No hospital de Caleta Olivia |
Mal
sabia eu, que a pequena cidade litorânea de Caleta Olivia, na província de
Santa Cruz, na Argentina, entraria para sempre na história da minha vida. O
motivo não foi dos melhores, pois, foi lá que quase a Expedição à Cidade do Fim
do Mundo acabava muito antes da hora, por conta de uma queda de moto quando
estava iniciando minha jornada do dia 27 de novembro.
Cheguei quase às 8 horas da noite. O
termômetro foi despencando dos 28 graus que fazia às 3 da tarde para 16 graus quando
parei a moto no hotel para pernoitar. Eu já estava tiritando de frio.
Aquela noite do dia 27 e a madrugada
do dia 28 foram duras, noite de insônia. Não consegui pregar o olho um só
instante. Claro que amanheci um bagaço. O certo seria permanecer na cidade e no
hotel, porque uma hora o sono me venceria e, dormindo, eu me recuperaria e quem
sabe poderia sair mais tarde para percorrer os 350 km que separam Caleta Olivia
de Puerto San Julián, percurso que poderia fazer em no máximo cinco horas. Àquela
altura o Sol estava se pondo por volta das 9 da noite.
Sair de Caleta Olivia sem ter dormido
um só minuto foi o maior erro que eu cometi em todas as minhas viagens de
motocicleta, além de ser uma irresponsabilidade sem tamanho. Eu me convenci de
que poderia seguir viagem, começando devagar até despertar completamente. Ledo
engano. Em vez de passar o dia no hotel, ou na estrada, fui para o hospital,
onde fiquei por 7 longas horas.
Na saída da cidade, e numa curva muito
aberta, eu dormi sobre a moto, a mais ou menos 40 km por hora. Como todos os
sentidos e a musculatura toda relaxaram com o meu apagão, a moto desacelerou
até cair sobre mim. Caí com a moto praticamente parada e essa foi a minha
sorte, porque se eu estivesse a 80 ou 100 km/h, o estrago teria sido muito maior
e as consequências muito mais graves. Quem sabe o que teria acontecido; quem
sabe quantas fraturas teria tido. Menos mal.
Despertei do rápido sono sob a Twister
250, com minha perna direita presa embaixo do tanque. E mesmo tendo caído com a
moto quase parada, fui salvo por uma peça que eu tive o cuidado de colocar, o
Slider, que eu comprei por R$ 100,00 em Itaituba. Foi essa peça de proteção que
sofreu todo o impacto, a qual evitou que a moto caísse com todo o seu peso
sobre a minha perna. Sem isso, o acidente teria sido bem mais grave.
Não demorou nem um minuto para que as
pessoas começassem a parar e chegar até mim. Um senhor chegou bem perto, pediu
que eu tivesse calma e telefonou para o socorro e para a Gerdameria, a Polícia
Militar argentina que tem jurisdição em todo o país. Foi tudo muito rápido, da
queda, até dar entrada no hospital da cidade de cerca de 60 mil habitantes.
Duas horas antes do acidente tive oportunidade de fotografar esse nascer belo do Sol |
Ao chegar ao hospital fui recebido na
ambulância por um dos dois médicos de plantão, que me acompanhou até a emergência.
Ele ficou assustado a taxa da minha glicose que estava em 382, mandado que
fosse aplicada uma dose de insulina, imediatamente, para que eu pudesse começar
a receber a medicação. Fui encaminhado para a sala de radiografia, pois, havia
suspeita de fratura no tornozelo direito. Felizmente, não passou da suspeita.
Fiquei durante 7 horas em um hospital
público com três pavimentos, com enfermarias amplas e com dois médicos muito
ativos de plantão. Para se ter uma ideia, o médico que me atendeu, foi ver como
eu estava passando, por cinco vezes. Quanto aos estragos no corpo, o joelho
direito sofreu uma raladura grande; o joelho esquerdo ralou um pouco e eu não
entendi porque ralou, pois, foi o direito que arrastou no asfalto. O resto foi
só muita dor no corpo.
A partir das duas da tarde, sentindo-me
bem melhor, comecei a pedir para sair, porém, somente às quatro da tarde o
médico me liberou sob a condição de eu ter que assinar um termo de
responsabilidade, pois ainda não estava convencido de que devia dar-me alta. O
hospital ligou para a Gerdameria, que mandou um carro buscar-me para que eu recebesse
os meus pertences que haviam sido levados para lá.
Guanaco, parente próximo da llama, nativo da América do Sul e muito abundante ao longo da Ruta 3 Foto: JParente |
Embora ainda troncho por conta da
queda, foi na Gerdameria que eu vive um dos momentos de maior satisfação na
viagem. Um sargento com o qual eu puxei conversa para saber o que precisava
fazer para pegar minha moto e os demais objetos recolhidos, gostou da minha
pronúncia de Espanhol, a ponto de chamar alguns colegas para dizer: “mira, escucha como él habla tan bien
Espanhol”. Ouvir aquelas palavras de um argentino foi um troféu para mim
pelo resto da vida.
Ainda na Gerdameria verifiquei os
estragos na moto. Quebrou o retrovisor do lado direito e a carenagem do mesmo
lado. O espelho eu só consegui trocar em Uruguaiana, quando entrei no Brasil e
a carenagem, somente em Itaituba. Para minha sorte, foi só isso. De lá fui
procurar um hotel para passar a noite. Pouco depois das 5 da tarde já estava
acomodado. Mal deu tempo de trocar de roupa para desmaiar num sono que foi até às
6 de manhã do dia seguinte.
Com vontade de ficar, porque o corpo
estava dolorido, criei coragem, tomei café, amarrei a bagagem e parti rumo a
Rio Gallegos. E mesmo com os joelhos ralados, principalmente o direito,
consegui fazer 701 km. Foi uma proeza e tanto pelas minhas condições físicas
nada boas. No próximo capítulo tem mais.
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