sábado, março 31, 2007

JORNALISMO BIZARRO

Este foi o artigo que escrevi para esta edição do JC, ainda abordando a divulgação de imagens chocantes.
--------------------------
Levei um choque, como se tivesse pegado em fios elétricos descascados, quando vi a imagem do garoto Kauã estampada na primeira página de alguns jornais da região, incluindo de Itaituba, e em canais de televisão locais. Falo do menor que foi degolado por outro menor, na cidade de Novo Progresso. A foto mostrava o corpo de Kauã, de costas, sem a cabeça. Registrei minha indignação pelo meu blog, tendo recebido dezenas de comentários, todos manifestando perplexidade e condenando os meios de comunicação que optaram pelo jornalismo espetáculo, demonstrando total falta de senso sensibilidade. Acertou quem teve o bom senso, como as equipes de jornalismo da TV Tapajoara e da TV Eldorado, que decidiram não veicular tal imagem.

O exercício crítico sobre o processo de produção na mídia e sua repercussão na formação ou deformação da opinião pública deve pautar o cotidiano dos profissionais da mídia. Situações como essa maculam a imagem da imprensa e demonstram que temos um longo caminho a percorrer para nos tornarmos dignos da profissão que escolhemos.

É imprescindível recuperar o papel ético e de responsabilidade social que a imprensa defende em seus princípios, mas que nem sempre coloca em prática, para que possamos, de fato, formar cidadãos críticos, capazes de se tornarem sujeitos de sua própria história. E não será exibindo cenas dantescas como a que me refiro neste artigo que a gente vai melhorar nosso meio. É preciso ter a medida certa do que deve e do que não deve ser mostrado. Não se pode confundir liberdade de expressão com licenciosidade jornalística. Não se pode perder de vista a forte influência exercida pela imprensa sobre a opinião pública. A imprensa tem o dever de não apenas ser juíza de si própria, como também de potencializar a divulgação de trabalhos que contribuam para uma educação de quem a vê, lê ou ouve.

A ética na comunicação de massa deve primar pela busca da verdade factual, da objetividade, da transparência, da independência editorial e do equilíbrio. No caso da divulgação da foto do garoto, faltou equilíbrio. Falta-nos a oportunidade de acesso a programas como o Observatório da Imprensa, que é transmitido pela Rede Brasil (TVE), toda terça-feira à noite, no qual a imprensa é analisada minuciosamente de maneira crítica, sem sofismas. É a imprensa criticando a imprensa, sem nenhum ranço de corporativismo.

A ética nos meios de comunicação é uma questão extremamente complexa, principalmente porque envolve empresas comerciais que precisam gerar lucros para sobreviver no mercado, adotando práticas que do ponto de vista da ética estão erradas. Sou extremamente crítico nesse particular. Não concebo que a ética e a sociedade sejam deixadas de lado e se tornem figuras de retórica política e comercial. Por tanto, reafirmo que foi um erro grotesco exibir a foto do corpo do menor Kauã. Foi uma apelação agressiva e desnecessária. Foi um exemplo típico do jornalismo bizarro.
Jota Parente - Jornalista

Nenhum comentário:

Postar um comentário