sábado, fevereiro 24, 2018

Em Itaituba, ouro está sendo usado para lavar dinheiro do tráfico


            Jornal do Comércio - Foi uma conversa de quase quarenta minutos, muito esclarecedora, a respeito do um assunto da maior relevância para a vida de Itaituba, na qual o empresário Dirceu Frederico Sobrinho discorreu sobre problemas e soluções dessa atividade, na qual ele está envolvido há mais de trinta anos. Inicialmente, Dirceu fez algumas observações a respeito do discurso do Prefeito Valmir Clímaco, na Câmara a respeito da grande evasão de divisas que está causando enorme prejuízo ao erário público municipal.
Dirceu – O ponto principal da fala do prefeito, no que ele tem total razão, foi quando ele expressou os fatos, e contra fatos não há argumentos, sobre o não recolhimento de tributos. Ele foi até modesto, porque, de fato, essa conta é um pouco mais de R$ 7 milhões. Na minha conta ela passa disso e chega a quase a nove R$ milhões de sonegação.
O município deixou de arrecadar bastante, e isso prejudica os cofres da prefeitura, o que consequentemente prejudica a população, pois afeta de forma direta toda a economia de Itaituba.  Tem como tributo 1% que é o IOF, e a CFEM de 0,2%,
Em 2017 produziu-se mais do que em 2016, então, na conta do prefeito, ele não chegou a números exatos, ou seja, se ele separar o que recolheu o garimpo em 2016 e comparar com o que recolheu o garimpo em 2017, essa conta chegaria próximo de R$ 9 milhões. Eu já fiz a conta. De R$ 7 milhões, o número de Valmir e R$ 9 milhões, que é a projeção é uma diferença significativa para a economia do município arrecadação do município.
Quando ele fala que, de fato, tem meia dúzia de compradores de ouro que sonegam é porque existe uma nova modalidade que se está aplicando aqui, hoje, pois não é só em Itaituba, é no Brasil todo, que é chamada compra para comercial exportadora.
O ouro produzido por garimpo, na lei, o que está escrito é que é legal ser adquirido pela primeira aquisição por uma instituição financeira autorizada pelo Banco Central do Brasil. Vamos lembrar que só quem comprava o ouro era a Caixa Econômica ou o Banco do Brasil, ou o próprio Banco Central. Na década de 80 transformou-se o ouro em ativo financeiro, e também se permite a compra por instituições autorizadas pelo Banco Central.
A grande maioria das compradoras de ouro que hoje estão em Itaituba, e vamos separar bem a questão, pois existem aquelas que são comerciais exportadoras, existem aqueles compradores que não tem sequer empresa, e esse é outro assunto grave, para comprar ouro com nota fiscal eletrônica da Fazenda Estadual, aonde não há nenhuma alíquota, nenhum imposto, nenhum tributo.
Ao fazer isso, esses compradores mandam esse ouro para uma exportadora, uma trading, em São Paulo, ou em qualquer lugar, e de lá eles exportam esse ouro, beneficiando-se da Lei Kandir, sem tem recolhimento nenhum de tributo.
Isso é do conhecimento da Advocacia-Geral da União e do DNPM e essa situação está prejudicando diretamente o município. Muitas pessoas falam: o garimpeiro não deve pagar imposto. O imposto do ouro é menor que tem no Brasil. Sabemos que o garimpo é a principal mola econômica da nossa região, mas, nós temos que entender que em uma sociedade, todos tem que dar sua contribuição.
Jornal do Comércio - De acordo com sua experiência, com os levantamentos que você fez, qual poderia ser a arrecadação municipal de IOF e de CFEM, supondo-se que todo o ouro que circula no município fosse tributado?  
Lembro que em 2017 produziu-se mais ouro do que o ano de 2016. Entretanto, a compra legal foi 65% abaixo da legal, em relação a 2016. Se todo o ouro produzido no nosso município saísse de forma legal, nós arrecadaríamos uma ordem de R$ 12 milhões por ano, a uma média de R$ 1 milhão por mês.
É claro que nos meses de inverno isso não chegaria s T$ 1 milhão, mas nos meses do verão passaria de R$ 1 milhão, e na média daria uma arrecadação da ordem de R$ 12 milhões isso considerando as alíquotas que nós tínhamos até ano passado; na atual alíquota, se todo o ouro produzido no município de Itaituba fosse comercializado legalmente, esse número ultrapassaria R$ 20 milhões de arrecadação. Nós temos os compradores que usam de um artifício para agir de forma ilegal e temos aqueles que compram para lavar dinheiro do crime.

