segunda-feira, maio 31, 2010

Ficha Limpa *

Só mesmo uma pressão popular muito forte, reforçada pelo amplo apoio que toda a mídia nacional deu, poderia levar o Congresso Nacional aprovar o badalo Projeto de Lei intitulado de Ficha Limpa, como aprovou. Havia muito ceticismo porque isso significou, em parte, legislar contra a própria causa, pois dependendo do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, a lei poderá ter efeito retroativo.

Ainda falta o presidente da República sancionar, mas, o veto ao texto aprovado pelo Congresso há pouco mais de uma semana não passa pela cabeça de ninguém, muito menos a do presidente Lula, pelo histórico da sua vida, seja como líder sindical, ou como político, em ano de eleição, com a candidata que ele quer eleger para o seu lugar subindo nas pesquisas. Lula não vai de encontro à maré da opinião pública.

Trata-se de um grande avanço da sociedade brasileira na tentativa de por um freio na corrupção que é um grande mal, o maior de todos, da política nacional. Um freio, pois embora o ideal fosse acabar completamente com essa praga, isso é impossível.

Se fosse possível acabar com a corrupção de uma vez por todas, não haveria corruptos na administração pública dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Alemanha e do Japão, pois lá eles vão para a cadeia quando são flagrados roubando o erário público. E o que dizer da China, país onde é comum corruptos serem condenados à morte. Eles existem por lá, mas, por causa do rigor com que a corrupção é combatida, o índice é menor do que em nosso país.

Avanços como a Lei do Ficha Limpa são sempre muito bem vindos, porque renovam a esperança de que nem tudo está perdido. Mas, esses avanços demoram muito a acontecer, o que gera descontentamento da sociedade, que gostaria que as mudanças ocorressem com muito mais rapidez. Entretanto, talvez seja melhor assim do que o açodamento que pode gerar leis mal elaboradas.

Nesse particular do controle das contas públicas, que passa por uma fiscalização mais rigorosa da aplicação dos recursos públicos, muita coisa mudou para melhor nos últimos quarenta anos. O aperto maior começou do final do regime militar (1985) para cá. Nos tempos da ditadura havia corrupção, sim. Só não se podia publicar nada na imprensa por causa da censura.

A prova mais contundente de que a gente está no caminho certo no combate à corrupção está no grande número de políticos que tem sido condenados, incluindo vários da região Oeste do Pará. De Almeirim a Jacareacanga existem políticos impedidos de disputar uma eleição por terem sido condenados por má gestão ou por malversação do dinheiro público.

Aracy Bentes (Almeireim), João Ferreira (Alenquer), Leon Correa, Milanez Pinheiro, Reginaldo Maia e Cabano (Aveiro), Aprígio Pereira da Silva (Rurópolis), Dedé (Trairão), Edilson Botelho, Benigno Reges e Maria Alves (Itaituba) e Eduardo Azevedo (Jacareacanga) são exemplos de que os tempos mudaram. Além desses, há outros na marca do penalty, cujas contas ainda estão sendo analisadas, mas, que quase com certeza irão engrossar esse bloco.

A pressa do cidadão comum exige punição imediata de todos os corruptos. Mas, é preciso compreender que há prazos a serem cumpridos pela Justiça no trâmite dos processos. A pressa desmedida pode gerar equívocos que redundem em argumentos protelatórios para os advogados de defesa, ou mesmo em erros de interpretação. Ninguém que defenda a aplicação da lei quer que nenhum cidadão seja julgado de forma açodada.

Quem está começando agora a lidar com administração da coisa pública – e nesse caso refiro-me diretamente ao prefeito Valmir Clímaco, que está há um mês no cargo – precisa prestar atenção ao que tem acontecido aos políticos que passaram os pés pelas mãos. Ordenador de despesas, como é o caso de prefeito e presidente de câmara, até podem fazer o que der na cabeça. Mas, certamente irão pagar pelos erros cometidos. Nesse caso, pagar mesmo, pois têm sido comum os bens de ordenadores de despesas serem declarados indisponíveis para que o erário público seja ressarcido.

Nem todos os políticos, hoje chamados de Ficha Suja, condenados pela Justiça, meteram a mão no dinheiro público. Alguns, na pressa de fazer obras ou fazer a máquina pública andar, no peito e na marra, deixaram de cumprir exigências legais como licitações. Estão pagando caro por isso. Portanto, aqueles que pretendem continuar na vida pública por longos anos, precisam entender que a administração pública tem o seu próprio rito. Quem chega lá, quem assume a responsabilidade de gerenciar um município, um governo de estado, ou uma câmara municipal precisa adequar-se aos ditames da administração pública. Qualquer coisa fora desse contexto pode sujar a ficha do político, mesmo que ele não tenha desviado para seu bolso um centavo dos cofres públicos. Para continuar sendo político Ficha Limpa, como vai ser exigido em pouco tempo, é necessário muito equilíbrio na condução de um governo.

Jota Parente

* Artigo publicado na edição 103 do Jornal do Comércio, que circula nesta terça, 01/06, bem cedo.

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