Blog do Manuel Dutra
Observação do blog do Jota Parente: Sugiro a leitura integral do texto, principalmente para os colegas repórteres e jornalistas
Quando o “seu” telejornal entra no ar, você já pode antever o
que vai assistir como matérias principais. Quando pega um impresso, também: o
trânsito que não anda, o assalto à farmácia da esquina e a entrevista como o
sargento Salomão, o mensalão, a estrada que o governador vai inaugurar, a
milésima denúncia sobre corrupção, a inocência dos tucanos, o buraco na rua do
seu bairro e a festa do Círio ou do padroeiro da sua cidade. Sim a festa do
Círio, especialmente aqui no Pará, é assunto quase permanente. Tudo ou quase
tudo como ontem. Repetição de fatos semelhantes sem novos ângulos, sem
análises, o velho dado como novo.
Ontem
no FB, assim o amigo Ormano Sousa observou a cobertura do Círio de N. S. da
Conceição, em Santarém: “Pelamordedeus!!! Um círio com 160 mil pessoas e os
telejornais mostram quase que literalmente as mesmas matérias, com as mesmas
entrevistas (sonoras), com as mesmas pessoas. E para quem ainda quiser ver
novamente ainda tem na internet. Valha-me Deus!”
Em
seguida, eu comentei: “Ormano, o jornalismo precisa urgentemente ser renovado,
para dar um fim à mesmice. Uns copiando os outros, e a TV seguindo o modelo
global. Uma pena! Tanta coisa a reportar e o que se vê é isso que tu dizes, as
mesmas coisas, imagens, sonoras de sempre. Cadê a criatividade e a perspicácia
dos repórteres? Cadê a novidade, que é a alma do bom jornalismo? Dessa forma,
as reportagens deste ano poderão servir para o ano que vem”.
Ormano
respondeu: “Pelas limitações de digitação não deixei bem claro qdo falei de
telejornais. O comentário valeria para os telejornais de uma só emissora que
limita suas matérias num "repeteco" constante, com mudanças
insignificantes, imperceptíveis. Mas também é válida essa leitura de que todas
fazem a mesma coisa, sem criatividade”.
O
que o jornalista e professor Ormano Sousa escreveu referente à cobertura do
Círio de Santarém, pode ser dito a respeito do mega-Círio de Belém, onde a
imprensa afirma haver mais fiéis na romaria do que habitantes na cidade. Ou
quase. Todos os anos a mesmíssima coisa. Se você pegar a gravação do Círio de
2012 e disser a alguém que é o de 2013, não fará muita diferença, a não ser a
cor do manto da imagem da padroeira, que muda a cada ano, mas só os mais fiéis
prestam atenção nesse detalhe.
Percebemos
que a mídia tradicional está dizendo a mesma coisa todos os dias, sem
acrescentar quase nada ao que já sabemos. Problemas só dos repórteres? Creio
que não. Editores, chefes de reportagem e donos de emissoras e jornais parece
que estão investindo pesado na mediocridade, fazendo, inclusive, com que
jornalistas talentosos caiam na mesmice e na acriticidade, pois esta é bem mais
barata do que a boa reportagem. Por isso a mídia tradicional perde espectadores
e leitores de modo acelerado.
Bem
a propósito, a jornalista santarena, professora na Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro, Alessandra Carvalho, chama a atenção para o artigo que
segue, escrito por Carlos Castilho no Observatório da Imprensa, no último dia
25. O título já diz de si: “Não aguento mais a agenda da imprensa”. O artigo
começa assim:
“Você
leitor(a) vai me desculpar o desabafo e o uso da primeira pessoa no texto, mas
não aguento mais a agenda de notícias da imprensa brasileira. É impressionante
a mesmice, o viés e a alienação da pauta diária de jornais, emissoras de rádio,
telejornais e até as páginas noticiosas na Web. Todos giram em torno dos mesmos
temas, os telejornais se repetem em horários diferentes e nas principais
notícias fica estampado o viés político-partidário que orienta toda a produção
de textos e imagens”.
Prossegue:
“Somos obrigados a conhecer detalhes mínimos da situação coronária do deputado
José Genoino, somos informados da troca do juiz responsável pelo cumprimento
das penas impostas aos mensaleiros, mas não se esclarece o porquê da relevância
atribuída a esses temas. Se a notícia é tão importante assim para merecer
manchetes e preciosos minutos na TV, o elementar seria explicar a causa da
troca de magistrados e da preocupação com o estado de saúde do ex-presidente do
PT. Na falta de esclarecimentos, sobram suspeitas sobre o viés da
notícia".