Jornal do Comércio - O advogado José Antunes, em entrevista ao Jornal do Comércio e ao blog do Jota Parente, afirmou que a decisão do presidente Michel Temer, de sancionar a Lei 13.540/2017, que normatizou a Medida Provisória 789/2017 foi um tiro no pé...
Dirceu - Totalmente correta a afirmação do advogado José Antunes, que tem toda a bagagem de conhecimento, e sabe exatamente o que está dizendo, por que o presidente Michel Temer, quando mudou a alíquota aprovada pelo Congresso quando votou a medida provisória, ele manteve o ouro de garimpo com 0,2%.
O que acontece é que alguns segmentos como do calcário, segmento de sal-gema e segmento de fosfato fizeram lobby para aproveitar e rebaixar suas alíquotas, e colocaram mais cinco minerais na alíquota que era específica para garimpo, para ouro e diamante produzido no o garimpo, para pegar carona. Isso prejudicou diretamente a economia do ouro a legalidade do ouro.
Isso só beneficiou quem compra ouro na ilegalidade, pois, as empresas autorizadas pelo Banco Central, que trabalham legalmente, não conseguem comprar porque o sujeito paga R$ 2 ou R$ 3 a mais. Esses que sonegam impostos e aqueles que lavam dinheiro para o tráfico, e aqui está tendo muito, são um problema grave que está se alastrando no Brasil. Eles conseguem pagar R$ 4 ou até R$ 5 mais caro que os compradores legalizados. Até quando as empresas que compram ouro legalmente vão aguentar sem fechar as portas?
Jornal do Comércio - Dirceu abordou, também, a questão da refinaria de ouro que o governo do Estado, que causou comentários negativos em Itaituba, que é de onde irá a maior parte do ouro para ser refinado...
Dirceu – Eu fico muito à vontade para falar sobre esse assunto, porque a primeira refinadora legalizada de ouro no Estado do Pará foi a refinadora da D'Gold, aqui em Itaituba. Infelizmente, por causa dos baixos volumes de compra, não conseguimos mantê-la em atividade. Aquela refinadora fazia parte do projeto do São José Liberto, na época, e foi inclusive inaugurada na época pela primeira dama do estado do Estado, Socorro Gabriel, e nós, durante um bom tempo refinamos ouro.
Com o advento das indústrias de mineração, digamos assim, que é o caso da Serabi e do Tocantinzinho, que minas de ouro, eu acho muito importante, muito relevante que o ouro seja refinado no nosso Estado e que não saia do Brasil, exportado como ouro bruto.
Essa é uma das bandeiras que a gente defende na Anoro. Temos defendido que o ouro do Brasil saia refinado, que os países do primeiro mundo não exportam ouro bruto. Isso acontece nos países do continente africano, mas, os outros países, geralmente exportam ouro refinado.
Acho importante a implantação do Estado do Pará de uma refinaria de ouro, e entendo que nós poderíamos ter uma refinaria, sim, no Polo Tapajós, instalada no Polo Tapajós, para todo o ouro produzido nessa região sair daqui refinado. Essa seria a melhor forma de controlar a evasão, a ilegalidade; agora, essa refinaria desse protocolo de intenções que foi assinado, também visa a refinar o ouro que vai ser produzido na região de Altamira, na região da Belo Sun, na Volta Grande do Xingu. Porém, embora veja como positivo ter uma refinaria de ouro no Estado, entendo que deveria ter uma refinaria em Itaituba, podendo haver outra refinaria que atendesse a região lá do outro lado do Estado.
Jornal do Comércio - De acordo com sua observação, dada sua longa experiência nesse mercado, conhecendo as matrizes econômicas do município, quanto por cento dessa economia ainda depende do ouro?
Dirceu – Falos nesses números há muitos anos. Na verdade, quando eu estava mais presente em Itaituba, eu acompanhava mais de perto. Sempre tive muita curiosidade para entender o que a gente chama de fluxo ativo, que é aquilo que circula de capital, o capital circulante dentro do município.
Itaituba tem um capital circulante bem interessante, e o que faz a diferença da gente para outros municípios talvez do mesmo tamanho, na minha opinião, e não há nenhuma dúvida quanto a isso, ó ouro.
Eu lhe digo com certa precisão, que na década de 80, quando eu cheguei aqui Itaituba, produzia-se entre 3 e 4 toneladas de ouro por mês.  Itaituba passou por altos e baixos, mas, depois do advento do uso de equipamentos como escavadeira hidráulica na produção de ouro, nós tivemos uma alavancagem significativa da produção na última década.
