sábado, janeiro 25, 2020

Gay, trans, mulher, negro e índio: as novas faces de Jesus estão dando o que falar

Personal Jesus Foto: Arte de André MelloUm mês após o atentado ao Porta dos Fundos, reações indignadas ao enredo da Mangueira reacendem embate entre fé e liberdade de expressão e fazem pensar sobre a imagem que se construiu de Cristo

Quando a Mangueira anunciou que levaria à Sapucaí diferentes versões de Jesus Cristo no Carnaval deste ano, grupos religiosos arregalaram os olhos. Negro, índio ou mulher, o Jesus da verde-e-rosa soou como “blasfêmia” para os mais conservadores. A um mês do desfile, o enredo “A verdade vos fará livre”, que promete uma releitura da vida do “filho do Homem”, virou alvo de protestos, há um abaixo-assinado com mais de 93 mil assinaturas contra a escola e até uma ameaça de processo.

As críticas chamam ainda mais atenção pelo momento. Acontecem um mês depois do atentado à produtora Porta dos Fundos, atacada por retratar Jesus como gay em seu especial de Natal, na Netflix, e na esteira das reações à série “Messiah”, também da plataforma de streaming, sobre um novo messias que surge no Oriente Médio nos dias atuais, e que desagradou tanto a cristãos quanto a muçulmanos. 

Em 2018, a atriz Renata Carvalho foi vítima de perseguição e violência por causa da peça “Evangelho Segundo Jesus: Rainha do Céu”, na qual apresentava Cristo na forma de uma mulher trans. Um abaixo-assinado no site Avaaz.org pede que Renata represente Jesus transexual no desfile da Mangueira. 

‘Com religião se brinca’

No Brasil de hoje, o embate entre fé e liberdade de expressão ganha terreno, fomentado pelas redes sociais, mas com muitos desdobramentos fora delas. No caso do Porta, a onda de protestos começou com postagens e um abaixo-assinado (com 2,3 milhões adesões) e culminou com quatro criminosos tentando se impor pela violência e tentativas de censura (um desembargador chegou a determinar que o episódio fosse tirado do ar, mas o STF cassou a decisão).

“Sinto lhe informar, mas com religião se brinca sim”, escreveu no GLOBO o humorista Fabio Porchat, ator e roteirista do especial de Natal. “Com religião, com futebol, com política, com a minha mãe, com o Detran, com o que você quiser. Isso não sou eu que estou dizendo, é a Constituição. A ‘lei de Deus’ não existe para o nosso país.”

Dias depois, começava a carga contra a verde-e-rosa.

— A Mangueira ataca a fé dos cristãos — diz o advogado e cientista social Frederico Viotti, representante do instituto conservador Plinio Corrêa de Oliveira, que lidera o abaixo-assinado contra o enredo. — Nosso objetivo é alertar a opinião pública, mas não descartamos ir à Justiça. Alegaríamos crime de vilipêndio.

Carnavalesco da escola e autor do enredo, Leandro Vieira argumenta:

- Jesus na cruz é a extensão de muitos corpos. Quem nega essa informação não conhece a Bíblia. Nosso enredo não é para dizer que Deus é mulher, mas para afirmar que ele também habita a mulher, vítima do feminicídio no Brasil. Jesus andou com pobres, perseguidos, e nosso Cristo está mais associado às dores dos oprimidos do que às lideranças políticas e religiosas que têm falado em seu nome.

Fonte: O Globo



Nenhum comentário:

Postar um comentário