Ao manipular os resultados para afirmar que ganhou já no primeiro turno do opositor Carlos Mesa (Frente Revolucionária de Esquerda), Morales deu um passo maior que as pernas e abriu o caminho para ser destituído não só pelo Exército, mas também por colegas de seu próprio partido, o Movimento para o Socialismo.
Se alguém indagasse no início de ano em qual país latino-americano um golpe (ou renúncia presidencial) ocorreria, a Venezuela estaria no topo da lista – não a Bolívia. Por que Evo caiu e Maduro continua? Há várias respostas, mas a mais convincente, até agora, é a que considera o “talento” pessoal do líder político. Ambos arriscaram muito. Evo errou no cálculo e Maduro acertou.
Bolívia e Venezuela são, desde o início do século XXI, países com líderes populistas e partidos políticos instáveis. A tendência mundial de enfraquecimento dos partidos tradicionais atinge em cheio as nações em que políticos hiper-personalistas tomam o poder e nele permanecem com ajuda do “iliberalismo” – ou seja, a cooptação de poderes como o Legislativo e o Judiciário.
Tanto Hugo Chávez, antecessor de Maduro, quanto Morales conseguiram destituir, com apoio popular e da elite política, os membros da Suprema Corte que não lhes eram simpáticos (A afirmação é de Steven Levitsky e Lucan Way, autores de Competitive Authoritarianism: Hybrid Regimes After the Cold War, publicado pela Cambridge University Press em 2010).
O trio Chávez-Maduro-Morales revirou os sistemas partidários de seus países. De 1993 a 2014, a configuração política boliviana mudou completamente. Isso não é exagero.
É um cálculo feito pelo cientista político Scott Mainwaring, que mostra que os partidos que receberam votos para o Legislativo em 1993 simplesmente não existiam mais vinte e um anos depois.
É o caso mais extremo, na América Latina, do que Mainwaring chama de “volatilidade acumulada”. Mas a Venezuela chega muito perto. Para comparar, a Bolívia teve 100 pontos; a Venezuela 97; e o Brasil, 42 (A análise está no livro Party Systems in Latin America: Institutionalization, Decay, and Collapse, da Cambridge University Press, 2018).
Assim conseguiram dificultar a coordenação de opositores, que só aumentou quando crises econômicas (Venezuela) ou constitucionais (Bolívia) se agravaram. No caso boliviano, a crise constitucional foi causada pela ambição excessiva de Morales. Ele quis um quarto mandato (ilegal), fraudou o resultado do primeiro turno (para evitar o segundo, pois perderia nele) e perdeu apoio da população, do Exército e do próprio partido. Só os perfeitos inocentes latino-americanos, como Lula, têm pena.
Maduro, subestimado por muitos (inclusive por mim), foi mais esperto. Jogou no erro do adversário, Juan Guaidó, que supôs ter mais apoio popular e institucional, das Forças Armadas, do que era verdade. Agora o Partido Socialista Unido da Venezuela, controlado pelo presidente, ficou mais moderado no Legislativo. Quer diálogo. Caso recuse, Guaidó será visto como intransigente. A lição é: líderes que se controlam ficam mais sortudos.
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