* Jota Parente - Este
artigo diz respeito direto à minha profissão, mas, deve interessar a todos os
cidadãos adeptos da Democracia. Trata-se da tentativa de estabelecer uma
regulação para a atuação da imprensa no Brasil. Nada a ver com censura.
Regulação e censura são coisas completamente distintas. O assunto começou a ser
discutido no governo do ex-presidente Lula, mas, o mundo quase veio abaixo. O
coro dos protestos foi puxado pelas grandes corporações, como Estadão, Folha,
Editora Abril e Grupo Globo, que defendem uma auto-regulamentação que todos
sabemos que não funciona de jeito nenhum. Mesmo em países onde a Democracia é
muito mais antiga, e países muitos mais desenvolvidos, isso não funcionou dessa
maneira.
Li um artigo do jornalista Paulo
Nogueira, que mora em Londres, tratando do assunto. Ele conta a experiência dos
ingleses nesse campo, citando que isso já acontece em países nórdicos como a
Dinamarca. Aliás, esses países da Escandinávia estão sempre na vanguarda de um
monte de coisas. Eis que o diz Paulo Nogueira:
"Acompanhei,
em Londres, o trabalho sereno, lúcido, inteligente do juiz Brian Leveson,
incumbido de comandar as discussões sobre a mídia britânica. Leveson, para
lembrar, foi chefe de um comitê independente montado a pedido do premiê David
Cameron depois que a opinião pública disse basta, exclamação, às práticas da
mídia. Já havia um mal estar, parecido aliás com o que existe no Brasil, mas a
situação ficou insustentável depois que se soube que um jornal de Murdoch
invadira criminosamente a caixa postal do celular de uma garota de 12 anos
sequestrada e morta. O objetivo era conseguir furos.
"Leveson
e um auxiliar interrogaram, sempre sob as câmaras de televisão, personagens
como o próprio Cameron, Murdoch (duas vezes), editores de grande destaque, políticos
e pessoas vítimas de invasão telefônica, entre as quais um número expressivo de
celebridades.
Em seu relatório final, Leveson
recomendou a criação de um órgão independente que fiscalize as atividades
jornalísticas. Os britânicos entendem que a auto-regulação fracassou. O
“interesse público” tem sido usado para encobrir interesses privados, e a
“liberdade de expressão” invocada para a prática de barbaridades editoriais.
Um
grupo de políticos conservadores publicou uma carta aberta que reflete o sentimento
geral. “Ninguém deseja que nossa mídia seja controlada pelo governo, mas, para
que ela tenha credibilidade, qualquer órgão regulador tem que ser independente
da imprensa, tanto quanto dos políticos”, diz a carta.
Este
Diário defende vigorosamente isso no Brasil, aliás: um órgão regulador
independente - sem subordinação a governo nenhum e nem a políticos de qualquer
naipe. Mas, vital - também independente
das empresas de mídia. A Inglaterra marcha para isso, e a Dinamarca - ah,
sempre a Escandinávia - já tem um sistema exemplar desses há anos. A
auto-regulação é boa apenas para as empresas de mídia. Para a sociedade, como
se observou na Inglaterra e como se observa no Brasil, pode ser muito danosa.
Você
vê Leveson e depois vê nossos juízes do STF e o sentimento que resulta disso é
alguma coisa entre a desolação e a indignação. Por que os nossos são tão
piores?
Leveson,
para começo de conversa, fala um inglês simples, claro, sem afetação e sem
pompa. Não se paramenta ridiculamente para entrevistar sequer o premiê: paletó
e gravata bastam. Ninguém merece a visão das capas que fizeram Joaquim Barbosa
ser chamado, risos, de Batman. Leveson guarda compostura, também. Se ele fosse
a uma festa de um jornalista com um interesse tão claro nos debates que ele comanda,
seria fatalmente substituído antes que a bagunça fosse removida pelas
faxineiras.
Pesquisa
divulgada no final do ano passado informa: Nada menos que 80% dos brasileiros
declararam-se preocupados com a concentração dos meios de comunicação nas mãos
de um pequeno número de empresas privadas. Segundo a consulta, divulgada pela
BBC, os entrevistados acreditam que este controle "pode levar à exposição
das visões políticas dos donos no noticiário". Para estudiosos, o dado
afeta a credibilidade das corporações de comunicação".
O Brasil confia, desconfiando de sua
imprensa, e isso é ruim, pois esse setor é vital para a manutenção e, no nosso
caso, para o amadurecimento da Democracia. Os grandes conglomerados alardeiam
que haverá censura e, em consequencia, quebra da liberdade de imprensa. Eu
prefiro acreditar que já amadurecemos bastante para separar as coisas. Não dá
mais para conviver com isso, com os gritos a favor da liberdade de imprensa, enquanto
os sussurros convidam à discussão sobre a responsabilidade cabível ao mau
jornalismo e como este deve ser apropriadamente repreendido.
O
jornalismo brasileiro é um exemplo notório de simplismo, sensacionalismo, má
apuração e rendição ao mercado. Enquanto esbravejamos a favor da liberdade de
imprensa, nós, jornalistas, estamos na maioria das vezes certos, mas já não
conseguimos nos esquivar da evidente decadência do jornalismo que fazemos e da
urgência de mudanças. De onde virão essas mudanças ainda é incerto, mas o
Brasil merece, por medidas responsáveis e efetivas, tanto uma imprensa mais
livre como uma imprensa menos libertina. Por isso, eu sou a favor da regulação
da imprensa, para que a gente continue tendo liberdade plena de imprensa, mas,
para que acabe a libertinagem da imprensa.
* Editor chefe do Jornal do Comércio, artigo que está na edição 159
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