Aquele dia 25 de novembro de 2008 eu jamais vou esquecer. Não há como olvidar, tantos e tão perigosos que foram os acontecimentos. Durante o almoço, em Araguaína, eu o Jadir conversamos sobre como agiríamos quando chegasse a parte que prometia ser a mais complicada da viagem, a partir do momento em que terminasse a estrada de asfalto e a gente entrasse na Transamazônica, o trecho onde ela é estrada de chão. Assumimos o compromisso mútuo de não viajar nenhum minuto por ela quando a noite se aproximasse. Saímos de lá com essa determinação.
A estrada que vai de São domingos do Araguaia até Marabá estava em ótimas condições. Isso ajudou a que a gente entrasse na maior cidade do Sul do Pará um pouquinho antes da cinco da tarde. Às cinco já estávamos com as motos paradas em uma oficina para a troca de óleo e ajuste da corrente.
O serviço terminou às 17:50, quando a tarde findava. Virei para o Jadir e falei: amigo, vamos procurar um hotel para a gente pernoitar. Ele parecia mais apressado do que eu. Tanto que retrucou dizendo que a gente deveria continuar para ganhar terreno. Perguntamos para a dona da loja de peças para motos que fica ao lado da oficina, qual era a próxima cidade, ou povoado onde pudéssemos dormir. Ela respondeu que era Cajazeiras, distante mais ou menos 40 quilômetros de Marabá.
Eu devia ter insistido na necessidade da gente dormir em Marabá. Mas, não fiz isso. E lá fomos nós rumo a Cajazeiras. Porém, havia um arame no meio do caminho. Um arame que mudaria completamente o curso da última parte da história da Expedição Itaituba-Amazônia. Aconteceu a uns cinco quilômetros depois que acabou o asfalto da Transamazônica, sentido Itaituba. O tal arame entrou no pneu traseiro da moto do Jadir, que começou a rabear à minha frente.
A luz do dia já tinha se esvaído, o que só tornou as coisas muito mais difíceis. Esperamos por uns quinze minutos para ver se algum motorista ou algum motoqueiro parava. Mas, daquele lugar onde estávamos, até a margem do Rio Xingu, ninguém para ninguém, especialmente se for de noite, pois é comum acontecer assaltos seguidos de morte. Os bandidos gostam de Bros, o modelo da moto do Jadir. Mas, não dispensariam uma XTZ. Como ninguém parou e a gente não poderia ficar ali parado, comendo poeira até de manhã, eu fui tentar encontrar socorro. Bati em algumas fazendas, mas ninguém apareceu.
Já meio sem esperança de que alguém botasse a cara do lado de fora de alguma casa, bati em mais uma, cuja casa ficava distante uns 150 metros da margem da rodovia. Apareceram uns cachorros muito bravos, que se não fosse pelo robusto portão teriam feito um estrago muito grande em mim. Até que um homem aparentando uns trinta e poucos anos apareceu perguntando o que eu queria.
Eu sou do bem, amigo. Estamos em duas motos, eu e um amigo meu. O pneu da moto dele furou e não conhecemos nada por aqui. Gostaria de saber se poderíamos guardar a moto do meu amigo aqui, para tirar o pneu furado e levá-lo para consertar na borracharia mais próxima. O homem quis saber de onde eu era. Disse que vivia em Itaituba. Então, ele falou era de Itaituba e que sua mãe ainda morava na 29ª Rua, no Piracanã. Isso me deixou animado, achando que tinha batido na porta certa. Mas, enganei-me, pois a única coisa que ele fez foi dizer que havia uma borracharia a uns cinco quilômetros dali, uma vez que é comum a bandidagem fazer isso tipo de abordagem.
Sem alternativa, lá fui eu em busca da tal borracharia que não aparecia nunca. Chegando lá, o cara que estava de plantão informou que não poderia deixar seu posto de serviço. Pediu que a gente desse um jeito de tirar o pneu e levar para ele consertar. Fazer o que, se não, dar meia volta e retornar para onde estava o Jadir, para ver que providência outra poderíamos tomar.
No retorno para o local onde o Jadir estava começou a dar tudo errado. Primeiro, queimou a luz alta da minha moto. Ora, quem anda de moto em estrada de chão sabe o quanto é difícil pilotar à noite com tudo em ordem. Quando queima a luz alta, a situação fica muito pior. Eu não tinha como correr. No máximo uns 50 km/h, na ida. Uma vez que depois que queimou a luz baixa, corri menos ainda. Foi por causa da luz alta queimada que o pneu dianteiro da minha XTZ entrou num desses caminhos de cobra que a água da chuva faz na lateral da estrada. O pneu da moto entrou no caminho de cobra e eu entrei pelo cano. Ali terminava a pilotagem do Jota Parente naquela expedição.
