Recebo e publico a colaboração do leitor do blog, Antenor Giovannini, através de dois artigos.
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Desde os primórdios as doenças assombram o homem. Sejam as grandes pestes devastadoras, sejam as chamadas doenças rotineiras, sejam aquelas doençazinhas da infância, o fantasma da moléstia está sempre rondando a humanidade espalhando medo e insegurança. E, contudo, apesar do medo, o ser humano resiste e se defende. Alguns abnegados se entregam a nobre missão de combater a doença. Armados com microscópios, tubos de ensaio, lâminas e pipetas, se entregam desde sempre ao incansável e trabalho da pesquisa para que milhões de semelhantes possam ser aliviados de sofrimento e ter suas vidas reservadas. A cada sucesso, a cada evolução da medicina, renovam-se as esperanças de todo o contingente humano fragilmente a mercê de antigas e novas doenças. Afinal, que bem pode ser mais precioso que a saúde? Com ela nos lançamos a luta por tudo o que nosso espírito nos estimule. Sem ela não nos lançamos a nada exceto o leito e o fim dos sonhos.
Arenas supremas dessa luta incansável, criadas pela iniciativa privada ou pelos poderes públicos, esses são os hospitais. Refúgio vital para os que buscam recuperar seu bem mais precioso, o hospital é o templo aonde acorrem os desvalidos desse mesmo bem precioso e depositam suas esperanças naquilo que unicamente poderia interessar a um enfermo: a cura. Nele está a luz que buscam os pais para seus filhos, os filhos para seus pais, o homem para sua companheira, a mulher para seu parceiro, o amigo para outro amigo. Pequenos, grandes, majestosos, simples, não importa. Sempre foi e continua sendo ali a que milhões de pessoas acorrem diuturnamente em busca de sobrevida.
Essa longa introdução com pretensões até poéticas enaltecendo a luta da medicina, seus militantes e seus às vezes parcos recursos não é nenhuma homenagem ao Dia do Médico. É apenas para tentar chamar a atenção para mais um dos muitos absurdos que vemos acontecer diariamente nesta nossa terra deitada em berço esplêndido e que parece ter um sono danado de pesado.
Santarém – Pará – Brasil. Uma população fixa de aproximadamente 320 mil pessoas e mais um contingente de outras 600 mil pessoas distribuídas em outras comunidades à sua volta, que visualizam Santarém como sua única opção de saúde. Triste esperança, já que a cidade nunca pode atender essas expectativas. Alguma coisa precisava ser feita.
Assim, em 27/12/2006 inaugurou-se pomposamente, na cidade, um Hospital Regional que deveria atender a toda essa região e assim acabar com uma situação mais do que caótica e insustentável. Com um custo anunciado de R$ 80 milhões autoridades apresentaram um hospital com pelo menos 11 especialidades médicas e um grau de recursos, capaz de se igualar aos melhores do País. Ainda que não totalmente completo, anunciou-se que o hospital estava em condições de atender a um grande universo de situações e, assim, renovar as esperanças dos necessitados.
Ilusão. O hospital não funcionou. Em seu lugar, o já conhecido jogo de empurra. A cada dia uma nova desculpa, todas sempre de cunho político. Enquanto isso, o inicio real das atividades foi sendo prorrogado. Em abril de 2007, nova e rumorosa inauguração temperada, naturalmente, com os discursos de praxe: o atraso decorria dos erros cometidos pela administração anterior, mas agora tudo seria diferente e o hospital entraria em funcionamento quase pleno. Que pena! Outra ilusão. O hospital muito pouco ou quase nada funcionou. Está praticamente parado novamente e não faltaram os discursos de praxe apresentando desculpas.
Mais uma vez a questão política se sobrepõe à questão humana. Mais uma vez os detentores do poder mostram sua força, capaz de emperrar o funcionamento de um investimento público de R$ 80 milhões.
Mais uma vez toda a região é feita de simples joguete. Mais uma vez relega-se a último plano toda uma população, tratando como gentalha que pode esperar e morrer até que se decida como ajustar as coisas com proveito político. Afinal meu partido é melhor que o do outro que em contrapartida se defende dizendo que o dele sempre foi melhor que o do primeiro e por isso é ele quem manda. Enquanto isso o hospital não funciona.
Até quando, damas e cavalheiros detentores do poder? Até quando os senhores vão voejar como abutres esperando que a carne apodreça até as eleições para, então aterrizar e se deliciar com o banquete? Até quando, senhores proprietários do município e do estado, seremos cobaias de experiências políticas dessa grande colcha de retalho em que se transformou nossa política? Os senhores realmente são de carne e osso como nós? Os senhores também sofrem, conhecem o que é dor? Choram ao ver entes queridos enfermos e sem esperanças de vida? Ou seus corações são de aço, seus cérebros servem única e exclusivamente para identificar, em toda ação, a cada passo, em tudo que os cercam, uma oportunidade política e mais nada?
Deixa a desejar também a atitude do Ministério Público Federal, que se orgulha de estar à frente de movimentos em defesa da saúde de índios e comunidades quilombolas, ou de manifestações contra o desmatamento e a saúde da floresta. Não se viu a mesma energia e determinação compatível com o seu papel de defender a população, intervindo diretamente nessa negligente arbitrariedade. Esse absurdo não está sendo cometido contra árvores, plantas, ou animais, mas, isto sim, contra milhares de pessoas que a cada dia buscam no Hospital Municipal, já absurdamente carente, um fio de esperança que pode representar mais um dia de vida.
Porque é tão difícil que apareçam políticos realmente comprometidos com a verdadeira natureza e propósito de seus cargos e que expulsem do cenário esses representantes da ignomínia e frouxidão de caráter que hoje campeiam em nosso país? Porque é tão difícil surgirem cidadãos dispostos a abdicar ao menos um pouco de seus interesses político-partidários e pessoais em troca de um mínimo de decência e iniciativa para resolver de vez essa situação, seja lá qual seja o partido a que pertençam?
Num país onde se morre de dengue em pleno século XXI e mesmo se estando em plena região Amazônica, que sempre foi isolada de tudo e de todos, consegue-se erguer um hospital de porte e equipa-lo com o que há de mais moderno na medicina. E então, por questões mesquinhas advindas de uma política de fundo de quintal, transforma-se esse enorme empreendimento em um incompreensível elefante branco.
Envergonhem-se, políticos da região. Cumpram o papel que lhes foi conferido pelos votos recebidos. Não se espera dos senhores um milímetro além daquilo para o que foram alçados à posição em que hoje se encontram. É só a obrigação de Vossas Excelências. Cumpram-na para deixarem de ser Vossas Excrescências.
(*) Aposentado e morador em Santarém. Sem filiação partidária, portanto sem interesses eleitoreiros.
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