quinta-feira, setembro 13, 2018

Começando a subir a cordilheira - A Expedição, Tintim por Tintim, Parte 5


Hotel em Socorro, Colômbia
O relógio marcava 11:30 da manhã de domingo, 19 de outubro de 2008, no momento que subimos nas motos para largar rumo a Santa Marta, onde imaginamos que iríamos pernoitar. Poucos minutos depois que deixamos Paraguachon passamos por Maicao, a primeira cidade da região Nordeste da Colômbia, perto da fronteira com a Venezuela. Seguimos direto para ganhar tempo.

Por volta de uma da tarde entramos em Riohacha, capital do departamento de Guajira, cidade de 200 mil habitantes, localizada às margens do Mar do Caribe. Não paramos, primeiro por opção; se tivéssemos pensado em parar, talvez viéssemos a desistir, porque as ruas pelas quais passamos lembraram Itaituba dos anos 80. Como o tempo estava chuvoso, sobrava lama. Em Riohacha alcançamos nosso ponto mais ao Norte de toda a viagem: 11’32’44.06 N. A partir dali começaríamos a descer, mesmo continuando no sentido Leste – Oeste. O tempo continuava fechado quando chegamos a Santa Marta, parecendo que a noite estava caindo, mas, na realidade mal tinha passado das três da tarde. É uma cidade especial, que tem um turismo crescente.

Mudança na paisagem e na temperatura, que caiu muito
Uma coisa que chamou muito nossa atenção, entre Maicao e Santa Marta, foi a forte presença do exército colombiano. Chegamos a ver dois tanques de guerra a uma distância de uns duzentos metros da estrada, mais ou menos uns dois quilômetros um do outro. 

Como aquela nunca foi uma área de forte atuação das FARC, o motivo de tanta segurança são os rompantes do vizinho Hugo Chaves e também porque por ali se transporta grande quantidade de carvão mineral, uma riqueza daquela região. E, se reclamamos do excesso de barreiras na Venezuela, no começo de viagem na Colômbia havia muito mais. A grande diferença foi que os militares colombianos se mostraram muito mais sóbrios e amistosos. 

Não estavam lá para encher o saco de viajantes que só queriam seguir o seu caminho. 

Tanto que só fomos parados na saída de Paraguachon, e o policial, depois de olhar os nossos documentos disse que estava ali para nos dar segurança, para que tivéssemos uma viagem tranquila. Passou a ser outro tipo de tratamento.

Capital do Departamento de Magdalena, no Caribe colombiano, Santa Marta é hoje uma importante cidade portuária, com população de cerca de quinhentos mil habitantes, conhecida por suas praias e pela Sierra Nevada de Santa Marta, que tem a montanha mais alta do mundo à beira-mar. Para os que procuram inacreditáveis paisagens e cultura, a cidade que já recebeu piratas no passado, também tem seu lado histórico muito rico, pois preserva joias da arquitetura colonial e construções de 1525.

Havia muito o que admirar, mas o erro cometido no começo da viagem, quando deixamos de trocar todos os nossos reais por dólares nos obrigava a avançar para uma cidade maior para tentar resolver o problema. Era preciso chegar a Barranquilha, distante 98 quilômetros de Santa Marta. Chegamos a pensar em esticar até Cartegena, mas estava ficando tarde, e com chuva a viagem era um perigo constante.

Barranquilha é uma cidade grande, com dois milhões e cem mil habitantes, capital do departamento do Atlântico. Localiza-se na margem esquerda do Rio Magdalena, o maior rio da Colômbia, que desemboca no Mar do Caribe a quatro quilômetros da cidade. Trata-se de um importante porto da Colômbia, além de ser a cidade onde nasceu e onde mantém uma de suas residências, a pop star Shakira.

Mesmo protegidos por nossas capas, chegamos ensopados, pois a chuva que caiu sobre nós foi muito forte. Ainda chovia quando entramos em Barranquilha às 17:20. Gastamos muito tempo desde Santa Marta, porque tivemos que pilotar bem devagar, pois o asfalto estava muito escorregadio.

Logo na entrada da cidade avistamos um guarda de trânsito ao qual pedimos informações de como chegar ao centro da cidade. Muito atencioso, deu-nos todas as dicas e mais uma recomendação para termos cuidado, pois a cidade apresentava alguns pontos de alagamento quando chovia muito, como tinha acabado de acontecer.

O trânsito era leve, mas a gente não acertou o lugar onde queríamos chegar. O jeito foi sair perguntando nos postos de gasolina, até que num deles um motoqueiro disse que nos levaria até um hotel no centro. E levou direitinho, sem cobrar nada. O local, Hotel Granada, era legal e com um preço ao nosso alcance. Tinha banho quente, TV a cabo e internet sem fio.

Na manhã de segunda-feira saímos para tentar resolver nosso problema de câmbio. Jadir entrou em alguns bancos. Falou com um monte de gerentes, e nenhum pôde atender nosso pedido. Indicaram-nos umas duas casas de câmbio que faziam a troca. Mas, de novo não conseguimos. Houve uma que fez uma proposta indecente, pois enquanto um Real custava mais de mil pesos colombianos, o cara de pau nos ofereceu 250 pesos por um Real, o que seria um assalto à mão desarmada se a gente aceitasse. Isso tudo, a gente andando com cartões com a bandeira Plus, que deveriam facilitar nossa vida, pois diz a propaganda que a gente saca dinheiro no mundo inteiro. Só que só fomos conseguir isso quase entrando de volta no Brasil, o que será relatado bem mais adiante.