Como em qualquer acidente, aconteceu tudo muito rapidamente. Quando dei por mim, estava virado em sentido contrário ao que eu pilotava no momento da queda, com a moto por cima de mim. Com o baque, fiquei zonzo por alguns segundos. Certamente bati com a cabeça no chão, mas, o capacete que eu usava era de qualidade muito boa, o que evitou prováveis traumatismos cujas conseqüências não dá para prever. Tentei levantar-me, mas, o pé esquerdo estava preso no mata-cachorro, que tinha entortado quando tombei para esse lado. Só com muita dificuldade e uma boa dose de paciência consegui retirá-lo.
Com o pé esquerdo livre, tentei apoiar-me com o braço esquerdo, mas, uma dor lancinante percorreu meu corpo a partir do ombro esquerdo. Logo vi que havia algo de errado. A primeira preocupação foi alguma fratura. Isso tornou minha saída de debaixo da moto muito mais difícil e sofrida, pois só podia contar com o meu lado direito. Mas, até que enfim consegui. Antes de afastar-me da moto tive o cuidado de fechar a passagem de gasolina para o carburador, para diminuir ao máximo a chance de um incêndio.
A partir daquele momento fui para a beira da estrada, na ilusão de que algum filho de Deus pararia diante de meus acenos. Porém, dos cinco carros que passaram por lá, quatro não se deram ao trabalho de diminuir a velocidade e um ameaçou botar o carro para cima de mim, como forma de intimidar-me.
Mesmo com as fortes dores que sentia, o que embotava o raciocínio, imaginei que teria que amanhecer naquele lugar, deitado por cima de umas moitas de capim. Aí, quando chegasse o dia, certamente seria socorrido por quem quer que fosse.
Enquanto eu sofria as primeiras conseqüências do acidente, o Jadir se consumia em preocupação, uma vez que eu estava demorando demais para voltar. Ele deduziu que alguma coisa tinha saído errado para eu não ter chegado ainda. Por isso, mesmo com toda dificuldade saiu empurrando sua moto por mais de um quilômetro até parar em uma pequena casa de comércio que tinha apenas uma luz fraca acesa, a qual eu não tinha visto quando por lá passei.
Ao chegar ao comércio o Jadir identificou-se, resumiu a história da nossa aventura, na tentativa de convencer o dono, que tinha uma camionete C 10 com carroceria de madeira, em condições de prestar socorro. Mas, temendo que se tratasse de mais um assaltante, tão comum naquela área, o comerciante foi colocando uma dificuldade atrás da outra. Meu amigo insistiu até que ele se convenceu, colocou a família inteira no carro, subiu a moto do Jadir para a carroceria e foi à minha procura.
Quando vi a camionete a uma distância de uns 500 metros eu fui para a estrada, já um tanto desesperado, para pedir socorro. O carro se aproximou devagar, mas, não parou. Entretanto, eu vi uma moto em cima, o que me deu esperanças e ouvi bem o Jadir gritar: É o meu amigo! É o meu amigo! Pare, por favor, pare! Quando já tinha passado uns cem metros o motorista parou e deu marcha-ré, convencido que já estava de que eu não oferecia perigo e que o Jadir estava falando a verdade. Desceu todo mundo do carro, o Jadir, o motorista e a mulher dele, e trataram de levantar minha moto para colocá-la em cima do carro.
Como eu estava machucado, não sendo possível determinar se havia, ou não, uma fratura, a medida mais correta teria sido voltar para Marabá, onde existe uma boa assistência médica. Mas, não, a gente foi para Itupiranga, cidade que fica a uma distância de sete quilômetros da margem da estrada, mais ou menos a uns vinte quilômetros de onde eu sofri o acidente.
Naquele exato momento, o sistema de saúde da cidade estava um caos absoluto. Ortopedista? Necas! Raios-X? Necas! No hospital municipal para onde fui levado, só havia gaze, mertiolate e dipirona. Nada mais. A única coisa que o auxiliar de enfermagem de plantão fez, que qualquer pessoa poderia fazer, foi cortar a camisa de mangas compridas que eu estava usado e providenciar uma tipóia para meu braço esquerdo. Depois que saímos de lá O Jadir comprou quatro comprimidos de voltarem, que eu comecei a tomar imediatamente.
Esse sofrimento ainda estava muito longe de acabar. Eu ainda teimaria em continuar a viagem de moto, mas, isso fica para o próximo capítulo.
* Na edição 103 do Jornal do Comércio que circula nesta terça, 01/06, bem cedo
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