Essa nova experiência que realizei, que consistiu em fazer uma viagem de motocicleta percorrendo todo o Brasil, sozinho, foi mais um aprendizado muito interessante, que acrescentou muita informação ao meu cabedal de conhecimentos. Foi mais que natural que eu tenha sentido muita falta da companhia de meu prezado amigo Jadir, meu companheiro na expedição anterior, o qual não pôde estar junto agora, pelos motivos que já expliquei em artigos e matérias anteriores. Ao sair de Itaituba, era a Expedição Cone Sul. Como mudei o itinerário, virou o Viajante Solitário da Expedição Brasil.
Nesta matéria eu vou fazer um resumo dos acontecimentos da expedição solitária, que no projeto inicial visava chegar até a cidade de Concepción, a mais atingida pelo terremoto de 27 de fevereiro, que atingiu o Chile. Antes, passaria pelo Uruguai e pela Argentina. Mas, o trajeto previamente estabelecido foi modificado no decorrer de seu percurso por motivos diversos que serão explicados oportunamente.
De qualquer forma, cheguei ao extremo Sul do Brasil, só não indo a Montevidéu, capital do Uruguai, porque uma forte frente fria estava baixando a temperatura naquele país, a qual chegou mais tarde ao Rio Grande do Sul, ao Paraná e a Santa Catarina. Para Montevidéu estava prevista uma temperatura de 9 graus, na quarta-feira, 21 de abril, quando eu deveria estar chegando lá. Isso é demais para um caboclo da Amazônia, acostumado a temperaturas elevadas, embora na Expedição Itaituba-Amazônia, eu e o Jadir tenhamos enfrentado temperaturas bem abaixo de 9 graus, coisa da qual não sinto a menor saudade. Dos lugares por onde andamos, sim; das temperaturas baixas, não.
A expedição que encerrei segunda-feira, 26 de abril, começou com a viagem de barco para Santarém, depois, novamente de barco para Belém, que para mim foi uma coisa nova, uma vez que mesmo com meus 59 anos completos, sendo caboclo nascido e criado nesta região, nunca tinha viajado de barco até a capital do nosso Estado. O lugar mais longe onde eu tinha ido de barco, tinha sido até Praínha.
Quando eu deixe a moto no barco Joana D’Arc, antes da viagem para Santarém, o alarme disparou até zerar a bateria. O resultado não foi nada bom, pois ao chegar à Pérola do Tapajós eu contratei dois carregadores para tirar a XTZ do barco, acertando que eles deveriam ajudar-me a fazer a moto pegar, empurrando-a. Tinha começado a chover quando iniciou nossa penitência. Eu já estava com pena dos caras, até que em dado momento ela pegou, para alívio deles, e meu também.
No barco grande que o pessoal chama de Navio Santarém eu embarquei no sábado, dia 3 de abril, com um dia de atraso, conquanto o dia da saída do mesmo seja sempre às sextas-feiras. Como era Semana Santa, o dono decidiu feriar e marcar a viagem para um dia depois de Sexta-feira da Paixão.
Graças ao querido amigo Ruy Correa, com quem trabalhei na Rádio Tropical de Santarém, consegui um belo desconto com seu tio Paulo Correa e dessa forma pude ir de camarote, o que além de mais confortável, foi muito mais seguro. No Navio Santarém o alarme disparou umas quatro vezes, porque as pessoas mexiam na moto. Não descarregou totalmente a bateria. Mesmo assim, não foi muito fácil fazê-la pegar quando desci em Belém.
No navio eu conheci três gringos que ajudaram bastante a passar o tempo. O Luke, um inglês que mora em Notinham, a terra onde se originou a lenda de Robin Hood, o qual trabalha com investimentos em bolsas. Ele só fala seu próprio idioma. A Francesca, uma italiana que trabalha onze meses por ano para viajar nas férias. Ela já passou uns tempos na Índia, no Nepal, no Vietnam e em outros países asiáticos. Estava fazendo sua primeira viagem pela América do Sul. Alem do italiano, ela fala muito bem, Inglês e Espanhol. E a Marieka, uma holandesa de 22 anos de idade, que está no quarto ano de medicina, que fala muito bem Inglês. Eu tive uma grande oportunidade para exercitar meus conhecimentos dos dois idiomas, Inglês e Espanhol.
