domingo, abril 07, 2019

Expedição ao Fim do Mundo, Parte 3. O Acidente que quase encerra a viagem

No hospital de Caleta Olivia

         Mal sabia eu, que a pequena cidade litorânea de Caleta Olivia, na província de Santa Cruz, na Argentina, entraria para sempre na história da minha vida. O motivo não foi dos melhores, pois, foi lá que quase a Expedição à Cidade do Fim do Mundo acabava muito antes da hora, por conta de uma queda de moto quando estava iniciando minha jornada do dia 27 de novembro.
          Cheguei quase às 8 horas da noite. O termômetro foi despencando dos 28 graus que fazia às 3 da tarde para 16 graus quando parei a moto no hotel para pernoitar. Eu já estava tiritando de frio.
          Aquela noite do dia 27 e a madrugada do dia 28 foram duras, noite de insônia. Não consegui pregar o olho um só instante. Claro que amanheci um bagaço. O certo seria permanecer na cidade e no hotel, porque uma hora o sono me venceria e, dormindo, eu me recuperaria e quem sabe poderia sair mais tarde para percorrer os 350 km que separam Caleta Olivia de Puerto San Julián, percurso que poderia fazer em no máximo cinco horas. Àquela altura o Sol estava se pondo por volta das 9 da noite.
          Sair de Caleta Olivia sem ter dormido um só minuto foi o maior erro que eu cometi em todas as minhas viagens de motocicleta, além de ser uma irresponsabilidade sem tamanho. Eu me convenci de que poderia seguir viagem, começando devagar até despertar completamente. Ledo engano. Em vez de passar o dia no hotel, ou na estrada, fui para o hospital, onde fiquei por 7 longas horas.
          Na saída da cidade, e numa curva muito aberta, eu dormi sobre a moto, a mais ou menos 40 km por hora. Como todos os sentidos e a musculatura toda relaxaram com o meu apagão, a moto desacelerou até cair sobre mim. Caí com a moto praticamente parada e essa foi a minha sorte, porque se eu estivesse a 80 ou 100 km/h, o estrago teria sido muito maior e as consequências muito mais graves. Quem sabe o que teria acontecido; quem sabe quantas fraturas teria tido. Menos mal.
          Despertei do rápido sono sob a Twister 250, com minha perna direita presa embaixo do tanque. E mesmo tendo caído com a moto quase parada, fui salvo por uma peça que eu tive o cuidado de colocar, o Slider, que eu comprei por R$ 100,00 em Itaituba. Foi essa peça de proteção que sofreu todo o impacto, a qual evitou que a moto caísse com todo o seu peso sobre a minha perna. Sem isso, o acidente teria sido bem mais grave.
          Não demorou nem um minuto para que as pessoas começassem a parar e chegar até mim. Um senhor chegou bem perto, pediu que eu tivesse calma e telefonou para o socorro e para a Gerdameria, a Polícia Militar argentina que tem jurisdição em todo o país. Foi tudo muito rápido, da queda, até dar entrada no hospital da cidade de cerca de 60 mil habitantes.
Duas horas antes do acidente tive oportunidade de fotografar
 esse nascer belo do Sol
          Ao chegar ao hospital fui recebido na ambulância por um dos dois médicos de plantão, que me acompanhou até a emergência. Ele ficou assustado a taxa da minha glicose que estava em 382, mandado que fosse aplicada uma dose de insulina, imediatamente, para que eu pudesse começar a receber a medicação. Fui encaminhado para a sala de radiografia, pois, havia suspeita de fratura no tornozelo direito. Felizmente, não passou da suspeita.
          Fiquei durante 7 horas em um hospital público com três pavimentos, com enfermarias amplas e com dois médicos muito ativos de plantão. Para se ter uma ideia, o médico que me atendeu, foi ver como eu estava passando, por cinco vezes. Quanto aos estragos no corpo, o joelho direito sofreu uma raladura grande; o joelho esquerdo ralou um pouco e eu não entendi porque ralou, pois, foi o direito que arrastou no asfalto. O resto foi só muita dor no corpo.
          A partir das duas da tarde, sentindo-me bem melhor, comecei a pedir para sair, porém, somente às quatro da tarde o médico me liberou sob a condição de eu ter que assinar um termo de responsabilidade, pois ainda não estava convencido de que devia dar-me alta. O hospital ligou para a Gerdameria, que mandou um carro buscar-me para que eu recebesse os meus pertences que haviam sido levados para lá.
Guanaco, parente próximo da llama, nativo da América
do Sul e muito abundante ao longo da Ruta 3
 Foto: JParente
          Embora ainda troncho por conta da queda, foi na Gerdameria que eu vive um dos momentos de maior satisfação na viagem. Um sargento com o qual eu puxei conversa para saber o que precisava fazer para pegar minha moto e os demais objetos recolhidos, gostou da minha pronúncia de Espanhol, a ponto de chamar alguns colegas para dizer: “mira, escucha como él habla tan bien Espanhol”. Ouvir aquelas palavras de um argentino foi um troféu para mim pelo resto da vida.
          Ainda na Gerdameria verifiquei os estragos na moto. Quebrou o retrovisor do lado direito e a carenagem do mesmo lado. O espelho eu só consegui trocar em Uruguaiana, quando entrei no Brasil e a carenagem, somente em Itaituba. Para minha sorte, foi só isso. De lá fui procurar um hotel para passar a noite. Pouco depois das 5 da tarde já estava acomodado. Mal deu tempo de trocar de roupa para desmaiar num sono que foi até às 6 de manhã do dia seguinte.
          Com vontade de ficar, porque o corpo estava dolorido, criei coragem, tomei café, amarrei a bagagem e parti rumo a Rio Gallegos. E mesmo com os joelhos ralados, principalmente o direito, consegui fazer 701 km. Foi uma proeza e tanto pelas minhas condições físicas nada boas. No próximo capítulo tem mais.

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