer escorrer sangue no televisor, os pais têm uma enorme dificuldade em liberar seus filhos para o primeiro voo, com medo de que não consigam voar sozinhos. Nesta angústia, procuram colocar uma gaiola protetora e não permitem a oportunidade para que aprendam a abrir suas asas e experimentar os tombos da realidade desta competição que se chama mundo.
É difícil a separação dos pais com os filhos, pois os pais carregam consigo o temor da perda dos filhos, por isso, vem a dificuldade de ensiná-los a voar e sobreviver através de suas próprias atitudes! Temos medo que lhes aconteçam coisas ruins quando estão longe de nós, do mesmo modo que nossos pais tinham medo quando a gente estava começando a alçar nossos primeiros voos solos.
Veja como um passarinho faz. Quantas vezes ele tenta, quantas vezes ele ensaia o seu voo, e muitas vezes cai e retorna ao ninho, até conseguir dar seu vôo definitivo para o auto-sustento. Os pais, porém, estão atentos, vigiando os predadores de seus filhotes, até que eles saibam voar e sobreviver sozinhos, mas isso não passa de dois ou três dias. Já os humanos levam anos protegendo seus filhos, impedindo-os de experimentar o vôo da autossuficiência vigiada, para que aprendam, desde cedo, as glórias e as dificuldades da vida.
Na realidade, muitos pais querem que seus filhos tenham somente glórias, sem ensinar que, para isso, é preciso aprender a levantar dos tombos e curar as próprias feridas. Têm a impressão que, segurando seus filhos dentro de casa, sob suas asas, sustentando-os com mesadas e dinheiro para suas festas, estão protegendo-os, iludindo-se com um domínio inexistente sobre os filhos. Quando os filhos moram com os pais, estes sabem menos de seus filhos do que quando moram sozinhos, pois se escondem mais quando em casa do que quando estão fora.
À medida que os filhos ficam, por muito tempo, sob a proteção dos pais, os riscos da nulidade são iminentes, presos e moldados como frangos de aviário. Como diz um trecho da canção de Erasmo Carlos: Ei, mãe, não sou mais menino/ Não é justo que também queira parir meu destino/ Você já fez a sua parte me pondo no mundo/ que agora é meu dono, mãe/ e nos seus planos não estão você/ Proteção desprotege
e carinho demais faz arrepender/ Ei, mãe/ Já sei de antemão que você fez tudo por mim/  e jamais quer que eu sofra/ Pois sou seu único filho/ mas contudo não posso fazer nada/ a barra tá pesada, mãe/ e quem tá na chuva tem que se molhar/ no início vai ser difícil/ mas depois você vai se acostumar.
Chamo atenção para essas estrofes, mas, particularmente para a parte que diz que proteção demais desprotege, porque chega um momento em que nós pais podemos estragar nossos filhos com excesso de proteção. Não estou dizendo que não devemos proteger, porque temos que fazer isso. Mas, tudo em excesso prejudica. Inclusive, proteção excessiva, que tolhe a iniciativa do adolescente, ou do jovem que precisar aprender a voar, pois do contrário, teremos que carrega-los pelo resto de nossas vidas e, quando faltarmos em suas vidas, eles baterão com a cara no mundo, e terão que aprender a voar da pior maneira, que será sem a supervisão dos pais.
Não sou contra respeitar as leis de quando um filho deve começar a trabalhar, porém, as primeiras lições de independência no trabalho devem iniciar dentro de casa, o mais cedo possível, com alguns momentos por dia ajudando seus pais nas lidas da casa; estas serão as primeiras lições do saber ganhar o pão com seu próprio sacrifício, para entender, na prática, o que vai enfrentar no futuro, pois, ao contrário do que as leis pregam, uma criança deve brincar bastante, mas também tem que aprender cedo as lições do trabalho. Assim, muitos pais evitariam ter filhos mal resolvidos pelo excesso de protecionismo.
Quantas famílias existem por aí, nas quais os pais não incentivam os filhos a assumirem pequenas tarefas. Eles crescem sem fazer nada, e por causa da permissividade dos pais, ainda se acham no direito de reclamar de tudo e de todos. São filhos mal criados, em todos os sentidos. Não aprendem a voar porque seus pais lhes poupam do menor esforço. A tendência desses filhos, na idade adulta, quando tiverem suas próprias famílias, será de serem tão os mais permissivos do que seus pais foram. E aí, cria-se um círculo vicioso que em nada contribui para que se melhore a qualidade da sociedade em que vivemos, seja onde for. Portanto, estabeleça limites, mas, não atrapalhe o voo dos seus filhos quando chegar a hora deles baterem as asas.
Reflitamos sobre isso.

Marilene Parente, artigo publicado na edição 178 do JC, que está circulando

Nenhum comentário:

Postar um comentário