Nesses últimos 10 anos, nós vemos a produção crescendo e mantendo uma produção bastante interessante. Creio que na região do Tapajós como um todo, se produz em torno de uma tonelada de ouro por mês. Parte disso vem ser comercializada no município de Itaituba; outra parte é comercializada no município de Jacareacanga, outra em Novo Progresso e outra parte do ouro do Pará ainda sai para o Mato Grosso.
Se nós considerarmos que 1kg de ouro bruto vale na média de R$ 115, você ainda tem aqui algo em torno de um movimento de ouro na ordem de R$ 70 milhões a R$ 90 milhões de reais por mês ano. Levando-se em conta que o município de Itaituba, através da Prefeitura recebe, somando todas as suas fontes de arrecadação de impostos e repasses da União, cerca de R$ 18 milhões a R$ 20 milhões por mês, o ouro representa quatro vezes uma prefeitura.
Feita essa exposição, constata-se que, caso o município não tivesse essa economia baseada no ouro, jamais teria a estrutura de comércio que tem. O ouro representa, e eu tenho dito há bastante tempo, 70% da economia. Se nós considerarmos o que há mais de renda no município, você tem os salários do governo federal e mais as aposentadorias, veremos que o ouro representa, no mínimo 60%, mas, talvez chegue a 70% da nossa economia.
Jornal do Comércio – Dirceu, se todo mundo sabe desses problemas envolvendo o mercado do ouro, que você abordou com muita propriedade no início desta reportagem, se todos os entes governamentais sabem dos prejuízos que isso causa aos cofres públicos, porque ninguém faz nada para combater esses crimes?
Dirceu – Seu questionamento é absolutamente pertinente. Eu lhe digo com toda sinceridade, que nós levantamos essas questões na Anoro, no final do ano de 2016, e em 2017, somente sobre este assunto, cobramos todos os órgãos em que nós estivemos presentes, desde a Comissão de Valores Mobiliários, a Receita Federal, ao Coaf, ao Banco Central, a Procuradoria Geral do DNPM, a secretaria de Minas e Metalurgia, a Diretoria Geral do DNPM e ao Ministro das Minas e Energia.
 Entre todas essas reuniões e audiências durante o ano de 2017, a Anoro, representada por mim, e sempre por mais dois ou três membros da nossa associação, 17 reuniões ao todo, com órgãos do governo, tudo documentado, deixamos claro essa situação desagradável, porque ninguém disse que é legal fazer o que está sendo feito; todo mundo diz que é ilegal.
A gente não viu nenhum dos órgãos, ainda reagir. Os municípios estão perdendo e a população está perdendo dinheiro com isso salto município está perdendo, a população está perdendo, enquanto algumas pessoas estão colocando esse dinheiro no bolso, levando vantagem, em detrimento do prejuízo de todos os outros.
O que mais me chateia é constatar que, efetivamente, os tentáculos do crime organizado estão cada vez mais fortalecidos dentro desse segmento. Lamentavelmente, o homem pode escolher aquilo que ele quer fazer. Eu escolhi o caminho da legalidade. Os parceiros estão enfrentando grande dificuldade de permanecer com as portas abertas por falta de providência das autoridades. Eu não sei dizer se é prevaricação, ou o que está acontecendo, porque eu falo e provo com documento, que em todas as nossas audiências, nenhuma pessoa colocou isso está certo; todos dizem que o que está
errado. Então, falta atacar o problema.
            Jornal do Comércio – E como vai a atividade garimpeira na região?
Dirceu - O setor produtivo, o garimpeiro vai bem. Nós estamos vendo que existem várias frentes de garimpo, várias operações, e o volume de ouro sendo comercializado o nosso município é bom. Basta ver o número de escavadeiras que são vendidas e negociadas por ano, ou por mês no nosso município; basta verificar a quantidade de óleo diesel que é direcionado para a atividade garimpeira no nosso município; basta ver, nos últimos anos, quantos aviões a mais aumentaram passaram a atuar nesse setor.
 Os altos e baixos em função das chuvas são normais; a gente convive com isso há muito tempo, mas, a produção está bem. O que nós alertamos sempre para que a gente permaneça bem, sobretudo no nosso município, diz respeito às questões de ações por parte do governo, por causa das questões ambientais, ações essas feitas pelo Ibama e ICMBio, em virtude de garimpos não regulamentados.