"O
caso do mensalão é exemplar. Uma cobertura avassaladora digna de um grande
desastre natural mostrando que a vingança política superou a lógica do
marketing político. O lógico, segundo os manuais, seria minimizar o episódio
após a condenação para evitar que a população acabe tendo pena dos detidos. Mas
a imprensa, movida pelo desejo cego de tirar o PT do poder, esqueceu de tudo o
que é obvio em matéria de cobertura política voltada para o interesse publico”.
Enquanto isso a velha bomba relógio do sistema prisional continua no limbo informativo. Ocaso mensalão teria sido uma oportunidade ótima para que a imprensa resolvesse investigar e mobilizar a opinião pública para a busca de soluções para um problema que é de todos. Mas o que os jornais, revistas e telejornais mais fazem é buscar o escandaloso, distribuir culpas e quase sempre deslocar a questão para envolvimentos político-partidários. Trata-se de um desprezo olímpico pelo que a população sente e deseja.
O caso da saúde pública é outro item que mostra o distanciamento entre o mundo das redações e a realidade das ruas, bairros e favelas. O internamento de uma personalidade recebe tratamento VIP, mas as filas, corredores empilhados de doentes e instalações precárias viraram pé de página.
O caso dos médicos estrangeiros é emblemático. Foi dado mais destaque na imprensa ao corporativismo das associações de classe do que à busca de soluções para o problema das comunidades sem médicos. Agora que as previsões apocalípticas não se concretizaram, o assunto sumiu da pauta quando seria urgente e essencial saber se está funcionando e, em caso positivo, como a torná-lo permanente. Se a medida não funcionou, precisamos saber por quê.
Todo mundo acabou suspeitando que no problema dos médicos estivessem embutidos interesses eleitorais de ambos os lados, mas a imprensa nunca tratou o tema abertamente. Ela poderia ter assumido a posição do público para buscar soluções duradouras e efetivas, por meio de um esforço sistemático e prolongado de produção de informações sem viés partidário ou empresarial.
O trânsito nas grandes capitais é outra questão onde a espetacularização dos congestionamentos já se tornou maçante, por conta da repetição. É um problema nacional, mas só saem reportagens sobre São Paulo, onde o caso é mais grave, mas nem de longe o único. A imprensa está cansada de saber que não adianta só cobrar das autoridades e já deveria ter verificado que ela tem que “meter a mão na massa”, ou seja, partir para a busca de soluções junto com a população, em vez de promover desfiles de especialistas nas páginas e no vídeo.
A sensação de cansaço em relação à agenda da imprensa é causada tanto pela escolha de temas como pela forma de abordá-los por meio da batida técnica do “fulano disse, sicrano disse” (ver “A praga do jornalismo declaratório”). As notícias acabam se transformando numa inócua sucessão de declarações pouco esclarecedoras, algumas flagrantemente falsas mas não contestadas pelo repórter e no geral seguindo um roteiro onde a famosa regra de ouvir os dois lados serve apenas para tentar conferir credibilidade à reportagem , texto ou sonora.
Já deixei de assinar jornais, passo os olhos sobre as páginas noticiosas na Web e assisto aos telejornais mais por rotina do que por interesse. Tento não me irritar com o tipo de noticiário que nos é oferecido, mas nem sempre consigo me conter. Casos como, por exemplo, a repetição de notícias em telejornais, nas edições matutinas, ao meio-dia, no fim da tarde e no início da madrugada. O ritmo industrial de produção de notícias nas principais redes de televisão atropela a necessidade de buscar enfoques diferenciados – e aí caímos na mesmice rotineira.
Poderia continuar desfiando aqui as mazelas do noticiário quotidiano, mas acabaria também me tornando repetitivo e monocórdio. Há dezenas de outros problemas sociais implorando uma ação mais comprometida da imprensa. O mesmo empenho dedicado ao projeto Criança Esperança poderia ser aplicado em questões bem mais complexas como saúde, segurança pública, aposentadorias e mobilidade urbana. É só a imprensa trocar o pedestal político pela sola de sapato, tão decantada nos manuais de redação.