Sem Lula na disputa, e com Bolsonaro hospitalizado, a corrida presidencial toma nova configuração. É o que afirma o economista e cientista político Roberto Ribeiro Corrêa, 73, professor doutor aposentado e pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA). Para avaliar esse cenário, Corrêa cedeu entrevista ao repórter Lázaro Magalhães, de O LIBERAL, na qual comenta os próximos passos da corrida eleitoral no Estado, e também os possíveis resultados da reta final da disputa pelo País.
Quais os desdobramentos desses episódios recentes para o cenário eleitoral?
Os índices de rejeição a Bolsonaro, mesmo que caiam agora, voltarão a crescer. E num segundo turno, que certamente haverá, ele dificilmente ganha, seja qual for o candidato. Vale lembrar que estamos iniciando agora uma nova fase de pesquisas. As pesquisas agora são feitas sem Lula. Antes também elas eram feitas sem o atentado a Bolsonaro.
Agora elas serão com o atentado. É um cenário absolutamente diferente. Até aqui, as pesquisas de opinião declaram que Bolsonaro tem 15% de votos espontâneos. Isso tem um significado importante. É aquilo que se chama ‘a tropa’ que leva o nome do candidato adiante na padaria, na vizinhança etc.
O primeiro nas pesquisas continua sendo Lula. Mas a grande parte do eleitorado do PSDB que fazia frente ao avanço do PT, na tradicional polarização ocorrida desde a eleição de Fernando Collor, termina sendo colocada em xeque pelo fato, porque há uma decepção grande da classe média, que ganha acima de cinco salários, com a política e os políticos.
E quando falamos em política, estamos falando das relações entre o Estado, esse compósito de leis e regras, com a sociedade, a maneira como a coletividade de divide entre interesses, simpatias e ódios com o Estado. Do racismo, ou do militarismo, àqueles que louvam a democracia, ou o mercado, tudo são interesses que geram ideologias. Lamentavelmente, quando essa decepção com a política e os políticos ocorre, o óculos do ódio é aquele ao qual o eleitor vem acorrendo. Então, ele coloca esse óculos, começa a ver embaçado, e começa a ficar irritado.
Na medida em que Lula deixa de concorrer, o candidato daqueles que ganham até dois salários mínimos e de parte dos que de cima olham pelos de baixo, nós vemos o ódio surgir da intolerância. E essa intolerância está muito bem registrada nas redes sociais. E lá, não estamos olhando olho no olho. Isso é decisivo para que ali vire uma rinha de galos de briga.
O que esperar disso?
Isso é capitalismo. E ele exige democracia. Recentemente, também assistimos tiros disparados contra a caravana e a vigília de apoio a Lula. Quando o candidato Bolsonaro, em suas mixórdias, diz que tem que ‘metralhar a petralhada’, ele está plantando uma reação adversa não de alguém que pensa, de alguém que calcula, mas de pessoas que ficam revoltadas, com ódio, e fazem essas besteiras.
O candidato Bolsonaro se tornou vítima do próprio discurso de ódio?
Não diria isso. Ele é vítima de um contexto aberto a qualquer candidato à corrida presidencial. Mas não podemos esquecer que a morte da vereadora Marielle Franco, este ano no Rio de Janeiro, tem que ser investigada. Aquilo sim foi um ato coordenado e planejado, uma execução que respondeu ao tipo de política que ela fazia, que contrariava, provavelmente, interesses do crime organizado.
Quando um político como Bolsonaro diz que é preciso metralhar seus adversários, isso não afeta negativamente nosso cenário eleitoral e nossas práticas democráticas? Não inflama ânimos?
Isso repercute contra ele mesmo. Mas não quer dizer que quem esteja envolvido em campanhas racionais, onde a base são inteligências, tenha esse tipo de reação. É melhor denunciá-lo que responder dizendo que também é preciso atirar nele. Geraldo Alckmin, por exemplo, que vinha fazendo a campanha certa, terá que mudá-la. A verborragia bolsonariana é um perigo para o País. Uma pessoa que afirma “agora, tem que ser guerra”, como fez o presidente do Partido Social Liberal (PSL), Gustavo Bebianno, teria que ser chamado e afastado imediatamente da política. Ele está induzindo uma militância a fazer isso.
Gustavo Bebianno foi irresponsável?
Sim. E a Justiça Eleitoral deveria ser dura com esse tipo de comportamento. Não se pode induzir pessoas desinformadas a fazerem coisas erradas, muito menos um político reconhecido pela Justiça Eleitoral. Ele tem que enquadrar perante a lei.
