sábado, setembro 01, 2007

Mordaça

Artigo do Jota Parente, publicado na edição 48 do Jornal do Comércio
Durante algum tempo da ditadura militar que comandou o Brasil por 21 longos anos, dinheiro parecia jorrar de alguma fonte inesgotável. Tomavam-se empréstimos nos bancos americanos e europeus como se nunca fosse preciso pagar; construíram-se centenas de obras importantes para a montagem da infra-estrutura do País e muitas outras de relevância questionável. Acima de tudo, endividou-se o Brasil como nunca. Mas, o dinheiro fácil entrava pela porta da frente, enquanto a liberdade saía pela porta dos fundos.
Seis anos depois de implantado o regime militar eu comecei minha carreira profissional no Rádio. Naquele tempo não havia a facilidade de comunicação que existe hoje. Jornal diário vinha da capital com as notícias filtradas pela censura; emissoras de rádio havia duas em Santarém; Rádio Clube de a Rádio Rural; televisão, só veio chegar em 1978. Vivíamos o tempo do cerceamento da informação que a ditadura impôs.
A Rádio Rural, através de seu criador, o saudoso D. Tiago Ryan, colocou-se claramente do lado dos menos favorecidos e isso nos custou muitas dores de cabeça, pois a emissora foi duramente perseguida pela ditadura. Havia um funcionário da Polícia Federal cujo único trabalho era ficar ouvindo a Rádio Rural o dia todo. No final da tarde a gente tinha que apresentar a programação do dia seguinte para ser carimbada. Caso o responsável pelo setor de programação da emissora esquecesse, coisa que não me lembro de ter acontecido, a mesma teria que ficar fora do ar durante todo o dia seguinte.
Havia uma imposição que era um dos absurdos da censura, contra o qual nada se podia fazer. Se a gente decidisse transmitir um jogo do velho estádio Elinaldo Barbosa, em Santarém ou retransmitir alguma partida, via Embratel, caso estivesse fora da programação anteriormente liberada, era preciso dar entrada num requerimento e encaminhar ao respectivo departamento da PF. Se o censor não estivesse de bom humor e resolvesse não autorizar, a transmissão não aconteceria.
Os sermões de D. Tiago, na Praça da Matriz eram um verdadeiro furor. Ele parecia nada temer, ou tinha absoluta consciência de que como cidadão norte-americano não seria incomodado pelas forças armadas brasileiras, pois, como se sabe, os Estados Unidos avalizaram o golpe militar e abençoavam a ditadura. Por isso, o saudoso bispo criticava duramente a barbaridades que eram cometidas, sobretudo pela Polícia Militar.
D. Tiago era quase inatingível. A direção da Rádio Rural e quem nela trabalhava, não. Por isso, toda a pressão reprimida era direcionada para o trabalho que a emissora realizava. Quem estivesse respondendo pela gerência da rádio era incessantemente fustigado. Bastava que saísse alguma coisa de menor significância, que a censura considerasse ofensiva ao regime militar para que o gerente fosse convocado a ir até a sede da Polícia Federal. Nesse particular, meu dileto amigo Manuel Dutra foi quem mais sofreu, a ponto de ter que se afastar da direção durante mais ou menos seis meses, no final da década de 70, para tratamento de saúde, tal foi o rigor da marcação.
Tenho saudades das equipes fabulosas de locutores e operadores de áudio e das extraordinárias equipes de esporte que formamos nos idos dos anos 70 e 80, mas, não sai de minha lembrança a mordaça que colocada pela ditadura. Hoje, vivemos um período em que a comunicação é extremamente fácil e ainda por cima, a gente tem liberdade para se expressar. E não há dinheiro que pague a liberdade.

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