segunda-feira, abril 08, 2019

Em clima de segredo, um fungo fatal se espalha pelo mundo

Dr. Shawn Lockhart, especialista em doenças fúngicas, segura uma lâmina com Candida auris coletada de um paciente americano Foto: Melissa Golden/The New York Times
O Globo - Em maio do ano passado, um homem idoso foi internado no Hospital Mount Sinai, no Brooklyn, para uma cirurgia abdominal. Um exame de sangue revelou que ele estava infectado com um germe recém-descoberto e tão mortal quanto misterioso. Os médicos o isolaram rapidamente na unidade de terapia intensiva. 


O germe, um fungo chamado Candida auris , ataca pessoas com sistema imunológico enfraquecido e vem se espalhando silenciosamente pelo mundo. Nos últimos cinco anos, atingiu uma unidade neonatal na Venezuela, varreu um hospital na Espanha, forçou um conceituado centro médico britânico a fechar sua unidade de tratamento intensivo e fincou raízes na Índia, no Paquistão e na África do Sul. 

Recentemente, a C. auris chegou a Nova York, Nova Jersey e Illinois, fazendo com que os Centros Federais de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) o adicionassem na lista de germes considerados “ameaças urgentes”. 

O homem internado no Hospital Mount Sinai morreu depois de 90 dias no hospital, mas o C. auris não. Testes mostraram que o fungo estava em toda parte em seu quarto e de uma forma tão invasiva que o hospital precisou de equipamentos de limpeza especiais e teve que arrancar parte dos pisos para erradicá-lo. 

— As paredes, a cama, as portas, as cortinas, os telefones, a pia, o quadro branco.... Tudo foi infectado — disse  Scott Lorin, presidente do hospital — O colchão, os trilhos da cama, os buracos da caixa, as persianas da janela, o teto...Tudo na sala deu positivo para o fungo.

Há risco de atingir população mais saudável

O C. auris é tão resistente, em parte, porque é impermeável aos principais medicamentos antifúngicos, tornando-se um novo exemplo de uma das ameaças à saúde mais intratáveis do mundo: o surgimento de infecções resistentes aos medicamentos. 


Durante décadas, especialistas em saúde pública alertaram que o uso excessivo de antibióticos estava reduzindo a eficácia de drogas que prolongariam a expectativa de vida ao curar infecções bacterianas, uma vez que elas são fatais. Mas ultimamente, também houve uma explosão de fungos resistentes, acrescentando uma nova e assustadora dimensão a um fenômeno que está minando um pilar da medicina moderna. 

— É um problema enorme — disse Matthew Fisher, professor de epidemiologia fúngica do Imperial College London, que foi co-autor de uma recente pesquisa científica sobre o surgimento de fungos resistentes — Dependemos de poder tratar esses pacientes com antifúngicos. 

Simplificando, os fungos, assim como as bactérias, estão evoluindo para sobreviver aos medicamentos modernos. 

Os  líderes mundiais de saúde já  pediram mais moderação na prescrição de medicamentos antimicrobianos para combater bactérias e fungos. Em 2016, o assunto foi discutido na Assembleia Geral das Nações Unidas. No entanto, o uso excessivo deles em hospitais, clínicas e na agricultura continuou. 

Em uma comunidade queniana pobre, antibióticos baratos alimentaram infecções mortais e resistentes a drogas. Os germes resistentes são frequentemente chamados de “superbactérias”, mas isso é simplista porque eles não matam todos. Em vez disso, são mais letais em pessoas com sistemas imunológicos imaturos ou comprometidos, incluindo recém-nascidos e idosos, fumantes, diabéticos e pessoas com distúrbios autoimunes que tomam esteróides que suprimem as defesas do corpo. 

Os cientistas dizem que, a menos que novos medicamentos mais eficazes sejam desenvolvidos e o uso desnecessário de drogas antimicrobianas seja drasticamente reduzido, o risco se espalhará para populações mais saudáveis. Um estudo do governo britânico financiou projetos para mostrar que se as políticas não forem postas em prática para retardar a ascensão da resistência às drogas, 10 milhões de pessoas poderiam morrer no mundo de todas essas infecções em 2050, ofuscando os oito milhões que morreriam devido ao câncer. 

— Estamos conduzindo isso com o uso de antifungicidas nas plantações — disse Johanna Rhodes, especialista em doenças infecciosas do Imperial College London.

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