Como a saída de Santarém atrasou algumas horas, furou a previsão de chegada a Belém na segunda-feira bem cedo. Chegamos somente aconteceu às onze da manhã, de segunda-feira, 05/04, o que aumentou o meu atraso da viagem em um dia e meio. Só consegui deixar o porto quando já passava de meio-dia, pois além do trabalho para fazer a moto pegar, ainda tive que amarrar a bagagem. Estava bastante destreinado.
Sair da cidade de Belém ao meio-dia, rumo à BR 316 não foi nada fácil. O trânsito estava muito complicado até chegar à Almirante Barroso. Chegando lá, mesmo precisando ser extremamente atencioso, pois estava começando naquele momento a enfrentar aquele tipo de fluxo, depois de um ano e meio de nossa expedição passada. Mas, uma vez na Almirante Barroso, com todo cuidado, a viagem começou a andar de verdade.
Até a entrada de Santa Isabel o tempo estava ajudando. Porém, assim que passei daquele local, uma chuva grossa me pegou pra valer. Foi o batismo na Expedição Brasil. Ainda bem que não foi demorada, mas, outras chuvas finas ainda me incomodariam até o final da noite, pois eu não colocara a capa até aquele momento.
Depois de Capanema eu tive a companhia de um motoqueiro, que é mototaxista naquela cidade paraense. Ele estava indo para Boa Vista do Gurupi, já do lado maranhense. Ele se chama José Cardoso e ia ver sua namorada. O cara namora longe de casa pra burro. Naquela cidade ele pediu para eu parar para ele pagar uma coca. Desejou-me boa viagem e eu não me demorei mais do que o tempo para tomar o refrigerante.
Depois de Maracaçuné, no Maranhão, vi o primeiro acidente. Que acidente terrível foi aquele! Uma jovem senhora da pequena cidade chamada Maranhãozinho, às margens da BR 316, que tinha ido passar o feriado da Semana Santa com seus pais, dirigia seu carro na direção de Belém. Em sentido contrário vinha outro automóvel com dois policiais civis de Maracaçuné. Numa reta, com asfalto bom, o carro dos policiais rodou. A senhora pegou o carro deles no meio, morrendo os três envolvidos no acidente, na hora. Se é que a gente só morre mesmo no dia determinado, aquele foi o dia daquelas três pessoas, pois não houve explicação razoável para o acidente.
Quando eu cheguei a Maranhãozinho estava começando a escurecer. Procurei alguém para pegar informações a respeito de hotel, pois não queria viajar à noite, de jeito nenhum. Um senhor mostrou-me onde tinha um e eu quis saber o por quê de tanto movimento num tempo da igreja Assembléia de Deus, que ficava bem perto do hotel. Ele me informou que a mulher que morreu no acidente teria seu corpo velado ali. Nessa hora eu decidi ir mais adiante, pois numa cidade pequena como aquela, o único assunto da noite e do dia seguinte seria aquele. Por essa razão eu rodei por mais quinze minutos até Presidente Médici.
Eu acho que estreei uma pousada que tinha acabo de ser inaugurada. É um lugar que foi feito para ser de alta rotatividade, mas, eu penso que ninguém tinha usado nenhum cômodo, pois a inauguração acontecera no domingo, um dia antes, com uma grande festa na qual foram vendidas 84 grades de cerveja. Nem o nome tinha sido pintado ainda.
No dia seguinte, em Santa Inez, onde eu parei para abastecer a moto e para tomar café, notei que se aproximava alguém muito parecido com um amigo de Itaituba, companheiro de muitas jornadas políticas nos tempos de Wirland Freire. Quando chegou mais perto, tanto eu tive certeza que se tratava de Chico Curica, como ele teve certeza que tinha encontrado mesmo do Jota Parente, tão distante de Itaituba. Ele me disse que estava fazendo linha de uma cidade vizinha para Santa Inez, estando satisfeito com o trabalho que estava fazendo.
Fui direto para Tianguá, onde tinha programado dormir. Cheguei lá às sete da noite, já com noite escura. Queria encontra Rita Parente, prima em segundo grau. Deu algum trabalho, mas encontrei. Estranhei a mudança de temperatura, pois em 1976, quando eu estive naquela cidade pela primeira vez, tive que me embrulhar com um cobertor grosso. Desta vez, um cobertor fininho resolveu o problema.
Na manhã seguinte de quarta-feira, 7 de abril, eu desci a Serra Grande, ou Serra de Ibiapaba, para fazer algumas visitas. A primeira delas foi a Ubaúna, onde moram irmãos e outros parentes de Luis Gomes, da LG Materiais Elétricos. O Chicó não estava, mas, eu consegui encontrar o Valdinar.