Esse tipo de postura é uma novidade na cena política brasileira...
Até na Europa, velhas democracias estão vivendo momentos semelhantes, frente à onda de migração e drama humanitário que vivem vários países. Isso faz ressuscitar o fantasma do nazi-fascismo, que nada mais é que a construção do ódio como parâmetro necessário para deter determinados problemas, quando se abandona a democracia para que o salvador da pátria os resolva, como fizeram Hitler e Mussolini. E depois de feita essa besteira, alguem vai ter que pagar a conta. O que nós estamos vendo no Brasil não é ainda isso, pelo menos no caso da migração venezuelana...
O crescimento desse novo fenômeno, do discurso de ódio na campanha, não desequilibra nossa democracia?
Provoca a necessidade de uma elite rediscutir a democracia nas suas regras. A reforma política não pode ser feita hoje pelos que estão no Congresso Nacional. Deve ser feita por uma comunidade de representantes eleitos especificamente para aquilo, e que não possam se reeleger. Aí sim teríamos a probabilidade de ver o que aconteceu em Portugal, a melhor democracia da Europa, onde o governo emerge do parlamento. É o que se consegue fazer em outros países, mas não se consegue fazer no Brasil devido aos problemas da legislação eleitoral brasileira, ou da Itália, dois exemplos de crise de representação política.
O presidencialismo é a fonte de nossa crise?
O presidencialismo, atrelado à eleição em lista aberta, no qual se vota em pessoas. Isso gera uma situação onde cada um dos 513 deputados se tornam um partido. Em vez de termos cerca de 40 partidos, hoje temos mais de 500, o que gera um ciclo de barganhas, onde ou se é corrupto ou não se aprova nada. Um sistema onde compram-se votos na eleição e vendem-se votos na legislatura. É a isso que as regras atuais levam.
Caso Bolsonaro seja eleito, qual o panorama que o senhor vislumbra?
Eu torço para que o leviatã que é o Estado engula o Bolsonaro. Que ele rode lá dentro e, ao voltar para fora, que dance conforme a música da democracia. Porque se ele quuiser dar um golpe, nossa situação ficará pior que a da Venezuela. É um cenário preocupante, sim, mas acho que a nossa democracia está consolidada e aperfeiçoada. Mesmo com os últimos episódios, acredito que nossa democracia mais uma vez sairá fortalecida.
Esse foi um ano violento para a política, vide o assassinato de Marielle, os tiros dados contra a caravana pró-Lula e agora o atentado contra Bolsonaro. É o ápice de uma escalada, uma abulição após vários assassinatos cometidos contra vereadores, prefeitos e outros? Somos um país violento politicamente?
O assassinato de Marielle aconteceu para deter uma política que esvaziava o poder de um estado das sombras, aquele invisível, que tem Executivo, Legislativo e Judiciário composto só por bandidos, que se contrapõe ao Estado real e suas imperfeições já citadas aqui.
A política paraense é violenta?
Não. Ao contrário. Os grandes atores que hoje figuram vieram dos mesmos caminhos.
Mesmo com assassinatos de vereadores e prefeitos?
São assassinados por outras razões. Não são efetivamente políticas. É mau-caratismo. Matam para receber pensão, para assumir vagas...
Nas eleições de 2016, tivemos 17 estados atingidos pela violência na campanha eleitoral, com mais de 28 mortes e envio da Força Nacional a vários locais. O que esperar para 2018?
Um clima piorado. Mas nas eleições municipais de 2016, as tensões apareceram com maior força por causa das disputas locais. Agora não. O que vemos são grandes monstros da política brigando, e a intolerância está agravada, por causa do óculos do discurso do ódio. Temos que ficar atentos. Pode ser que esse clima se agrave na última semana da disputa.
No Pará, a renovação política ainda aguardará?
Será baixíssima. A redução do tempo de propaganda e das finanças de campanha favorecem nesse momento aqueles que já são conhecidos.
As características geográficas agravam os problemas das eleições?
Sim. Segue o voto de cabestro. Quanto mais distantes as seções, mais fácil é para os caciques irem pegar as pessoas para votar. E assim comprar seus votos. Isso segue acontecendo, como em Cachoeira do Arari, no Marajó. Na Inglaterra, onde a renda per capita é altíssima, quando chove, quem perde é o Partido Trabalhista. os ricos do Partido Conservador saem de carro e vão votar.
Como mudar isso?
Com voto em lista, ou com voto facultativo. É preciso estudar. Mas, com certeza, com a mãe de todas as reformas: com a reforma política.
Nenhum comentário:
Postar um comentário