segunda-feira, março 23, 2009

Ciência x Religião *

O assunto é pra lá de polêmico porque envolve ciência e religião. Refiro-me ao caso da menina de apenas nove anos de idade, de Recife, estuprada pelo padrasto, a qual engravidou de gêmeos. O caso ganhou grande repercussão e não era para menos, tal a sua gravidade. Felizmente o infausto está na cadeia, onde deve ficar por muito tempo. Se a lei brasileira permitisse, o melhor castigo para ele seria a castração.
Mas, quero tratar da discussão que se travou em nível nacional e até no exterior, por causa do aborto feito por uma equipe médica da cidade de Recife, trabalho que gerou a medida extrema da excomunhão de todos os envolvidos no ato médico, além da mãe da menina.
Sou contra o aborto, só o aceitando nas situações contempladas pela legislação, pois na minha concepção, a mulher é realmente a dona do seu corpo e pode fazer com ele o que bem entender. Mas, nós mulheres não somos donas das vidas que nós geramos. Entretanto, o caso da menina de Recife é uma dessas situações especiais, sobre a qual cabe uma análise mais profunda.
Católica que sou, achei de pronto que a posição do arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho foi exagerada. Mesmo sem conhecer a Lei Canônica, não tive dúvidas a respeito disso. E tenho convicção de que um percentual muito grande de católicos pensou da mesma forma que eu, embora tantos outros tenham pensando diferente.
Dom José não se negou a falar com a imprensa, mas não conseguiu dar uma resposta convincente, quando foi confrontado com o dilema seguinte: se a gravidez continuasse, a menina tinha tudo para morrer; então, como dar prosseguimento à mesma?
Muitas vozes se levantaram em favor do arcebispo de Olinda e Recife, tanto aqui no Brasil, como lá fora. Mas, ele também sofreu críticas severas e de gente graúda da Igreja Católica; gente do Vaticano, o que fez com que sua decisão fosse colocada em cheque.
Em artigo publicado sábado, 14 de março, no jornal "L'Osservatore Romano", do Vaticano, o presidente da Pontifícia Academia para a Vida, monsenhor Salvatore Rino Fisichella, afirmou que, antes de pensar na excomunhão dos envolvidos no aborto feito na menina brasileira de 9 anos, que ficou grávida de gêmeos após ser violentada pelo padrasto, "seria necessário e urgente salvaguardar sua vida inocente". Foi uma crítica indireta à posição do arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, que anunciara a excomunhão de todos.
"Antes de pensar em excomunhões seria necessário e urgente salvaguardar sua vida inocente, devolvendo a ela um nível de humanidade", escreveu monsenhor Fisichella. Para o representante do Vaticano, a menina brasileira "deveria ter sido defendida antes de tudo", mas "não foi feito isto, lamentavelmente, prejudicando a credibilidade de nossas instruções que, para muitos, parecem marcadas por insensibilidade, incompreensão e falta de misericórdia". Essa foi a opinião de um peso pesado da Igreja Católica, diante da qual Don José ficou silente, pois qualquer manifestação sua que confrontasse as palavras do monsenhor Salvatore Rino Fisichela poderia gerar uma polêmica muito grande e isso, definitivamente, não interessa ao Vaticano.
Quem é católico sabe que a Igreja é muito conservadora. Mas, essa excomunhão feita por Don José, extrapolou a qualquer conservadorismo. Usando as palavras do monsenhor Salvatore, essa atitude do arcebispo pareceu marcada por insensibilidade, incompreensão e falta de misericórdia.
Uma pergunta que não quer calar, a qual Don José não respondeu: porque ele não excomungou o padrasto da menina, que violentou um criança, destruiu sua infância e quem sabe até se não destruiu sua vida, pois muitos dos danos causados são irreversíveis?
No fim de semana passado, comunidades eclesiais de base italianas afirmaram que a decisão do arcebispo brasileiro demonstra, mais uma vez, o sentido de distanciamento radical entre a Igreja, o Poder e os dramas humanos. Em nota emitida na ocasião, as comunidades também criticaram o Vaticano por sua postura, afirmando que a Santa Sé teria apoiado a postura de Dom José. Eu fico com a posição do monsenho Salvatore Rino Fisichela, e espero que esse triste episódio sirva para aproximar um pouco mais a Igreja Católica da realidade nossa de cada dia.

* - Artigo de Marilene Parente, no JC que circulará amanhã cedo

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