O caso do Tapajós
Por M. Dutra
A campanha do plebiscito pela criação dos Estados
do Tapajós e Carajás cometeu uma infinidade de pecados mortais, imperdoáveis,
portanto. Um dos maiores erros foi a alteração do projeto que saiu da Comissão
de Estudos Territoriais do Congresso, instalada logo após a Constituinte de
1988, quando o Tapajós viu desperdiçada a sua grande chance de aprovação.
A inclusão do Xingu, por obra do senador Mozarildo
Cavalcante, de Roraima, foi algo tão estranho que deixou os antigos militantes
calados, embora perplexos, sem ter respostas a dar aos contrários à divisão. O
plebiscito terminou sendo produto da ação de um senador que sequer conhecia o
Pará, sendo que jamais esteve nas duas áreas que desejavam emancipar-se. Prova
da lastimável ausência de lideranças políticas no interior do Estado, com a
consequente ausência de lideranças no movimento do plebiscito.
Cinco pontos foram decisivos para a derrota do
Tapajós:
1) A aspiração simultânea do Carajás, uma demanda
recente, do final do século 20; a simultaneidade foi um dos aspectos que
direcionaram a votação: sabidamente, as elites de poder de Belém já não tinham
tanta aversão à perda do chamado Baixo Amazonas, porém não abririam mão,
jamais, do Carajás nem de suas jazidas e outras riquezas recém-exploradas;
2) A inclusão do Xingu, alterando o projeto
original e acrescentando uma imensidão de território de modo distinto de todos
os projetos apresentados nas décadas anteriores;
3) O desprezo de falsas e improvisadas lideranças
de última hora pela profunda sensação de perda das elites tradicionais de Belém
que, dos milhões de quilômetros quadrados do antigo e histórico Grão-Pará,
chocaram-se diante de um possível mapa com apenas 17% que restariam do atual
Estado do Pará, o que foi chamado de Parazinho pelo atual prefeito de Belém,
Zenaldo Coutinho; esse aspecto foi determinante na votação maciçamente
contrária na capital e municípios satélites de Belém. Era como se o Pará
tivesse derretendo;
4) A fraqueza e mesmo a inexistência de lideranças
no Oeste paraense, com a campanha do plebiscito profundamente comprometida
pelos arranjos politiqueiros tradicionais, com vários "líderes"
omissos esperando no que daria a consulta popular para se posicionar, e velhos
caciques aproveitando a ocasião para recobrar suas forças políticas enlameadas
pelo absenteísmo e a corrupção;
5) A contradição brutal dos argumentos de que
um território menor seria melhor administrável, ao mesmo tempo em que o Tapajós
teria um território bem maior do que o Carajás e o Pará remanescente.
A lista de erros da campanha é bem mais longa, além
do fato de que, no aspecto constitucional da demanda, o plebiscito foi
concebido para que nada se alterasse no mapa da Amazônia. São questões que, se
não forem levadas a sério no futuro, jamais haverá Estado do Tapajós nem
qualquer outra forma de reorganização interna dos limites
político-administrativos da Amazônia. Com essa forma plebiscitária, jamais. Com
a pobreza das lideranças do movimento que praticamente morreu nestes cinco anos
após novembro de 2011, sequer se poderá cumprir a "profecia" do já
falecido político e empresário Oziel Carneiro, contrário à divisão do Pará.
Escreveu Oziel em O Liberal: "O Estado do Tapajós virá, seja no final
deste século ou no próximo século..."
A aspiração é antiga, vem do meado do século 19,
logo após a criação da Província do Amazonas, separada do Pará. Tal desejo
coletivo sobreviverá forte enquanto resistirem as condições de pobreza e
pobreza extrema do chamado Oeste do Pará que, cada vez mais, se sente entre as
mais pobres e abandonadas regiões deste pobre Estado.
Se as lideranças maiores do Pará tomarem vergonha
na cara e resolverem conclamar todos os paraenses para a construção de um
grande e próspero Estado, é possível que a chama do separatismo arrefeça. Como
essa vergonha é altamente improvável, os tapajônicos prosseguirão, geração após
geração, a sonhar em resolver seus graves problemas pela via da autonomia
política e administrativa, forma de afirmação histórica e contemporânea.
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P.S: Na capital do estado, Belém, o não à criação
do estado de Tapajós chegou a 93,88% dos votos e o não à criação do estado de
Carajás foi de 94,87%. Já nas regiões que demandavam a separação, incluindo as
possíveis capitais dos novos estados, Santarém e Marabá, o apoio à divisão do
Pará foi maciço.
Em Santarém, 97,78% dos eleitores que compareceram às urnas votou a favor da
criação de Carajás e 98,63% a favor da criação de Tapajós. Em Marabá, 93,26%
dos votos foram favoráveis à criação de Carajás e 92,93% a favor da criação de
Tapajós.