Voltamos para o hotel para arrumar as coisas e pegar a estrada. Pedimos para fechar a conta e depois que pagamos perguntamos qual a melhor rota para sair da cidade. O gerente Erick Balboa nos disse que naquele dia, nenhuma rota serviria, porque era o dia 20 de outubro, data em que motos não podiam circular na cidade. Isso acontece algumas vezes por mês, como forma de desafogar o tráfego. Questionamos se não havia uma alternativa. Muito solícito, o gerente ligou para a Polícia de Turismo, que foi até o hotel.

O tenente Gabriel Muñós nos disse que se a gente quisesse, até poderia sair, mas pagaríamos uma multa de aproximadamente 150 dólares, a qual teria que ser recolhida antes de deixarmos aquele país. Outra saída seria alugarmos um caminhão para conduzir as motos para fora dos limites da cidade, o qual cobrava mas de 120 dólares. Como a diária no hotel era pouco mais de R$ 50,00, decidimos que o melhor remédio seria mesmo ficar. Ficamos. Depois do almoço fomos conhecer uma boa parte da cidade e na manhã seguinte, às 05:30 já estávamos na estrada, estranhando o preço da gasolina, que embora ainda mais barata que no Brasil, nem se compara com o preço quase de graça da Venezuela. Levamos um susto, porque nos dois primeiros postos não aceitaram cartão de crédito. No terceiro deu certo. Estávamos iniciando nossa jornada rumo à famosa cidade de Medellin.

Até este momento o custo de vida tinha se mostrado mais em conta do que na Venezuela, e a comida é infinitamente melhor. Aqui, brasileiros estranham muito quando o colombiano diz que vai pegar uma BUSETA (microônibus) para ir para casa, porque a pronúncia é exatamente a que nós usamos para o órgão genital feminino. Perguntei para um guarda de trânsito um certo endereço e ele me disse: “siga aquela BUSETA; onde ela dobrar o senhor dobra; não tem errada. Eu falei para meu amigo Jadir que o pessoal de lá era bem pra frente. São as diferenças de duas línguas, que tem muita coisa igual, mas, também tem muitas pegadinhas.

Às 09:20 chegamos a Cartagena, mais uma cidade história da Colômbia. Além da beleza natural e do clima prazeroso o ano inteiro, a cidade é motivo de orgulho para os colombianos. Lá está localizada a casa do escritor Gabriel García Márquez, Gabo para a população local. Na parte histórica da cidade destacam-se, além das bem preservadas construções espanholas do Século XVI, o muro de oito quilômetros que servia de proteção contra ataque de piratas.

Como nosso destino era Medellin, não demoramos em Cartagena, a partir de onde começamos, de fato, a descer no sentido do Sul do continente sul-americano. Porém, sair da cidade requer um bom conhecimento de suas ruas. Tivemos que pagar um mototáxi para nos levar de volta para a Rodovia Panamericana. Não deixamos de observar que começava ali uma mudança considerável no cenário com o qual passaríamos a conviver até bem mais adiante. A agricultura é muito desenvolvida naquela região, com fazendas enormes intercaladas por algumas menores e por outros tipos de atividades praticadas por pequenos produtores. Não vimos pobreza extrema na margem da estrada. Mesmo nas casas mais modestas nas quais entramos, vimos que as pessoas tinham uma boa qualidade de vida.

Às 11:25 passamos por uma manifestação cultural pouco depois de Cartagena, que fazia parte da abertura dos Jogos Monte Marianos. Naquela região tinham ocorrido pesados combates há um ano e meio, entre o exército da Colômbia e as FARC, nos quais houve mortes e muitos feridos.

Por volta de três da tarde começamos a subir a Cordilheira dos Andes, na esperança de dormir em Medellin. Mas, na medida em que a noite foi chegando e a gente foi subindo mais, o frio foi apertando. Às sete e meia da noite, quando começava a escurecer, paramos num lugarejo chamado Socorro, perto de Valdívia, a próxima cidade, que ficava distante umas três horas. Não era aconselhável seguir viagem. Já tínhamos subido mais de mil e trezentos metros, o que fez com que sentíssemos o primeiro impacto do frio.

Resolvemos pernoitar em Socorro, onde nos deram um apartamento bastante simples, mas a comida era muito boa. Não havia garagem para guardar as motos e nós ficamos preocupados. Perguntamos para o dono do estabelecimento, Gastón Gaviria, como resolver aquele problema. Ele disse que era para nós ficarmos calmos e pediu para olharmos para o posto de combustível que ficava a uns vinte metros.

Lá havia dois militares do exército colombiano, armados até os dentes. Disse o dono do hotel que mais tarde chegariam mais para passar a noite ali. Toda noite acontecia isso. Tudo porque nós estávamos num local que até um ano atrás tivera forte presença das FARC, que desciam depois das quatro da tarde e assumiam o controle da Panamericana até o amanhecer o dia seguinte. Quem ousasse passar tinha o carro confiscado, além de correr o risco de ser morto. Assim, nossas motos ficaram muito bem vigiadas.

Jota Parente

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