sexta-feira, março 04, 2022

Rússia pede suspensão de exportações de fertilizantes

Governo diz que 'ao que parece' medida não está afetando comércio para o Brasil

A Rússia pediu a seus produtores locais de fertilizantes interrompam as exportações devido a problemas de logística, segundo comunicado divulgado nesta sexta-feira pelo Ministério da Indústria e Comércio russo.

A decisão deverá levar a um forte aumento nos preços dos alimentos, que já haviam registrado forte alta em fevereiro, 24%, antes do início da Guerra entre Rússia e Ucrânia.

As preocupações com as tensões na área do Mar Negro já pesavam nos mercados agrícolas antes mesmo de a violência explodir, mas analistas alertam que um conflito prolongado pode ter um grande impacto nas exportações de grãos.

A notícia sobre a recomendação do governo russo para que os produtores de fertilizantes suspendam temporariamente suas exportações não está clara para o governo brasileiro.

O Ministério da Agricultura esclareceu, no entanto, que a suspensão das exportações de fertilizantes foi uma recomendação do governo russo e que a medida, a princípio, não afeta o Brasil. O órgão destacou ter recebido a informação de embarque de produtos fabricados pelo grupo Acron para o país, ocorrido nesta sexta-feira.
O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Antonio Galvan, disse ao GLOBO não ter dúvida de que a orientação da Rússia não atinge o Brasil. Segundo ele, a medida é dirigida a "meia dúzia de países" da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Em nenhum momento se falou que ia cortar fertilizantes para o Brasil. Se tem alguém retaliando embarques de fertilizantes para outros países são alguns membros da Otan e agora a Rússia tenta retaliar. Uma vingança se paga com outra vingança. Contra o Brasil não tenho dúvida que a Rússia não cortou fertilizantes e sim de meia dúzia de países da Otan — afirmou Galvan.

A Rússia é o segundo maior produtor global de fertilizantes a base de potássio. É também um grande fornecedor mundial de todos os tipos de adubos, fertilizantes e nutrientes de baixo custo, transportados, em sua maioria, por trens e navios.

O país vem enfrentando duras sanções econômicas dos Estados Unidos e da União Europeia por causa da invasão da Ucrânia. várias grandes empresas de navegação, incluindo as maiores operadoras de navios porta-contêineres do mundo, suspenderam temporariamente os serviços para portos russos.

Em nota, o governo russo admite que a suspensão das exportações está diretamente ligada a dificuldades logísticas impostas pelas sanções internacionais:

"Tendo em conta a conduta de empresas de logística estrangeiras e os riscos conexos, o Ministério da Indústria e Comércio da Rússia foi obrigado a suspender o carregamento de fertilizantes russos para exportação até que as transportadoras retomem o trabalho ordenado e forneçam garantia para entregar quantidades contratuais de fertilizante russo. Gostaríamos de salientar que as necessidades de fertilizantes minerais dos produtores agrícolas russos são plenamente satisfeitas, tanto em quantidade como em sortimento."

Segundo o ministro da Indústria e Comércio, Denis Manturov, na situação atual, os produtores agrícolas na Europa e noutros locais não conseguem receber quantidades contratuais de fertilizante devido à subversão de uma série de empresas de logística estrangeiras que se recusam a entregar o produto.

" Isto corre inegavelmente o risco de causar colheitas ruins e, consequentemente, escassez de alimentos para países da Europa Ocidental e Oriental, América Latina, Sul e Sudeste Asiático. O problema é que é muito difícil, se não completamente impossível, substituir o fornecimento de fertilizantes russos", diz a nota.

A decisão de suspender as exportações de fertilizantes adiciona uma enorme incerteza no mercado global num momento em que produtores agrícolas do Brasil – o maior importador de fertilizantes do mundo - já relatam preocupação em garantir o suprimento para a próxima safra.

O Brasil é o maior exportador global de soja, café e açúcar e, se sua produção agrícola for afetada, isso fará os preços de alimentos subirem no mundo todo.

Para Welber Barral, sócio da BMJ consultores, a decisão do governo russo tem impacto maior no Brasil do que na Europa, que tem significativa produção local de insumos como potássio e ureia.

— Se a Rússia quisesse responder às sanções do Ocidente, faria mais sentido restringir a exportação de gás. Chama a atenção usar o setor de fertilizantes, que não são tão vendidos para a Europa; a dependência do Brasil nessa área é maior. Temos estoques para essa safra, mas uma restrição de oferta vai nos afetar — afirma o especialista.

A maior parte do potássio importado pelo Brasil vem da Rússia hoje. O insumo é usado na composição de fertilizantes. O Brasil também compra ureia da Rússia, mas em menores proporções, sendo importador do item também de China e Bélgica.

— Temos um problema inicial de ordem logística, independentemente das sanções, porque mesmo que a Rússia forneça, há dificuldades para fazer embarques em portos da região. Por outro lado, desenvolver a cadeia logística com fornecedores alternativos, como o Cazaquistão, demora — afirma Barral.

O presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior, José Augusto de Castro, acredita que qualquer solução para reduzir a dependência do Brasil no setor de fertilizantes só teria efeito no médio prazo.

— O país é um dos maiores produtores mundiais de alimentos, mas não se preocupou em desenvolver uma indústria de fertilizantes. É impossível desenvolver essa indústria no curto prazo. Se começar agora, teria efeitos em no mínimo três anos - conclui.

Barral diz que há pouca coisa a ser feita pelo governo brasileiro no momento, a não ser manter relações cordiais com países que possam aumentar exportações dos insumos, como Canadá, Bélgica, Cazaquistão, Irã e Austrália, por exemplo.

— Do ponto de vista tributário, a importação de ureia e potássio já não paga imposto.


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