De Ubaúna fui direto para Mucambo, pequena cidade do Ceará onde residem os pais dos empresários Osmarino, Murilo, Nicodemus e Creuza Parente, cuja mãe tem o sobrenome Parente. Por coincidência, o Luzimar, irmão dos empresários citados, que morou muitos anos em Itaituba, estava com seus pais. Batemos um longo papo. O Luzimar disse para sua mãe que a raiz da família Parente naquela região do Ceará é uma só. Portanto, alguma dúvida que pudesse haver a respeito do nosso parentesco foi tirada nesse encontro que tivemos. Isso é coisa de quem tem o sangue nordestino, principalmente, sangue cearense como eu tenho. A gente gosta descobrir, de conhecer e de visitar os parentes, onde eles estiverem.
Depois de cumprida essa importante parte da agenda, o próximo passo seria chegar o mais depressa possível a Santa Cruz do Capibaribe, cidade que vive quase exclusivamente em função da produção de confecções. Não vou me alongar a respeito deste assunto, que merecerá uma reportagem especial na próxima edição do Jornal do Comércio, pois essa foi a razão de eu ter ido até lá. De qualquer modo, não posso deixar de registrar que fui muito bem tratado, recomendado que fui pelo empresário Jaime Sousa, da loja Império das Modas.
De Santa Cruz continuei descendo rumo ao Sul do País, parando somente para fazer algumas pelo caminho e para dormir. A exceção foi Cachoeiro do Itapemirim, cidade onde nasceu o Rei Roberto Carlos. Não poderia deixar de ir até a casa onde ele nasceu, a qual hoje faz parte do patrimônio histórico daquele município. Fiz várias fotos, peguei todas as informações que precisava e este assunto também vai ser motivo de uma matéria especial no Jornal do Comércio, com fotos que somente o JC tem em toda esta região. Quem gosta do Rei não perde por esperar.
A essa altura eu já tinha bastante pressa para voltar para casa, mas ainda havia muito chão pela frente. Por enquanto, não tinha mudado nada no projeto. Isso só aconteceu quando eu cheguei a Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, quando parei para fazer um balanço da expedição. Vi que estava muito atrasado, embora nos últimos dias tivesse avançado bastante, passando a maior parte do dia em cima da moto. Foi lá que decidi que não iria mais até Concepción. No máximo chegaria à Argentina. Toquei para frente, tendo chegado a Bagé, no extremo sul do Brasil, às cinco horas da tarde do sábado, 17 de abril.
Até então eu continuava querendo ir ao Uruguai e à Argentina. Foi em Bagé que decidi cortar os dois países do roteiro para poder voltar logo para casa, pois Itaituba estava fervilhando com tantos acontecimentos no mundo político. O diploma de Roselito tinha sido cassado, tinha sobrado para Sílvio Macedo, que assumira o cargo de prefeito após a renúncia de Roselito Soares, enquanto Valmir aguardava a diplomação e a posse.
Rodei muito, pois comecei a viagem de volta na terça-feira, 20 de abril, tendo chegado a Belém do Pará, sábado, às quatro da tarde. Na quinta, 22, eu rodei 1046 km, tendo ficado o dia todo sentado na XTZ, parando somente para abastecer. Quando parei na cidade de Talismã, a primeira do Tocantins, ao Sul de Goiás, estava exausto. Segunda, 26 de abril, quando cheguei a Itaituba pela Trip, a festa da diplomação e posse do novo prefeito Valmir Clímaco já tinha terminado, uma vez que o vôo atrasou. Chegamos a Itaituba depois de dez da noite.
Como disse no começo, este foi apenas um ligeiro resumo do que aconteceu durante a viagem na qual fiz a volta pelo território brasileiro, fazendo o percurso de ida pela maravilhosa costa tupiniquim e retornando pelo centro do Brasil. Logo após o encerramento da série A Expedição, tintim por tintim, que deve ter mais dois ou três capítulos, o Jornal do Comércio iniciará a nova série intitulada O Viajante Solitário da Expedição Brasil.
Por fim, quero agradecer, mais uma vez, a todos os que participaram deste projeto como parceiros comerciais, cujos nomes o Jornal do Comércio muito honrou-se em divulgar em edições passadas. Não fosse por vocês, nada disso teria acontecido.
Muito obrigado a todos os que acreditaram, mais uma vez.
Fonte: Jornal do Comércio - Edição nº 101
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