Devemos caminhar sempre rumo a busca pela legitimidade e legalidade; nós não devemos nos esconder; como garimpeiros, nós temos que ter orgulho de sermos o que nós somos, mas, nós devemos também entender que toda condição estabelece uma obrigação, e nós temos que buscar a legalização da atividade, desde a produção até a venda.
Chamo atenção para o que a falta que faz ter ainda muita gente trabalhando ilegalmente. Infelizmente, o que está acontecendo hoje, é que se as autoridades olharem para os números de arrecadação e olharem para o movimento, e todos os impactos ambientais que ocorrem na nossa região, vão nos colocar na vala comum. Vão alegar que garimpeiro só faz buraco, que não tem produz nada, que não arrecada.
Essa é uma coisa com a qual a gente deve se preocupar, porque a perda vem direto para o município. Precisamos cobrar uma dedicação dos governos para ajudar a legalizar os garimpos, e regularizar a comercialização do ouro.
Jornal do Comércio – Dirceu, existe quem reclame do governo cobrar imposto do garimpeiro. Tem quem ache que garimpeiro deveria ser isento. E não é pouco gente. Qual é sua opinião?
Dirceu – Sobre esse ponto da incidência de imposto na comercialização do ouro, as pessoas distorcem as informações, e muitas vezes, até chegam acusando que a gente quer forçar o garimpeiro a pagar tributo, ou coisa parecida. Na realidade, eu me sinto muito tranquilo e à vontade, porque eu sei de toda minha história no ramo do ouro e principalmente na defesa do garimpo. Essa não é uma história de hoje, pois, eu tenho 31 anos de atividade no ramo do ouro. Dediquei-me, sempre, ao município de Itaituba para buscar as melhores condições para desenvolver a orientação educacional para desenvolver o garimpo.
Como secretário de mineração que fui, fiz o que esteve ao meu alcance para facilitar a vida do garimpeiro. Hoje, a SEMMA está dando as licenças ambientais, e aqui, quero registrar o reconhecimento de que o atual governo municipal está concedendo as licenças, procurando agilizar o trabalho, em vez de emperrar.
Atualmente, como empresários do setor do ouro, como presidente da Anoro e como o dono de uma distribuidora de valores, estou vendo que tudo aquilo que foi trabalhado e construído ao longo do tempo está sendo destruído por uma questão que não é justa, pois não é justo que não se recolham tributos ao município.
Torno dizer: esses tributos sobre o ouro são muito baixos. Nós não devemos destruir o caminho de legalidade, que está sendo duramente construído, para a gente não ser tratado como bandido. Hoje, o que eu vejo são bandidos aproveitando-se da situação, travestindo-se de empresários, sem recolher absolutamente nada.
Esse pessoal usa dessa forma ilegal para lidar com o segmento de compra de ouro, enquanto as empresas que são formalizadas estão necessitando reduzir, ou até fechar suas portas, porque não tem saída. Uma empresa que não fatura, você sabe, aguenta um tempo, tentam suportar até onde dá, mas, chega uma hora que não dá para continuar.
 Esperamos e confiamos que as autoridades, e quando digo às autoridades, faço menção ao DNPM, a Receita Federal, ao Banco Central, a Polícia Federal e ao Ministério Público, que se atente ao que está acontecendo, porque o que ocorre é uma ilegalidade que prejudica não só ao segmento do ouro, mas, a sociedade de um modo geral.
R$ 7 milhões, e que eu digo que se todo o ouro fosse negociado seria muito mais do que R$ 12 milhões, então, são R$ 12 milhões que deixaram de entrar para atender as necessidades prementes da Saúde e da própria Infraestrutura.
Nós temos que pensar como sociedade e não como indivíduos, e aqui está estamos vendo o segmento das pessoas que querem simplesmente se dar bem. Faço um alerta muito claro a todos que é o seguinte: o fato das autoridades não estarem tomando as medidas contra a ilegalidade que está acontecendo na compra de ouro pelos comerciais exportadoras, abriu espaço para pessoas que, sequer têm empresas e que compram ouro para lavar dinheiro do crime. Isso é ainda muito mais danoso e perigoso, porque você está alimentando aquilo que não presta, que causa danos para a sociedade.
Triste é a gente estar vendo esse movimento de comércio ilegal, de compra de ouro para lavagem de dinheiro para o crime, sendo praticado dentro do nosso município, de forma escancarada, aberta. E o resultado disso é que o segmento do comércio legal de ouro, que sempre foi forte no nosso meio, tende a se enfraquecer cada vez mais. Se não houver uma reação, realmente, o município e a população vão perder muito mais, por causa desse tipo de comércio.

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